terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Livros com Química: Domingo à tarde de Fernando Namora


Para assinalar o Dia Mundial do Cancro partilho um excerto de um texto mais extenso que estou a escrever sobre as relações entre a literatura com a química  (deste livro em particular falei já numa outra ocasião)

No romance Domingo à tarde de Fernando Namora, Jorge é um médico cínico e azedo que conhece Clarisse, uma doente com leucemia que se recusa a dar atenção à sua doença e que o vai conduzindo para passeios e aventuras, em geral bastante inocentes mas quase sempre insólitos. 

A relação vai evoluindo, mas Clarisse acaba por morrer. Em 1961, ano da publicação do livro, a leucemia tinha ainda perspectivas de cura bastante reduzidas. O arsenal terapêutico era limitado e o reaparecimento da doença frequente. Historicamente, medicamentos à base de arsénico e bicarbonato foram muito usados, mas com pouco sucesso. No início do século XX surgiu a radioterapia e, a partir dos anos 1940, começaram a estar disponíveis alguns medicamento quimioterápicos. 

Ao longo do livro vai-se falando de ensaios clínicos incipientes e de medicamentos de eficácia duvidosa. Fala-se de uma planta selvagem descoberta em Andorra, uma espécie de alcachofra (denominada H-5), que teria resultados promissores, mas, na verdade, no que concerne às doenças oncológicas não faltam vigaristas, mitómanos e lunáticos que misturam compostos químicos com rezas prometendo a salvação aos desesperados.  No livro é referida uma droga (um novo fármaco) que está ser ensaiada, mas ainda estamos longe das descobertas sistemáticas que se seguiram, nos anos setenta e oitenta. 

Em 1953 Watson e Crick publicaram a estrutura do DNA, mas só nos anos 1980 essa descoberta foi confirmada e começaram a aparecer fármacos desenvolvidos de forma racional com base na estrutura molecular dos alvos terapêuticos e fármacos. 

Hoje em dia temos muito mais medicamentos que nos anos 1960, mas ainda há alguns tipos de cancros que resistem às terapias conhecidas. E temos uma coisa que era impensável em 1960: um problema global de falta periódica de drogas comprovadamente eficazes por a sua produção ter deixado de ser economicamente vantajosa. 

Os dois grandes desafios da química medicinal são: a descoberta de medicamentos inovadores, para doenças que não tinham ainda cura, ou de fármacos mais eficazes, para doenças que já tinham algum tipo de tratamento; e a produção, o mais económica possível, de medicamentos genéricos. Mas está cada vez mais difícil e caro descobrir novos medicamentos, ao mesmo tempo que os medicamentos genéricos atingem preços por vezes ridículos, inferiores ao de um vulgar doce ou de uma garrafa de refrigerante ou de água. Assim, à medida que várias drogas se vão tornando genéricos, as companhias farmacêuticas já não lhes podem, ou não querem, dar tanta importância, a não ser que sejam produzidas e vendidas em grande quantidade. 


E este é um problema à escala global, não apenas de Portugal. Citando um artigo de 2011 do New England Journal of Medicine estão nesta lista alguns dos mais emblemáticos e eficazes medicamentos usados em doenças oncológicas desenvolvidos no século XX: o metotrexato, a leucovorina, o 5-fluorouracil, a etoposida, as antraciclinas, a citarabina, a vincristina, o paclitaxel e a cisplatina.

Em Domingo à tarde fuma-se muito. De uma maneira geral, fuma-se muito nos livros dos anos sessenta e setenta do século XX. Os cinzeiros estão sempre cheios. Tanto os médicos como os doentes fumavam e isso não era visto como uma coisa má para a saúde. Hoje sabemos que o cancro do pulmão do fumador é um dos mais devastadores e resistentes às terapias.

1 comentário:

James disse...

https://www.youtube.com/watch?v=EAsqiLbHYOo
Li o livro há anos atrás. Adoro a escrita de Fernando Namora e o tempo que relatam.

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