terça-feira, 3 de setembro de 2013

Tudo se mistura e confunde

A propósito de alguma falta de reconhecimento da divulgação científica, que tem sido objecto de debate neste blogue.

A divulgação da ciência - que, vindo de longe, ganhou um enorme impulso depois da Segunda Grande Guerra, em grande medida, por causa dela - é fundamental em termos de informação e consciencialização das sociedades bem como nas decisões que podem tomar nos seus mais diversos sectores. Isso é ponto assente.

Porém, quando se fala em divulgação da ciência pensa-se, certamente, na divulgação de conhecimento produzido nas ditas "disciplinas duras" - química, física, biologia... - e na matemática - com estatuto epistemológico próprio - e não nas ditas "disciplinas moles" - a sociologia, a antropologia, a pedagogia...

No que respeita à pedagogia, que é a área que conheço melhor, tornou-se comum dissertar-se, opinar-se sobre os assuntos que trata sem que isso tivesse sido acompanhado da preparação que tal tarefa exige.

Exemplifico: ao ler no Público on line um artigo recente - Quando a escola deixar de ser uma fábrica de alunosdei conta da mistura de temas, factos e conceitos, das imprecisões, da infiltração do senso-comum no texto... Como muitos outros, este em vez de esclarecer confunde; em vez de informar desinforma, em vez de se aprofundar ideias deixa-as pela rama.

Neste artigo são tratados temas como...
a organização do espaço na sala de aula, a relação professor-aluno, a escola tradicional e a nova, a morte, sobrevivência e/ou mudança da instituição que é a escola, a relação da escola com a sociedade e o mercado de trabalho, a integração das tecnologias da informação e da comunicação no processo de ensino-aprendizagem (que muda o lugar do professor, do aluno e do conhecimento), os filmes que se disponibilizam na internet como forma de aprendizagem, a organização didáctica das aulas, a organização do espaço e mobiliário escolar, as competências que os alunos devem adquirir, a relação teoria-prática, os métodos de ensino, a motivação dos alunos, a alteração do currículo, avaliação da aprendizagem, o ambiente de sala de aula, as artes na educação, os estilos de aprendizagem, a tutoria e a home-shooling, a equidade, a igualdade de oportunidades, a inclusão social, a inovação pedagógica, casos de países, "pedagogias" e escolas de manifesto sucesso, a formação de professores, a relação entre a tutela e os terrenos educativos, a avaliação internacional, o número de alunos por turma, a aprendizagem colaborativa, o trabalho de grupo, a pesquisa e a discussão dos alunos, a autonomia dos alunos, a inter e multidisciplinaridade...
Podia continuar o meu exercício de cotejamento mas paro-o aqui, até porque ele é bastante para se perceber a ideologia que passa ao leitor e que se traduz em verdades inquestionáveis:
o aluno deve ser activo, é preciso mudar a escola porque a sociedade muda, os alunos de hoje são diferentes dos de épocas passadas, é fundamental reforçar a aprendizagem prática, os alunos devem integra-se em comunidades profissionais, a aprendizagem não é "decorar", a mais valia, em termos de aprendizagem do contacto com "vivências reais", deve preferir-se o brincar como forma de aprendizagem, a importância de se trabalhar a auto-estima dos alunos, é preciso que a avaliação se apresente despercebidamente aos alunos e não bem como avaliação, os alunos pode ser espontaneamente imaginativos e a criativos, a arte tem um poder libertador, a diferenciação pedagógica é uma mais-valia, é fundamental respeitar as necessidades individuais de cada aluno...
É possível identificar, nesse artigo, outras concepções de educação, mas também fico por aqui, apenas assinalo que nenhuma é analisada no sentido de se perceber o que está em jogo, qual o seu sentido histórico, social, filosófico... que investigação científica tem desencadeado e com que resultados.

Reconheço que não me fica muito bem assinar este texto, pois é, em certa medida por omissão dos (pejurativamente nomeados) especialistas em pedagogia que a divulgação científica nesta área está no estado que acima ilustrei. A sua responsabilidade neste particular ainda não se fez soar devidamente, sendo que ela devia fazer-se notar junto de jornais e jornalistas, na escrita artigos e livros que as mais diversas pessoas pudessem compreender e debater.

Há, pois, um trabalho imenso pela frente de divulgação do conhecimento pedagógico, ainda que já possamos contar com iniciativas meritórias (de algumas que tenho conhecimento dei conta aqui e aqui).

3 comentários:

perhaps disse...

A pedagogia é tão inesgotável como a filosofia. Ambas vivem do tempo, ou do homem no tempo, a primeira, em volta dessa função tão humana que é aprender, tem como raiz a comunicação; e mais a gosto pela capacidade de ressaltar o outro que explícito ou implicito, importa. E não me parece que a segunda se efectue sem ela, ainda que a exceda.

Os jornais e jornalistas têm a sua própria filosofia. Que muito diz de si no escrito.Sendo opinativos.

Cláudia da Silva Tomazi disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Fernando Caldeira disse...

Em parte devido à crise que atravessamos, as lutas entre pequenos poderes instalados no ensino agudizaram-se. Apesar da maioria dos intervenientes falarem em nome das Ciências da Educação, são raros os que falam através delas. Daí a proliferação do lugar-comum, da tirada sonante, das frases que perdem o sentido porque descontextualizadas.
Apesar da situação próxima da calamidade a que chegou a Educação, após décadas de degradação dos conhecimentos transmitidos e do nível cultural dos alunos (factos sempre negados pelos “optimistas” instalados), não houve más políticas, projectos falhados, “teorias” nefastas. Tudo se equivale, até porque a realidade é uma construção e a objectividade não existe, como estabelece o “paradigma pós-moderno”.

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