Chama-se “culto do cargo” às crenças das populações indígenas que construíram simulacros de aparelhos de rádio e de torres de controlo de tráfego aéreo. Acontece que o culto do cargo surge onde menos se espera: nomeadamente, no artigo de Vasco Barreto, que o David Marçal aqui divulgou.
O culto contemporâneo do cargo é tomar o estado como o legitimador da ciência, em vez de o tomar como o coordenador das diferenças de estilos de vida. O culto do cargo é pensar que a ciência e a sociedade têm algo a ganhar com a força legislativa do estado, quando na verdade tem tudo a perder. Porquê?
Porque acreditar na medicina científica por más razões é tão mau quanto não acreditar na ciência. E acreditamos na ciência por más razões quando a enfiamos pelas goelas abaixo da população por meio da força do estado. Quem acreditar na medicina científica em detrimento da homeopatia porque a primeira mas não a segunda tem o selo e o beneplácito do estado, está em pleno culto do cargo.
E, claro, o culto do cargo é pôr o estado no lugar de autoridade, decidindo o que é e não é científico. Isto é culto do cargo porque revela uma incapacidade para viver sem a autoridade do estado do nosso lado. Quem se sente órfão sem o poder do estado do seu lado é exactamente como as populações indígenas que se sentiram órfãs quando os europeus e norte-americanos se foram embora.
Não temos vantagem alguma em meter o estado ao barulho na nossa tarefa de levar a ciência às pessoas, e só temos desvantagens. Se as pessoas acreditarem na ciência a poder de chicote metafórico, já perdemos a batalha. Porque, a menos que eu me tenha enganado (e se calhar enganei-me mesmo), a batalha consiste em promover a autonomia da população, e não a sua heteronomia a nosso favor. Mas, por definição, se as pessoas acreditarem na medicina científica porque é o que o estado lhes diz para acreditar, já perdemos a batalha porque não tornámos a população autónoma: mantivemo-la na heteronomia, mas mudámos-lhe a cor.
Havia um tempo em que o estado era descaradamente encarado como educador e defensor dos bons costumes e da moral sexual tradicional. E era proibido o divórcio e a homossexualidade e pensar o proibido. E era proibido ser contra o governo e beber Coca-Cola e usar mini-saia. E era proibido tudo o que era cientificamente e moralmente tido como incorrecto pelos bem-pensantes com poder governativo. Esse tempo infelizmente ainda está na cabeça de muita gente que se pensa partidária da democracia e da liberdade.
Entre o Admirável Mundo Novo e 1984 a diferença é apenas de superfície. Mas há quem argumente que neste caso foi Orwell quem se enganou e Huxley quem acertou em cheio.
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30 comentários:
A mim só me interessa saber se o Estado faz o mesmo a uma factura apresentada por um consumidor da medicina(convencional) ou da homeopatia. Subsidia/comparticipa as duas? Se sim, então, o Estado deixou-se enganar e não sabe distinguir o que é científico/provado do que o não é. Não aceito que os meus impostos sirvam para subsidiar charlatanices. Não pretendo que o Estado as proiba, quem quiser usar que use. Mas exijo do Estado que gaste bem o dinheiro com base em conhecimento credível.
Não concordo, e você não concorda também, só que não se apercebe disso porque está a pensar com os calcanhares. O que em muitos casos é melhor do que pensar com o cérebro que não se tem. Como é o meu caso. Daí a minha insistência.
Toda a gente paga impostos, incluindo quem quer usar a homeopatia. E estas pessoas têm tanto direito a que os seus impostos sejam usados para o que elas querem como eu. Outra coisa é saber se, de todo em todo, os impostos das pessoas devem ser usadas para financiar a medicina. Eu penso que não, mas isso é outra coisa. Agora, no contexto em que os impostos das pessoas são usados para financiar coisas como a medicina, a filosofia e até (pasme-se) a gestão de empresas (quando, depois, os seus beneficiários vão ganhar rios de dinheiro à custa dos meus impostos), o argumento que usa não me parece particularmente convincente. Quando toda a gente contribui com os seus impostos para tudo sem saber como o seu dinheiro é usado, é inevitável que esse dinheiro seja usado para coisas que quem paga os impostos não gostaria nada de financiar. É essa a natureza deste sistema maluco de financiarmos todos o que não queremos, não usamos, não consumimos e temos raiva a quem consome.
