segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

V. S. Naipaul e os Jacintos-de-água


Recentemente, o povo da Praia de Mira uniu-se para limpar os jacintos-de-água da barrinha e das lagoas vizinhas.

V.S.Naipaul, escritor de Trinidad e Tobago, no seu romance A Curva Do Rio descreve o dia-a-dia de Salim numa ex-colónia da África Central. Este último vive numa aldeia, situada na curva do rio que atravessa o país, e os jacintos-de-água, amiúde, invadem-lhe os olhos:

Vindos do sul, de paragens que ficavam muito longe da curva do rio, passavam a todo o momento os jacintos-de-água, negras ilhas flutuantes no escuro rio, dançando ao sabor das águas. Era como se a chuva e o rio tivessem arrancado aquele mato ao coração do continente e o levassem até ao oceano, que ficava a tantas milhas dali. Mas o jacinto-de-água era fruto do rio, e não da Terra. A enorme flor lilás tinha aparecido no rio havia apenas alguns anos, e na linguagem local não existia qualquer palavra para a designar. As pessoas chamavam-lhe ainda «aquela coisa nova» ou «aquela coisa nova do rio», e para eles o jacinto-de-água era muito simplesmente mais um inimigo. Os seus ramos e folhas, muito elásticos, formavam espessos emaranhados de vegetação que se colavam às margens do rio e atrancavam os canais. O jacinto crescia depressa, mais depressa do que os homens o podiam destruir com os meios que dispunham. Os canais que conduziam às aldeias tinham de ser constantemente limpos. Mas o jacinto-de-água voltava, vindo do sul, voltava sempre, espalhando sementes e alargando os seus tentáculos ao sabor das águas do rio.

Esta planta invasora, símbolo das sociedades modernas, atravessa o romance desde a nascente até ao estuário.

Para o próximo ano, o povo da Praia de Mira tem de voltar a pôr as mãos nos jacintos-de-água.

2 comentários:

perhaps disse...

Para as populações locais os jacintos-de-água devem ser uma praga. Do que entendi do excerto, e porque "atravancam os canais", serão nefasta flor.

Talvez seja melhor ler A Curva do Rio. Ficou-me uma imagem poética acerca de uma flor lilás que nasce das águas. Desfazê-la com a realidade. É isso. Aprendemos com a história que os invasores quase sempre deixam maior mal que bem.

Mas o povo de Mira é perseverante. Há-de derrotar a planta.

Mira disse...

Não serão as populações locais jacintos-de-água?
Os canais atravancam as plantas e há de deixou caiu a ligação.

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