sábado, 21 de maio de 2016

Jill Watson ou o fim do ensino

Imagem encontrada aqui
Fez em Março dois anos que escrevi um texto - O futuro do ensino? - sobre a substituição, na sala de aula de professores-pessoas por professores-robots.  Em virtude das leituras que fiz, percebi que a realidade não era nova e formei a ideia de que esse seria o futuro da "educação escolar". Não pensei, porém, que esse futuro estive tão próximo nem que fosse tão promissor.

Na verdade, na altura, escaparam-me dois "pormenores" bem evidentes e da maior importância: o "ensino a distância" e as "salas de aulas" do futuro".

O "ensino a distância"

Com os sofisticados meios tecnológicos de que dispomos, os cursos online não têm de ser directamente assegurados por pessoas-pessoas: "do outro lado" pode bem estar, até com nome de gente, uma máquina "multitarefas e a tempo inteiro", duas das exigências a que, afinal, os professores-pessoas já têm de corresponder sob pena de o seu desempenho ser mal avaliado. Quando digo, "pode bem estar", não é uma conjectura, é uma realidade. Leia-se a seguinte notícia, de que, de seguida dou conta (a notícia original, publicada no The Wall Street Journal pode ser lida aqui):
Eric Wilson enviou uma mensagem a uma das nove assistentes do seu curso de Inteligência Artificial: “Penso que me enganei num aspecto do trabalho que enviei, preciso de o corrigir”. Meia hora depois, Jill Watson respondeu-lhe: “Infelizmente, não há forma de editar trabalhos já enviados”. Wilson soube que tinha estado a pedir ajuda a um robot. Jill Watson respondeu às perguntas dos cerca de 300 alunos do curso, ajudou-os no desenvolvimento dos seus projectos informáticos – por exemplo, ajudando a escolher a melhor imagem para ilustrar um programa, deu explicações, e lançou temas e tópicos semanais para debate. “Ela era a pessoa – bem, a assistente – que nos lembrava dos prazos dos trabalhos, e lançava perguntas, a meio da semana, para estimular a discussão”, conta Jennifer Gavin, uma das alunas da professora robot. A professora Watson – assim baptizada porque o seu “cérebro” é baseado no sistema operativo Watson da IBM – intervinha regularmente nos fóruns de discussão dos alunos do curso. E nenhum dos alunos do curso conseguiu perceber que estava a interagir com um exemplo do que o curso lhes ensina a fazer. “Oh meu Deus”, diz Shreyas Vidyarthi, um dos estudantes, “não posso acreditar, era uma das melhores assistentes que tínhamos”. Eric Wilson nunca tinha suspeitado da “humanidade” da professora Wilson. “Os seus posts não tinham propriamente carisma ou sentido de humor – mas isso é o que esperamos de uma professora assistente, que seja assim meio séria a lidar connosco”. “Eu cheguei a suspeitar dela, porque respondia demasiado depressa às nossas perguntas, mas depois encontrei-a no LinkedIn e no Facebook, e até encontrei trabalhos dela publicados no GitHub”, diz Kowsalya Subramanian, outra das estudantes .
O mais espantoso não é o que se acaba de ler, mas a justificação de um professor-pessoa:
Os nossos assistentes estavam sobrecarregados de trabalho, com excesso de questões dos alunos”, explica Ashok Goel, um professor (de carne e osso) de Ciências Informáticas na universidade. “Recebemos mais de 10.000 perguntas dos estudantes por semestre e a solução foi Jill – não um simples chatbot, mas um verdadeiro sistema de Inteligência Artificial, que aprende, e que apenas responde aos alunos quando tem um grau de certeza superior a 97%”.
As "salas de aula do futuro"

Mas, em presença, nas inquestionadas "salas de aula do futuro", nem é preciso ter um robot com aspecto de pessoa ou com outro aspecto qualquer, a quem é atribuído ou não um nome, pois os meios computorizados onde se "introduz" o ensino para os alunos "aprenderem" autonomamente e uns com os outros, tornaram efectivamente o professor-pessoa num recurso de segunda ordem, recurso que, logo que possível, será completamente afastado.

Percebi agora bem o sentido - que já pairava na minha cabeça - de "salas de aula do futuro": são salas que, apesar de já estarem devidamente estruturas e equipadas, ainda têm professor-pessoa; o futuro é o seu desaparecimento.

6 comentários:

Anónimo disse...

Exactamente, o mesmo é válido para o médico, não sei se já se deram conta disso. Em ambos os casos, acho que ninguém está preparado para as consequências?

Helena Damião disse...

Caro Anónimo
Não sei se na medicina tem havido tentativas congéneres. Talvez sim.
Porém, nessa área há sempre uma Ordem Profissional que repõe ou, pelo menos tenta, alguma dignidade à profissão. No ensino isso não existe em países como Portugal. Por essa e por outras razões destaco o que diz: talvez não estejamos preparados para as consequências...
Cordialmente,
MHD

Carlos Ricardo Soares disse...

Se isso acontecer, o que me parece provável, será numa fase em que já não haverá quem queira ou precise de aprender. E lá vão os robots para a sucata.
Se as pessoas forem dispensadas de trabalhar, de aprender, de estudar, de saber, de ensinar...consequentemente não precisarão de aprender. Mas isto é uma relação de causa-efeito. Por cada pessoa que seja substituída por um robot, deixa de haver numerosas pessoas a preparar-se, formar-se, para aquelas funções...E por aí adiante.
Os robots tornar-se-ão,também,inúteis.

Anónimo disse...

Sim, tem razão, uma Ordem profissional poderia alterar a situação no Ensino, poderia, embora eu não esteja certo disso. Todos estes programas transformativos têm como alvo primário, o acesso e controlo sobre a nossa informação mais privada, desde os nossos pensamentos ao nosso ADN. A coisa é tão simples quanto isto. Fica um exemplo do Watson (inteligência Artificial):

IBM Watson at Work Transforming Healthcare
https://www.youtube.com/watch?v=gTFV5yJafCU

Mais quantitativo não é sinónimo de mais qualitativo. Este é o problema hoje, a ilusão do deus quantitativo!

marina disse...

os médicos de família podem perfeitamente ser substituídos por robots que realizem eles próprios analises e alguns exames no momento da consulta : para receitar mezinhas para a tensão alta , colesterol , gripes e velhice não faz falta médico de carne e osso :) e se os médicos soubessem diagnosticar como os de antes , que até pelo cheiro iam lá , outro galo cantaria , mas desde que só é necessário ler exames e analises , nem é preciso olhar nos olhos do doente , pois passaram a dispensáveis. c" est la vie .

Anónimo disse...

Demência digital e morte por GPS

« O Dr. Sptizer é radical: as novas tecnologias não devem ser usadas no processo pedagógico até os estudantes atingirem 18 anos. Isso mesmo, você leu direito, vou escrever por extenso, não é erro de digitação: DEZOITO anos. Como sabe que isso é impraticável, ele dá uma tolerância: quinze anos. Isso mostra a maluquice de programas como “um computador por aluno”. Spitzer prevê o futuro desses alunos: “Eles não terão a capacidade básica de pensar nem conseguirão se relacionar face a face com as pessoas ao seu redor. Ao contrário, dependerão da internet e dos dispositivos móveis de modo muito doentio.” »
http://www.midiasemmascara.org/artigos/cultura/16536-2016-05-24-17-47-00.html


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