A sua resposta é óptima para o sr ficar a falar sozinho e também para fazer jus à convicção de alguns (com a qual não concordo) de que a filosofia não serve para nada.
Mas a filosofia não serve mesmo para nada! Aliás, nisso é como o cinema, o futebol e as telenovelas. As pessoas que fazem essas coisas ou as consomem é só porque gostam de o fazer, mas nenhuma delas serve para nada no mesmo sentido em que a culinária, a medicina e a agricultura servem para alguma coisa.
E, em qualquer caso, você não respondeu ao argumento. O que é apropriado, dado que eu não tenho cérebro e faço uma coisa que não serve para nada. Mas serve para ver onde o seu argumento falha. E até serve para explicar por que falha, e até com humor.
Felizmente o Desidério é pago pelo ministério da educação Brasileiro e não Português, ufa, tenho é pena daquele país tão perto dos EUA de onde importa toda a propaganda pós modernista.
Desidério Murcho presta um precioso contributo ao retorno da velha medicina pré científica, com sangradores, purgantes, o equilíbrio dos humores e demais tretas.
Não se preocupe se essa corrente ganhar, subirá em flecha, as mortes no parto, a mortalidade infantil e a esperança média de vida pelo contrário baixará, não importa há gente a mais no mundo e pode-se voltar a morrer de doenças já erradicadas nos países desenvolvidos, bastando o retorno à irracionalidade.
Parece que depois de cada período de grande desenvolvimento cientifico a irracionalidade e a ignorância que julgávamos mortas regressam em força e tudo em nome da liberdade do vale tudo!
Mais não consigo comentar porque já faltam palavras contra argumentos que parecem surrealistas..
O seu argumento é a falácia do declive escorregadio. Há muitos países onde a homeopatia está regulamentada e na verdade até têm melhores condições médicas do que em Portugal.
E já agora: não sou pós-modernista nem irracionalista. Mas se o sou ou não é irrelevante. A única coisa relevante é responder aos argumentos que estão no texto.
Um dos aspectos curiosos neste blog é a crendice científica dos comentadores. Não sei como o Desidério tem paciência. Talvez porque acha divertido tanta estupidez.
O Desidério devia ser obrigado a ir ao corandeiro de cada vez que tivesse uma doença grave, que era para ver como é. Quando é que o despedem deste blog?
Desidério largue essa filosofia barata, volte ao ensino secundário, curso ciências, tire uma licenciatura em física, química, biologia, bioquímica ou outra coisa do género, como estamos com Bolonha, aproveite e tire logo o mestrado, depois quem sabe se tem bases cientificas adquiridas durante a aprendizagem dos cinco anos na universidade para perceber que a homeopatia é treta e saber distinguir a ciência, da treta..
Desidério, o problema desse seu fundamentalismo é que se esquece de ponderar as consequências que resultariam de o Estado deixar de financiar a medicina (e a ciência em geral). Os resultados de cenários desse género estão à vista em inúmeros países africanos e não só.
Parece-me que o Desidério coloca a questão de quem é que o Estado representa e se deve representar alguém ou alguma coisa em especial, se considerarmos que o Estado é poder e domínio. O quê ou quem domina quem e com que legitimidade? Não se trata senão de questões a que devia ser possível, sobretudo ao Estado, responder claramente. Vivemos numa época em que tudo muda mais rapidamente e vai mudar. Os Estados, como os conhecemos desde sempre, são o maior entrave aos direitos, liberdades e progresso e vão acabar inapelavelmente. Quem não sente, por exemplo, que o tempo do D. Afonso Henriques já passou? E os nossos políticos? Não estaríamos bem melhor sem esses estorvos? Quem têm sido os maiores inimigos de quem trabalha? Os responsáveis pelas guerras e pela opressão? Quem tosquia o rebanho? Que serviço nos tem sido prestado em troca dos nossos impostos? Reforma do Estado? Claro. Mas o que é caricato e revela bem a estupidez de quem nos governa é que eles falam em reformar o Estado como se eles não fizessem parte e não fosse deles que se está a falar. Reformar o Estado não é mandar embora os funcionários públicos e fechar os hospitais e as escolas. Reformar o Estado é acabar com o Estado.
