segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Um texto crítico de Nuno Pacheco sobre a ortografia nacional

No passado dia 8 deste mês de Novembro, publiquei, aqui no DRN, um post titulado: ”Acordo ortográfico: indispensável ou um erro?”.

Li algures, com a verve, ao que julgo de um autor brasileiro,  que ““portugueses e  brasileiros convivem em harmonia apesar de duas línguas. Afinal são precisas duas línguas para um beijo”. Nesse meu texto dei conta de uma notícia da “Lusa” com o título supracitado, escrevendo (e passo a citar) “aguardar com enorme curiosidade esse desfecho”.

A resposta a esta controvérsia  encontrei-a  num artigo, do passado Domingo,  intitulado “Academia e bom senso” (“Caderno 2”, p. 29) da autoria do  director-adjunto do “Público”, Nuno Pacheco, desde a primeira hora crítico no que tange ao “Novo Acordo Ortográfico”.

Não resisto a transcrevê-lo pelo seu valor noticioso  e, principalmente, pelo valor  da argumentação contraditória  apresentada.  Passo a citar o referido artigo:

Por
“No dia em que o Governo caía, discutia ali bem perto a Academia o bom senso da ortografia. Pode parecer o início de um péssimo verso, mas é a mais pura das verdades. A Academia das Ciências de Lisboa teve a louvável ideia de abrir as suas portas (dias 9 e 10) à discussão de um problema sério, o da ortografia nacional, que alguém resolveu “simplificar” em transnacional. Em dois dias, profícuos, lá tivemos, em pacífica mas tensa convivência, acordistas (o corrector acaba de me emendar para açorditas, o que me obrigou a pô-lo na ordem) e não-acordistas, com muitos argumentos repetidos, uns frágeis e outros sólidos, e algumas novidades deste nosso mundo.
Do presidente da Academia, Artur Anselmo, ouvimos esta declaração: “A Academia não foi consultada no momento em que um ministro da Cultura decidiu pôr em vigor o que ainda estava em discussão” (o acordo ortográfico de 1990, AO90). Ninguém o contestou, mas os dois principais rostos do dito, Malaca Casteleiro e Evanildo Bechara (que, diga-se, aguentaram estoicamente os dois dias que durou o colóquio) garantiram que tudo “está bem”. Malaca, que confessou “estar saturado” do tema (o que diremos nós, caro senhor!), remeteu as críticas para a “nota explicativa” (que ele acha que ninguém leu, quando muitos acham que foi ele que não a releu), garantiu que em Portugal o AO “está plenamente em vigor” e que “camadas jovens aprendem facilmente a nova ortografia”; e anunciou mais um simpósio para Timor-Leste (!) em 2016. Como se vê, o turismo da língua não cessa. Só a língua, pobre dela, não viaja nem se livra do monstro que lhe ataram às pernas. Ah, e o Vocabulário Ortográfico Comum, essa coisa essencial ao acordo que devia estar pronta logo, logo? Ouça-se Malaca: “Está em bom andamento.” Como se vê, nenhum problema. Bechara, por seu turno, além de se perder na história (recuou até 1911!), disse que o acordo visa “favorecer um ensino fácil da leitura e da escrita” e quase lamentou aquilo de que o Brasil abriu mão: “O Brasil fez as cedências necessárias”... Houve, ainda, alguns números de feira, como o da “infernização do hífen”, com diapositivos onde se lia “aspecto” — o autor era brasileiro, atenção — em lugar do “aspeto” que por aí se instalou; e uma “regra única” para “acentuação objetiva” apresentada como mezinha (a mania das regras únicas é, pelos vistos, contagiosa), regra essa que afinal se verificou... serem várias. Um delicioso delírio.
Argumentações contra este acordo houve muitas: desde a importância da “expressão grafémica da ortografia” até à “formatação mutiladora do português europeu”, passando pela ridícula imposição à ciência (as propriedades “ópticas” dos minerais passam a “óticas”, o que nos levará a encostá-los aos ouvidos para confirmar), à idiotia de fazer regredir palavras já consagradas (“reescrever” passa a “re-escrever”, segundo o AO, por ter duas vogais iguais seguidas), ao desastre da confusão entre “fonémica” e “fonética” ou ao “atentado contra a significação corrente das palavras”. Muito se afirmou e demonstrou. Disse Alzira Seixo que Evanildo Bechara (hoje paladino do AO) terá afirmado, num encontro nos Açores, que o texto actual do acordo não teria condições para servir de proposta normativa por ter “imprecisões, erros e ambiguidades”. O próprio, presente, podia ter tentado desmenti-la, mas não o fez. Já Malaca dissera que o acordo “tem com certeza algumas incongruências, não há acordos perfeitos”. Certamente. Ninguém pediu um acordo perfeito. Aliás, ninguém pediu acordo algum mas, a haver um, ao menos que fosse decente...

