segunda-feira, 23 de maio de 2016

Tudo isto foi longe demais.

Imagem obtida em 2011, retirada daqui.

Discute-se - mais uma vez! - o financiamento público do ensino particular e cooperativo. Confesso que não tenho acompanhado de perto o que é dito e feito. Uma das razões prende-se com o facto de a controvérsia - que nem sequer o é - redundar numa gritaria auto-centrada, onde a invocação de direitos - que não o são - se tornou recorrente e onde a contabilidade tomou primazia. Tudo isto foi longe demais.

1. Começo pela contabilidade. Nas notícias que recolhi e analisei destaca-se o "custo por aluno" nos sistemas público e particular e cooperativo de ensino. Tal como noutras contabilidades, onde há interesses firmados, marginais aos que deveriam estar em destaque, as contas não dão certas. De qualquer maneira, este é um aspecto que deveria vir em último plano, depois de muitos outros serem ponderadas.

2. Um dos primeiros aspectos que deviam ser ponderados é se a educação, tal como a vida - e, de alguma forma, a educação é a vida, no sentido mais nobre que possamos atribuir à existência humana -, tem preço? Preço, no caso, transformado em euros e cêntimos? E, também, no caso de uma solução ser mais barata é por ela que devemos optar quando se trata de concretizar o valor de educar?

3. Além disso, a expressão "custo por aluno" é uma das mais feias do "economês", onde o negócio da educação se tem tornado o centro e a periferia. Não estamos a falar de batatas, nem de fotocopiadoras ou de cães de raça, estamos a falar de crianças e de jovens que por, terem chegado a este mundo, temos o dever - e o dever é sempre moral - de transformar em seres pensantes, livres.

4. Na verdade, a educação tem de ser encarada como uma dádiva a que, como humanidade, estamos obrigados. Parecerá contraditório, mas é assim mesmo. É o altruísmo que temos de invocar quando falamos de educação e não sacar de folhas excel para arrumar o adversário. Se o fazemos é porque não temos capacidade para educar, pelo que devíamos perceber isso, calarmo-nos e retirarmo-nos.

5. O problema é que não vejo que nos calemos nem que nos retiremos, vejo pior, vejo o que a imagem que acima reproduzo mostra. Cada um a reivindicar para os seus filhos o que mais lhe convém, o que no seu caso é mais proveitoso. Será muito difícil atingir que aquilo que desejamos para os nossos filhos - e é esperado que desejemos sempre o melhor do melhor para eles - é o que temos de desejar, sincera e abnegadamente, para todos os outros filhos, sobretudo para os filhos de pais que não existem, que se recusam a sê-lo, que não são capazes de o ser, que não têm voz, que, por pudor ou outra razão, se mantêm calados?

6. Paradoxalmente, também não vejo quem tanto defende os seus filhos e os seus alunos a defendê-los, de facto. Vi em 2011 miúdos metidos dentro de caixões para "chamar a atenção"; vi agora, como antes, miúdos, alguns muito pequenos, postos à frente de manifestações, vestidos com camisolas onde estavam gravados slogans favoráveis a pais e a escolas, a gritar desalmadamente o que lhes tinham dito para gritar. Não é legítimo usar assim as nossas crianças e os nossos jovens.

7. Preocupa-me que não venham a lume aspectos tão evidentes como os que acima assinalei ou que não se lhes dê atenção. O que tem desfilado pela comunicação social é uma triste repetição: manifestações de rua sensacionalistas; múltiplas modalidade de pressão, desde as mais toscas às mais refinadas; depoimentos enganosos...

Disse acima que tudo isto foi longe demais, e foi. O sector público de ensino a delegar no sector particular e cooperativo o que era da sua competência; a intrusão progressiva deste sector no sector público e o sector público a ceder mais e mais; a insinuação de que o sector particular e cooperativo presta um serviço público, melhor até do que o próprio serviço público; o alinhamento partidário, mais à esquerda ou mais à direita, que determina a separação ou "colaboração" entre os dois sectores; etc. deu nesta embrulhada da qual muito dificilmente sairemos.

E, no entanto, temos de sair dela: o sector público de ensino tem de ser público, pago com erário público é para todos; o sector privado e cooperativo tem de ser privado e cooperativo, pago com o dinheiro de que o puder e quiser pagar será para alguns.

Não tenho nada contra as escolas privadas e cooperativas, nada mesmo: desde que cumpram o currículo estabelecido, por princípio aquele que beneficia os alunos, têm, evidentemente, o direito de existir, o que, aliás, está consagrado na Constituição da República e na Lei de Bases do Sistema Educativo. Mais: há escolas privadas que nada têm a ver com esta promiscuidade e que não deixam de apresentar a sua indignação pelo facto de, num Estado de direito, haver dois pesos e duas medidas, umas para a privadas com contratos de associação e outras para as privadas sem contrato de associação.

1 comentário:

Rui Baptista disse...

Obrigado pela lucidez da sua análise prezada Professora Helena Damião.

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