Sugiro-lhe que compre um cérebro. Há vários à venda, baratos, perto do parlamento, porque as pessoas que lá trabalham não precisam deles.
Com um cérebro novo, irá perceber que o meu argumento pressupõe que é verdade que a homeopatia é uma treta. Eu não acredito na homeopatia. Também não acredito no boxe, mas as pessoas devem ser livres de praticar o boxe.
Quando o estado certifica coisas, tem de certificar exclusivamente o que as pessoas querem que seja certificado, independentemente de isso que está sendo certificado ser verdadeiro ou não. Para certificar o boxe basta haver doidos que querem levar murros na cara voluntariamente. Não é preciso provar cientificamente que levar murros na cara é bom para os neurónios.
A vantagem de ter um cérebro é, pois, compreender que não está em causa saber se homeopatia é pseudociência ou não. O que está em causa é as pessoas que fazem homeopatia terem os mesmos direitos que os paneleiros, por exemplo -- as pessoas que fazem panelas, mesmo mal feitas e de uma maneira não científica.
A questão do financiamento é lateral ao tema em causa, que é a homeopatia. O estado pode perfeitamente continuar a financiar a medicina e não financiar a homeopatia. Acho isto indefensável, mas tudo bem. Mais indefensável ainda é que a homeopatia não deva ser legislada. Isto é tão ridículo que quase nem mereceria discussão.
Mas o estado não precisa financiar a medicina pela simples razão de que é um bem que as pessoas realmente valorizam, e por isso estão dispostas a pagá-lo. O financiamento do estado é sempre uma falácia:
1) Para começar, os únicos recursos que o estado tem é o dinheiro tirado às pessoas através de impostos. Portanto, os recursos do estado são os recursos das pessoas que involuntariamente pagaram os seus impostos.
2) Quando as pessoas valorizam algo, estão dispostas a pagá-lo. Neste caso, não é preciso o financiamento do estado. Não precisamos que o estado financie os sapatos nem a água mineral nem a electricidade.
3) Quando as pessoas não valorizam algo, não estão dispostas a pagá-lo, o que é natural. Nesse caso, é injusto que o estado use o dinheiro delas para gastar em coisas que elas não usam, não valorizam e não querem financiar.
4) Quando as pessoas mais carenciadas precisam de apoio do estado, este seria muito mais eficiente se fosse dado directamente às pessoas, em vez de financiar supostos serviços públicos. Quem não tem dinheiro para comer ou para se educar, o estado deve dar-lhes o dinheiro directamente a eles, em vez de os obrigar a usar os sempre maus e ineficientes serviços públicos. No sistema actual de financiamento público, por cada mil euros de impostos, devem chegar às pessoas reais que precisam desse apoio uns 5 euros, se tanto. O resto é comido pela ineficiência do sistema.
5) Caso se eliminasse a ineficiência dos financiamentos públicos, haveria mais riqueza a circular porque as pessoas pagariam menos impostos e porque usariam o dinheiro que sobra para financiar as coisas que realmente valorizam. Toda a gente ficaria melhor porque por sua vez a riqueza gerada ao financiar o que as pessoas realmente valorizam permitiria ajudar melhor as pessoas mais carenciadas.
Aconselho o livro de Matt Riddley, The Rational Optimist. Se há razões para ser optimista é que com o tempo se vai percebendo que o maior obstáculo ao desenvolvimento, à riqueza e ao bem-estar são estados megalómanos de perfil napoleónico. Para termos bem-estar e justiça precisamos que o estado vigie a economia para impedir cartéis e monopólios, para estimular a concorrência, para gerir uma justiça célere e eficiente. O resto, é mais eficiente deixar nas mãos dos privados: ensino, saúde, universidades, investigação científica, jornais, livros, ópera, teatro, futebol. Todas estas coisas são hoje fonte de corrupção, ineficiência, desperdício de dinheiros alheios, burocratização vazia e injustiça profunda.
