quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

HISTÓRIA DA PALEONTOLOGIA - 4

Texto em continuação de outros que podem ser encontrados aqui.


Charles Lyell
Pioneiro da geologia moderna, o inglês Charles Lyell (1797-1875), mestre de Charles Darwin (1809-1882), não sendo um paleontólogo, no sentido de um estudioso de fósseis, o seu papel na paleontologia foi importante na medida em que pôs em causa o catastrofismo e o criacionismo de Cuvier, e criou os fundamentos para o evolucionismo de Darwin. Como cristão devoto, Lyell teve grande dificuldade em conciliar as suas crenças com a selecção natural, mas acabou por deixar prevalecer a razão.

Autor do conhecido Princípio do Uniformitarismo, mostrou que os processos geológicos se desenvolvem de forma natural, devido a processos físicos, químicos e biológicos actuantes de forma lenta, gradual e contínua ao longo dos tempos, ou por outras palavras, que a natureza manteve, desde sempre, as mesmas leis. Entretanto, na Alemanha, Christian Gottfried Ehrenberg (1795-1876), zoólogo e microbiólogo, deixou-nos a sua contribuição ao estudar durante três décadas, centenas de espécies de micro-organismos actuais e fósseis, incluindo diatomáceas, radiolários e foraminíferos, cujos resultados figuram em cerca de 400 publicações.

Uma entre as muitas ilustrações de foraminíferos desenhadas e anotadas por Ehrenberg, em 1830
A partir do seu trabalho passou a conhecer-se a natureza do chalk (cré, o calcário pulverulento, do Cretácico, das brancas e alcantiladas arribas da Normandia) e do Kieselgur, (diatomito ou terra de infusórios) usado como abrasivo e como material para cerâmica refractária. Considerado o “Pai da Paleobotânica”, o francês Adolphe Brongniart (1801-1876), filho de Alexandre Brongniart, era taxonomista e anatomista vegetal e, também, geólogo. Escreveu mais de 200 trabalhos, entre eles, uma publicação pioneira sobre o desenvolvimento do pólen, editada em 1827, pela qual foi premiado pela Académie des Sciences de Paris.

Fundador da morfologia comparada entre vegetais fósseis e actuais, Alexandre Brongniart deixou-nos Histoire des végétaux fossiles (1828-1837), trabalho notável que abriu caminho ao estabelecimento de relações entre as plantas do passado e as do presente. Contemporâneo de Adolphe Brongniart, o médico português Bernardino António Gomes (1806-1877) foi pioneiro no estudo da flora fóssil do Carbónico de Portugal, tendo-nos deixado a sua publicação Flora fóssil do terreno carbonífero das vizinhanças do Porto, Serra do Buçaco, e Moinho da Ordem, próximo a Alcácer do Sal, editada em 1865.

Homenagem a Bernardino António Gomes no Jardim Botânico da Universidade de Lisboa
Seu contemporâneo, em Inglaterra, o médico John Jeremiah Bigsby (1792-1881) estudou fósseis do Paleozóico, durante os últimos 20 anos da sua longa vida, tendo-nos deixado Thesaurus Siluricus, publicado em 1868, e grande nome das ciências da natureza, Charles Darwin (1809-1882) não se interessou pelo valor estratigráfico dos fósseis, mas tirou partido do seu valor como testemunhos da selecção natural e, sobretudo, da evolução das espécies, como está patente no seu divulgadíssimo livro On the Origin of Species, editado em 1859.

 Doutor em Filosofia Natural e em Medicina, Oswald Heer (1809-1883), de nacionalidade suiça, começou por se interessar por entomologia, depois por botânica, acabando por se tornar um especialista e um dos pioneiros da paleobotânica, à escala internacional, nomeadamente, pelas suas investigações sobre a flora do Cenozóico de vários locais do mundo, incluindo Portugal, num estudo que publicou em 1881, intitulado Contributions à la flore fossile du Portugal, numa edição da Secção dos Trabalhos Geológicos de Portugal.

Richard Owen ao lado do esqueleto de Dinornis.
Entretanto, em Inglaterra, Richard Owen (1804-1892), licenciado em medicina, ficou na história da paleontologia por ter criado e proposto o termo Dinosauria para designar o então criado grupo de gigantescos répteis fósseis (Megalosaurus, Iguanodon e Hylaeosaurus) encontrados no Sul de Inglaterra. Seguidor de Cuvier, foi pioneiro na paleontologia dos vertebrados, tendo-se tornado especialista em anatomia comparada. Deste seu trabalho inovador resultou a obra 3 volumes publicados entre 1866 e 1868.

Nos seus estudos sobre aves fósseis e actuais figuram a moa gigante (Dinornis), da Nova Zelândia, extinta há menos de mil anos, e a célebre Archaeopteryx, a ave com dentes e cauda, do calcário litográfico do Jurássico superior de Solenhofen, da Baviera. Owen estudou ainda as ossadas de mamíferos extintos da América do Sul, recolhidos por Darwin, tendo descrito os géneros Glyptodon, Mylodon, Megatherium e Toxodon, e outras da Austrália, dando a conhecer os géneros Diprotodon e Thylacoleo, além de uma espécie de canguru extinto e outra do wombat gigante.

