O maior feito da ciência neste século ocorreu logo no seu inicio. Com efeito, em 2000 om Presidente dos Estados Unidos Bill Clinton e o primeiro-ministro britânico Tony Blair anunciaram que estava praticamente concluída a sequenciação completa do genoma humano, o conteúdo da molécula do ADN que está enrolada nos cromossomas, em resultado do Human Genome Project – que terminaria no ano de 2003.
Fig. 1. Esquema de um troço da molécula de ADN. A Adenina e a
a Timina são bases complementares porque encaixam uma na outra, assim como a
Guanina e a Citosina.
O projecto encontraria três mil
milhões de pares de bases (grupos químicos A, T, C, G, respectivamente Adenina,
Timina, Guanina e Citosina, Fig. 1),
associados para formar cerca de 23 000 genes (segmentos do genoma que
codificam o fabrico de proteínas, Fig. 2), num total de 800 MBytes de informação (pouco mais do que
um CD-ROM). Nós não somos mais do que o resultado dessa longuíssima sequência
AGTAC...
Fig. 2. Total de genes e de bases em cada um dos 23
cromossomas humanos. Mais bases nem sempre significa mais genes, pois há partes
entre os genes (junk DNA) cujo papel
está a ser intensamente investigado.
No final do Human
Genome Project a sequenciação de um
genoma custava cerca de cem milhões de dólares. Os preços foram decaindo a um
ritmo espantoso. A decifração do genoma humano por menos de mil dólares passou
a ser uma das metas mais perseguidas pela biomedicina. Em 2013, o bioquímico
norte-americano Jonathan Rothberg anunciou uma nova máquina – o Ion Torrent - que promete cumprir essa
meta. A sequenciação de um genoma passou não apenas a ser mais barata como
bastante mais rápida. Existe concorrência: a empresa
Oxford Nanopore anunciou uma solução tecnológica diferente mas
com o mesmo propósito e resultado. Se se concretizar o preço anunciado, a sequenciação do genoma humano indiviudual vai
ficar ao alcance de muitas mais bolsas. E já se fala em máquinas que poderão
fazer sequenciações por menos de cem dólares!
Fig. 3. Evolução do custo de sequenciação de um genoma humano
desde 2001 até 2011. Uma recta neste gráfico de potências significa a chamada
“lei de Moore” (conhecida da evolução dos microprocessadores). Mas aqui
verificou-se claramente em 2007 uma mudança de declive da recta: more than Moore.
Mas para que serve a sequenciação
do genoma? Cada um de nós distingue-se precisamente pelo ADN, uma molécula que
existe no núcleo de cada uma das nossas células. Somos todos iguais, pois o
genoma humano é quase todo igual, mas somos todos diferentes, pois as
alterações individuais, apesar de poucas, são significativas (menos de um por
cento do genoma humano é a diferença entre dois seres humanos). Algumas doenças
e a predisposição para muitas outras estão nos genes. Conhecendo o perfil
genético de cada pessoa, os médicos poderão, além de efectuar diagnósticos mais
precisos, prescrever medicamentos à medida do paciente, praticando o que se
chama medicina personalizada. Por outro lado, o tratamento estatístico dos
dados anonimizados permitirá às empresas farmacêuticas e alimentares conhecer
melhor o perfil de populações e fabricar produtos melhores para certos grupos.
O próprio poderá, conhecido a sua natureza
genética, mudar o seu estilo de vida e viver mais e melhor. É todo um
admirável mundo novo que se anuncia com a revolução em curso na genética.
Nos formidáveis avanços da genética
os físicos têm desempenhado um papel proeminente. No Human Genome Project participaram
ao lado de químicos, biólogos, médicos e informáticos. Nas modernas empresas
inovadoras que propõem soluções económicas são os responsáveis por electrónica
que complementa a bioquímica e, nalguns casos, por soluções engenhosas de
biotecnologia (com os nanoporos por onde passa uma cordão de ADN de modo a medir
a corrente eléctrica e, portanto, a passagem sequencial das bases que formam o
cordão, Fig. 4).
Fig. 4. Esquema de funcionamento de um nanoporo por onde
passa um cordão de ADN. Esta solução é, por enquanto, futurista do ponto de
vista comercial, mas nada impede que possa ser realizada.
Fig. 5. James Watson e
Francis Crick em 1953 juntos a um modelo tridimensional de ADN que eles
próprios montaram.
A presença dos físicos nos
estudos de genética está longe de ser nova. A estrutura da molécula do ADN foi
descoberta em 1953 na Universidade de Cambridge, no Reino Unido, por um físico
inglês, Francis Crick, e por um então jovem biólogo norte-americano, James
Watson, usando técnicas físicas de difracção de raios X (Fig. 5). A história
está contada no livro A Dupla Hélice
(Gradiva). E eles próprios reconheceram que uma forte motivação para o seu
trabalho foi o livro de outro físico, o austríaco Erwin Schroedinger, o autor da equação com o seu nome, que em 1943
publicou O que é a Vida? (Fragmentos),
onde se interrogava sobre as bases físicas da hereditariedade, adivinhando de
forma correcta o conteúdo dos cromossomas existente no interior do núcleo
celular: “It is these chromosomes ...
that contain in some kind of code-script the entire pattern of the individual's
future development and of its functioning in the mature state.”
De facto, a biologia molecular
foi, na sua origem, obra de físicos. O dinamarquês Niels Bohr, uma vez
decifrado o essencial da teoria quântica que explicaba, nas palavras do inglês
Paul Dirac, “toda a química e quase toda
a física” encorajou alguns jovens a
seguirem carreira na biologia. Foi assim que o físico teórico alemão Max
Delbrueck decidiu estudar a genética da mosca da fruta no Departamento de
Biologia do Caltech.
O caso da investigação do genoma,
do homem ou de outros seres vivos, mostra como a ciência moderna é interdisciplinar.
E como a física ocupa, desde há muitos anos e ao lado de outras ciências, um
lugar indispensável no esforço de compreensão do mundo, incluindo naturalmente
o mundo vivo.
1 comentário:
Transhumanismo, gnosticismo esta leitura da ciência possível é uma verdadeira fraude. Não obrigado! A questão nunca está na ciência, antes está sempre nos propósitos de quem a faz e paga.
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