Claro que sim Desidério, quando tudo for privado, se não tiveres dinheiro, não estudas e não comes, ai já não é injustiça social é o mercado a funcionar!
Quando as universidades forem todas completamente privadas, aqui ou no Brasil, tu Desidério não vais ter emprego nem lá nem cá, porquê? basta reler o que tens escrito neste blog para perceberes!
E o seu a falácia da falácia, cujo nome não sei nem me interessa.
Nesses países há sim senhor as homeopatias, mas são minoritários, quando o sistema for todo assim vamos ser como os países africanos, fome, miséria, doença e sobretudo ignorância, e letrada pelo que parece!
Curioso este texto, e em primeiro lugar porque toda a sua construção se baseia num equívoco: não é culto "do cargo" mas culto "da carga". A partir do momento em que isto é percebido todo o parágrafo que sustenta a restante tese - "O culto contemporâneo do cargo é tomar o estado como o legitimador da ciência, em vez de o tomar como o coordenador das diferenças de estilos de vida. O culto do cargo é pensar que a ciência e a sociedade têm algo a ganhar com a força legislativa do estado, quando na verdade tem tudo a perder." - perde sentido, ou será, quando muito,a defesa de uma tese que nada tem a ver com o conceito chamado à discussão. A frase de abertura do texto, aliás, é de um simplismo que permite suspeitar que Desidério Murcho não sabe realmente o que é o culto da carga. Recomendo, pois, a Desidério Murcho que se informe. Pode ler o artigo da wikipédia, aqui http://en.wikipedia.org/wiki/Cargo_cult ou noutro lugar qualquer.
Dito isto, até tendo a concordar parcialmente com a tese de Desidério Murcho: o Estado deve dar a liberdade às pessoas de escolher o que lhes apetece, nomeadamente o modo como gastam o seu dinheiro, desde que co isso não interfiram com a liberdade dos outros. Não aceito, por outro lado, é que o Estado se comporte como um analfabeto relativista, na linha pós-modernaça das "várias verdades" e da "verdade relativa", pagando ou financiando indiscriminadamente tudo o que os diferentes lobbies de pressão lhe consigam impingir. E se temos um Estado que assume determinadas funções sociais, como a prestação de cuidados de saúde (se o deve fazer ou não é outra discussão) exijo que o que é pago tenha um mínimo de plausibilidade e fundamentação científicas.
E aqui entramos na questão da homeopatia. Legislar a homeopatia (e as restantes TNC) cria uma imediata legitimação pelo Estado, credibilizando-a perante a população, que é exactamente o que os seus cultores pretendem. Temos, assim, o Estado a promover o obscurantismo e a iliteracia científica de modo indirecto.
Do que é que está a falar quando diz "Legislar a homeopatia (e as restantes TNC) cria uma imediata legitimação pelo Estado, credibilizando-a perante a população, que é exactamente o que os seus cultores pretendem."?
Será que para si se o estado legislar a homeopatia ela fica credível (e passará a encarar essa técnica terapêutica como razoável)?
Ou será que você é incomensuravelmente mais esclarecido que os restantes cidadãos (e portanto não cai em patranhas, nem mesmo as que o estado legisla), mas está a pretender salvaguardar esses cidadãos das suas próprias patetices. E acha que pessoas assim devem ter a mesma liberdade que você, será que elas devem poder votar, será que elas devem ter os mesmos direitos que você?
Se calhar não (atrevo-me eu a responder)
Caro Vasco da Gama,
Retórica vazia, a sua. Não apresenta argumentos: faz-me perguntas de tipo acusatório e arrisca palpites sobre o que eu acho, ou lhe convém que eu ache, para validar o seu ataque. Não creio, pois, que esteja interessado no que eu penso mas reformulo na mesma. Uma técnica habitual dos cultores das TNC é tentarem que elas sejam reconhecidas e reguladas legalmente porque isso, naturalmente, não só as legaliza como as legitima como verdadeiras e úteis aos olhos do público consumidor. Alguma dúvida?