Megatherium
Outros dos seus mais importantes trabalhos versaram sobre fósseis de vertebrados do seu país, de que resultaram, entre 1844 e 1846, History of British Fossil Mammals and Birds e History of British Fossil Reptiles, em quatro volumes, publicados entre 1849 e 1884. Além dos vertebrados actuais e fósseis, estudou certos grupos de invertebrados, como esponjas, braquiópodes e moluscos. Grande impulsionador da criação, em 1881, do Museu de História Natural de Londres, de que foi o primeiro director, Owen opôs-se abertamente à teoria darwiniana sobre a evolução por selecção natural. Com interesse para a geologia e paleontologia de Portugal, Louis Charles Gaston de Saporta (1823-1895), paleobotânico francês, foi o autor do estudo das plantas fósseis recolhidas por Paul Choffat em diversas formações do Mesozóico português, permitindo precisar a idade dos respectivos terrenos.

Do seu trabalho destaca-se a descoberta de espécies de dicotiledóneas no Cretácico inferior de Cercal (Ourém), num nível muito mais antigo do que até então era conhecido, passando a localizar-se em Portugal, segundo ele, o berço deste grande grupo botânico. Nos Estados Unidos da América, a paleontologia dos dinossáurios começa em 1854, com a descoberta, no estado de Montana, de dentes fósseis deste tipo de répteis, identificados como sendo de Hadrosaurus foulkei, por Joseph Leidy (1823-1891), da Academia das Ciências de Filadélfia e autor de Extinct Fauna of Dakota and Nebraska, editado em 1869. Esta espécie pertencente a um grupo conhecido por dinossáurios "bico-de-pato", característicos do Cretácico, foi assim designada em homenagem a William Parker Foulke (1816-1865), da mesma Academia, também ele um nome importante e entre os seus pares.

Hadrosaurus foulkey
Mas o essencial da história da paleontologia dos dinossáurios no Novo Mundo repousa, sobretudo, na obra colossal de dois homens do fim do século XIX e início do XX que, em simultâneo mas separadamente, levaram a cabo a mais importante, volumosa e prolongada odisseia, de sempre, na procura, recolha e estudo destes animais pré-históricos. Othniel Charles Marsh (1831-1899), de famílias modestas, herdou de um tio, o banqueiro George Peabody, uma fortuna considerável.

Na sequência disso, fez estudos universitários e fundou o Museu Peabody, na mesma cidade, no qual desenvolveu notável e longa carreira científica. Licenciado pela Universidade de Yale, em 1860, estudou depois geologia e mineralogia na Scientific School de Sheffield, em New Haven (Connecticut), e paleontologia e anatomia comparada em Berlim, Heidelberga e Breslau. Regressado ao país, foi nomeado professor de paleontologia dos vertebrados na sua universidade.

Othniel Marsh (à esquerda) e Edward Cope
O outro americano desta odisseia, perito em anatomia comparada e membro da Academia de Ciências de Filadélfia, era oriundo de uma família rica e estudou na América e na Europa, tendo desenvolvido, igualmente, longa e notável actividade neste ramo da paleontologia. Estes dois homens, geniais, entusiastas, ricos, poderosos e livres dos condicionalismos institucionais e patronais, trabalharam intensamente, cada um por seu lado, numa rivalidade sem limites nem regras, dando, por vezes, lugar a atitudes menos correctas, espiando-se, atacando-se verbal e fisicamente e procurando cada um, sempre que possível, ridicularizar o outro. Mortos os ânimos e as animosidades pessoais entre estes dois investigadores e suas equipas, ficou a descoberta, descrição e identificação de 136 novos géneros de dinossáurios.

Entre si, escreveram mais de dois mil trabalhos científicos, tendo, além disso, desenvolvido técnicas de escavação, ainda hoje utilizadas. Tal actividade, muito conhecida, também e sobretudo, nos seus aspectos negativos à margem da ciência, foi o começo de uma autêntica "corrida aos dinossáurios". Na sequência desta ”corrida aos dinossáurios”, apareceram os mecenas, os filantropos e as instituições financiadoras das expedições, explorações e pesquisas científicas; surgiram academias, sociedades científicas e novos museus.

Continua...
A. Galopim de Carvalho

4 comentários:

Ideações disse...

Professor, gostei do seu Hipparion gracile do Miocénico de Pikermi (Grécia), do outro lado do rio.
Sabia que o Führer foi operado ao maxilar? Por isso, tinha uma maneira esquisita de mexer a boca. Parecia que um ovo circulava de uma bochecha para a outra. Não sendo vegetariano, não comia carne, só ovos e peixe e saladas de todo o tipo e, por isso, não tinha necessidade de se servir da faca...

ekoOk disse...

conocimiento extraordinario, que nos ayuda a aprender gracias

FAÇA O SEU PRÓPRIO FLUVIÁRIO SEM FAZER MUITA FORÇA disse...

ele nem era professor há 20 anos e muito menos o é agora

se gostaste do bicho chupa-lhe os ossos

de Pikermi...como se a zoogeografia valha-nos o pedro rodrigues viesse com a taxonomia-tafonomia fossilífera

também snifas cola

coño coño disse...

coño mesmo

O BRASIL JUNTA-SE AOS PAÍSES QUE PROÍBEM OU RESTRINGEM OS TELEMÓVEIS NA SALA DE AULA E NA ESCOLA

A notícia é da Agência Lusa. Encontrei-a no jornal Expresso (ver aqui ). É, felizmente, quase igual a outras que temos registado no De Rerum...