Com este, e abrindo agora as (hoje generosas) portas da Academia para o mundo que lá fora o reproduz, vamos lendo horrores como “impato” por impacto, “fatos ilícitos” por factos ilícitos, “corrução” por corrupção, “seção” (à brasileira) por secção, “começamos” por começámos (confundindo tempos verbais, numa submissão à norma regular brasileira), “pato” por pacto, tudo isto em documentos oficiais (PR, Governo, autarquias, etc.), escolares, textos empresariais, imprensa, etc. Além, claro, de uma constante mistura de grafias, sem tino nem nexo. Há um exaustivo levantamento online feito por João Roque Dias, especialista em tradução técnica, e é assustador! Está tudo bem? Claro que está! Em 2016, haverá excursão gongórica a Timor! As escolas e o país... que se arranjem com o resto”.


http://s.publico.pt/acordo-ortografico/1714297

3 comentários:

Cisfranco disse...

Os efeitos negativos do AO são evidentes. São uma reforma no modo de escrever que está ao arrepio das regras do português de Portugal e que o próprio Brasil não aceita. Parece feito por ignorantes, mas isso é só o que parece, de ignorantes eles não têm nada, são mais xicos-espertos, pois o que deve estar por trás de tudo isto é a ganância comercial que resulta da feitura de novas edições/publicações, por força da adopção desse acordo. Os deputados que na Assembleia aprovaram tais alterações foram uma cambada de ignorantes incompetentes que não se aperceberam do problema submetendo-se, cegamente, às comissões técnicas que propuseram tais alterações, não vendo ou não querendo ver mais além daquilo que esses acordos propunham ou pretendiam alterar. Não souberam apreciar regras absurdas, das quais, em última análise, são os culpados.. Uma cambada que aprovou propostas que uma comissão, aparentemente científica lhe apresenta.Não tiveram categoria para distinguir as coisas. Que leis é que se podem fazer com gente desta?

José Figueiredo disse...

O Acordo Ortográfico é a estupidificação da Língua Portuguesa, pretende apagar a variedade de sons e palavras, sotaques e dialectos, que se encontram na mesma.

O Português como língua falada e escrita é um marco da diversidade, uma ligação histórica que une um povo a outros povos do mundo que souberam se tornar independentes e mesmo assim continuar a falar Português, transformando-o, tornando-o seu à sua maneira, enriquecendo-o com novas palavras, sonoridades, gramáticas e oralidades, que resultaram em grandes expoentes Históricos, Literários, e Culturais, desses países.

A pressão que está a ser feita para implementar este acordo que desde a sua criação se mostrou uma burla com objectivos pessoais e políticos, com total passividade dos dirigentes democraticamente eleitos pelos cidadãos da República, deve ser imediatamente denunciado e investigado, dando assim início a debates e discussões de maior envergadura, fortemente organizados e divulgados junto dos cidadãos.

Definindo este acordo ortográfico, é meramente um acto digno de um regime nacional-socialista, de cariz fascizante.

JNC disse...

Não se preocupem; como sempre, daqui a uns trinta anos, já ninguém gasta tempo a discutir isto. Foi sempre assim com os Acordos e Reformas anteriores. O tempo não volta para trás. A próxima geração rir-se-á de toda esta polémica.

"A escola pública está em apuros"

Por Isaltina Martins e Maria Helena Damião   Cristiana Gaspar, Professora de História no sistema de ensino público e doutoranda em educação,...