O estado também financia carreiras e projectos sem fim sobre supercordas, sobre partículas que nunca ninguém tem a certeza que existem, sobre especulações matemáticas a partir de hipóteses criacionistas do cosmos e, até, sobre autores que não vão em cientismos apressados, moldados ao jeito de religiões, com os seus dogmas e vigários. Será que o estado deve deixar de legislar ou mesmo apoiar todo este tipo de investigação? Será que o estado só deve dar a mão ao que serve os interesses da ciência e desta só devemos ter a noção que os cientistas, em concílio, decidirem ter? Será que é função do estado declarar se as cartilhas dos Marçais e dos Fiolhais são ciência ou apenas livros de vendedores de pipocas?
O estado deve financiar aquilo que venha a ser útil para a sociedade e resultado de um estudo sério e não são só as ciências exactas, a física ou a aplicabilidade prática imediata. Mas a homeopatia não se encaixa aqui porque é treta.
Aquilo que é masturbação intelectual e retórica vazia nem para alimentar porcos serve, não traz nada de novo ao mundo e não contribui para nada e nisso inclui-se a homeopatia. Quanto à ciência dos marçais e fiolhais você já a desfruta, ela funciona e é a melhor explicação do real que se conhece até ao momento.
Qual é o seu ódio em relação a ela?
PS: Não sou nenhum dos visados..
A Filosofia, bem como os fundamentos da Ciência duvidosamente são úteis para a sociedade. Portanto, deveriam ser exterminadas? E o que dizer da Literatura, do desporto de alta competição ou da alta finança. São úteis para a sociedade? De que sociedade? Já agora, qual é a ciência dos marçais e fiolhais? Só conheço a ciência dos Newtons, dos Paulis, dos Gödel, dos Einstein, entre outros de que não fazem parte esses nomes que refere.
Estes filósofos da treta, mais cucos que os maridos cucos, não conseguem mesmo conformar-se com o facto de a Ciência os ter colocado na mais insignificante irrelevância. Eles que durante séculos e séculos tiveram o monopólio do saber, agora vistos assim como uma espécie de curandeiros e de vendedoras da banha da cobra da cultura... é chato...
Divirtam-se com os vossos colóquios e simpósios de nefelibatas, e deixem as pessoas aqui do blog serem informadas de coisas sérias. Brinquem lá à vontade com as vossas teorias, se isso,vos satisfaz as meninges.
Caro ABS,
Eu não tenho nenhuma estima particular pelas TNC, mas elas existem e há muita gente que pensa que elas são eficazes para os seus achaques. E devo respeitar a sua opinião e a sua também, que pensa que elas são fraudes.
Por um lado diz:
"o Estado deve dar a liberdade às pessoas de escolher o que lhes apetece, nomeadamente o modo como gastam o seu dinheiro, desde que com isso não interfiram com a liberdade dos outros."
mas pelo outro quer impedir (ou limitar) que as pessoas tenham a liberdade de escolher essas terapias.
O outro absurdo do que defende é sugerir que o estado ao legislar sobre essas práticas (suponho eu que responsabilizando os intervenientes) esteja a "promover o obscurantismo e a iliteracia científica". Provavelmente deve achar que isto é óbvio, mas como é que o estado promove o obscurantismo e a iliteracia científica ao legislar sobre a homeopatia (ou o que quer que seja)?
Eis o exemplo que este Blog promove: o da confusão entre tomar a Ciência como uma espécie de religiosidade. Tudo é da Ciência e dos seus sacerdotes e deles devemos ouvir a palavra revelada. Nada mais perigoso para a própria Ciência. Nada mais patético e revelador de uma ignorância de fazer lágrimas raivosas, como se chora de alguém que definha de fome. A mesma ignorância que vos faz investir cegamente aqui contra o Desidério como este fosse para queimar numa qualquer pira dos autos de fé. Meu caro, entre a Filosofia e a Ciência os saberes, as questões, estruturas de pensamento e forma de trabalhar são distintas. Uma não responde, nem enfrenta os problemas da outra. Não existe qualquer sobreposição, nem jogo do monopólio ou da malha. E quando se entrecruzam é para benefício de ambas. Até os marçais e os fiolhais e os demais vigários deste positivismo de cartilha têm alguma noção ou suspeita, por muito pobre e leve que seja. E olhe qual é obra que dá título, inspiração e suporte metafísico aos autores este blog.
