sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Contra os cortes na ciência portuguesa

Numa longa entrevista que dei ao "Jornal de Negócios", publicada hoje no número de fim de semana, interrogado sobre os recentes cortes na ciência, afirmei o seguinte:

"Se queremos manter o nosso nível de vida ou até melhorá-lo, precisamos de mais e melhor ciência. E a ciência dá resultados. É por isso que eu vejo como importantes as preocupações em Portugal sobre o futuro da ciência. Nos últimos vinte anos, a ciência progrediu muito, formámos bastantes mais pessoas, temos uma geração científica que está ao nível dos melhores. Este esforço tem de continuar.

Se há uma mudança de paradigma, como dizem, é de um paradigma de crescimento para um paradigma de decréscimo. Há uma razia enorme, sem aviso. E não há nova política, porque, se houvesse, tinha sido anunciada e discutida na Assembleia da República. Há um engano perfeito. Os jovens tinham expectativas sobre a continuação dos seus estudos. O que me preocupa não são os cortes, é a falta de inteligência nos cortes.

Os governos têm de ouvir os cientistas e o nosso governo está surdo, mudo e cego. Estou a  chegar de França e li uma notícia sobre um comunicado do Conselho Superior de Ciência e Tecnologia que, aparentemente, foi censurado. É de bradar aos céus, como é que isto é possível num país democrático? A democracia não está em risco, mas estamos a ver sintomas de atentados a normas democráticas e não devemos tolerar isso. Parece que estamos todos atordoados, adormecidos, pouco críticos. Isto de estarmos encolhidos tem de acabar. Não devemos permitir que um órgão independente seja impedido de ser independente.

Já a FCT (Fundação para a Ciência e a Tecnologia) é uma repartição do Estado que terá recebido ordens para fazer uns cortes e fê-los sem qualquer espírito crítico, sem saber sequer o que é a ciência. A dimensão cultural da ciência é desconhecida da FCT. Acabaram com duas áreas fundamentais: história da ciência e promoção da ciência. É como se tivessem cortado a ligação da ciência à sociedade e à cultura. E a ciência, sozinha, estiola."

4 comentários:

Anónimo disse...

Galois

Já aqui disse algures. Os tribunais são a nossa última fronteira.
Quando falharem consistentemente estaremos em ditadura.
É o último fio que nos agarra à democracia.

Ildefonso Dias disse...

Professor Carlos Fiolhais;

Eu penso que quem deve ouvir os cientistas são pessoas e não os governos... é o cidadão comum quem deve dar a "tonalidade geral da orientação às elites parciais" tal como dizia o Professor Bento Caraça.
Encontra-se nos Conceitos Fundamentais da Matemática (Ed. Gradiva) um texto interessantíssimo escrito pelo Matemático Alfredo Pereira Gomes sobre o mote "A ciência tal como ela se faz". Que bem ficava aqui publicado, tal é o seu valor... o autor cita a "boutade"; "... com que Eça de Queirós finaliza a Relíquia (1887), na certeza tranquila de ser lido com assentimento e gozo: "E tudo isto perdera! Porquê? Porque houve um momento em que me faltou esse 'descarado heroísmo de afirmar' que, batendo na terra com pé forte, ou palidamente elevando os olhos ao Céu - cria, através da universal ilusão, ciências e religiões."

Publique-se esse texto aqui no DRN, certo que muitos leitores irão apreciá-lo e bem compreende-lo. Obrigado

Ildefonso Dias disse...

Professor Carlos Fíolhais, ainda o seu apelo, desesperado, para que os Governos oiçam os cientistas!!!
Argumentos a favor de que, aos cientistas, cabe o papel de criadores e divulgadores da ciência, e é ao cidadão comum, munido desses conhecimentos, que cabe o papel que o senhor quer atribuir, neste caso aos cientistas.

"Mas, se a identificação de classe dirigente e elite cultural nunca se deu nem se dá, para quê o pretender estabelecê-la?

Razão evidente e única - porque a classe dirigente, não tendo que fazer de momento, nem necessitando, dessas antecipações geniais no domínio da ciência e da cultura (aos seus autores é dada a liberdade de morrer na miséria), precisa no entanto daquilo a que podemos chamar valores científicos e culturais de segundo plano, carece de tomar posse do que da ciência vai derivando constantemente para as aplicações, a fim de adquirir uma base mais sólida de existência e domínio. E como, por outro lado, ela sabe bem que mal vai ao seu poderio quando ele é exclusivamente de natureza material, fabrica, para seu uso próprio, um conceito novo de elite, deformador do verdadeiro, e, armada com esse conceito novo e servida por aqueles que se prestam a dar~lhe corpo, pretende aparecer como suporte único do movimento cultural, relegando para o domínio do subversivo, a que é preciso dar caça, tudo aquilo que contrariar os seus cânones.
E devemos concordar em que tem realizado a primor essa tarefa.
O trabalho de submissão, de lamber de botas, da parte das chamadas camadas intelectuais, tem sido duma perfeição dificilmente excedível. Digamos, para irmos até ao fim, que os mais excelsos nesse mister são frequentemente aqueles que, partindo das camadas ditas inferiores, se guindaram, umas vezes a pulso, outras em acrobacia de palhaço, a posições que deveriam utilizar para defesa dos bens espirituais e que só usam para trair os seus antigos irmãos no sofrimento."[A cultura integral do individuo].

Nota: Se concorda com o texto de BJC, verá que ele é antagónico ao seu apelo.

maria disse...

os partidos estão muito afastados da população.. a ciência também... parece que lhes custa a aceitar que democracia e ciência como projectos de libertação da humanidade já morreram faz tempo :) sei lá , aquando da massificação da sociedade ? e de politicos e cientistas a pontapé? prepare-se pró enterro , mas é.

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