"O financiamento do estado é sempre uma falácia"
Isso é falso. Os indicadores demonstram que os melhores sistemas de saúde mais eficientes (custo per capita) e pelos seus resultados médicos são os daqueles países -- Escandinávia, França -- em que o Estado tem um papel determinante. O sistema de saúde de países com níveis de desenvolvimento semelhantes como os EUA mas onde o Estado tem um papel mais fraco mostram piores resultados, menor acessibilidade para a população e menor eficiência. O custo médio per capita no sistema americano é superior ao dos escandinavos ou dos franceses. E as razões são conhecidas e têm a ver com os custos extra associados privados e, em particular, às seguradoras.
Nos caminhos de ferro o sistema estatal francês é muito mais eficiente e sofisticado do que o inglês que foi privatizado.
Mas isto não se aplica a tudo. Não passa pela cabeça de ninguém defender um sistema público de talhos, de mercearias ou de lojas de roupa.
Correcção: Os indicadores demonstram que os melhores sistemas aferidos pela sua eficiência (custo per capita) e pelos seus resultados médicos são os daqueles países ...
Não tinha visto este comentário. Obrigado pela ponderação. E pode ser que você tenha razão. Eu não acredito nisso, mas estou disposto a mudar de ideias se me derem números e dados científicos cabais. A verdade é que as sociedades humanas são muito complexas e quando se compara o país A com B e se diz que funciona melhor em A devido a X, o problema é o devido a X. Que funciona melhor, é algo fácil de determinar empiricamente; mas a razão pela qual funciona melhor é muito difícil de determinar. Como hoje em dia nenhum economista pode publicar trabalhos que ponham em causa o estado social sem ser comido vivo pelo sistema, duvido que estas matérias sejam imparcialmente estudadas como o deveriam ser. O estado social é o grande mito do nosso tempo e pode cair em mil pedaços três vezes por mês, que mesmo assim os seus defensores vão continuar a dizer que funciona.
Caro Vasco da Gama,
A discussão entretanto passou para outro post de Desidério Murcho (lá irei amanhã) mas você levanta questões importantes aqui, pelo que respondo aqui também. Por pontos:
1. Longe de mim querer limitar as escolhas das pessoas. Cada um deve ser livre de escolher o que entende desde que não prejudique terceiros (crianças e animais, por exemplo).
2. A promoção da iliteracia e do obscurantismo, que acuso nesta lei, não tem a ver com os praticantes mas com a imagem pública transmitida. Se o cidadão aceita ser governado por leis é porque elas, à partida, serão intrinsecamente boas. Se esta lei é boa o cidadão normal aceitará como normais e boas as práticas reguladas por esta lei.
3. Acontece que as TNC assentam em princípios pseudo-científicos, pensamento mágico, etc (não vamos discutir estes aspectos agora). São um retrocesso civilizacional em relação ao progresso científico dos últimos duzentos anos. Promover e validar estas práticas é andar para trás. É promover o obscurantismo como pseudo-ciência e pensamento mágico. É afastar o cidadão da ciência, em favor de fórmulas esteticamente apelativas mas demonstradamente falsas. A ciência liberta o ser humano, a pseudo-ciência oprime - e neste combate não tenho dúvidas de que lado estou.
4. O que descrevo no ponto 4 é o que esta legislação faz ao colocar a chançela da República Portuguesa nestas práticas (uma discussão interessante será a razão de porquê estas e não a longa lista de todas as TNC que estão disponíveis no mercado).
4. Em último caso, e se se quer regular esta área (isto seria para o outro post de Desidério Murcho, mas vai já aqui) legisle-se sobre estas actividades no âmbito da ASAE, dos SPAs, gabinetes de estética, massagistas e afins, mas nunca no âmbito do Ministério da Saúde, que tem coisas bem mais sérias com que se preocupar. Ficam as questões de higiene e segurança asseguradas, bem como a liberdade de escolha, mas separa-se o trigo do joio no tocante a competências em cuidados de saúde e tratamento de doença.
Um abraço.
Não sei o que me deu para ter cedilhado "chancela". As minhas desculpas.
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