sexta-feira, 23 de abril de 2010
A FÁBRICA DO CORPO HUMANO
Minha crónica no "Sol" de hoje:
Está patente na Biblioteca Nacional a exposição Arte Médica e Imagem do Corpo: de Hipócrates ao final do século XVIII, que mostra um rico acervo de obras de medicina. Entre elas pontifica uma das edições de um dos mais notáveis atlas de anatomia: De humani corporis fabrica (Fábrica do Corpo Humano), da autoria do belga Andreas Vesalius, saída da oficina de Johannes Oporinus, em Basileia, no ano de 1543.
Quem visitar essa bela cidade nas margens do Reno, onde nessa época também foram impressas obras do nosso Pedro Nunes, não pode deixar de ver o Museu de Anatomia, no quarteirão da velha universidade, onde se encontra o esqueleto de Jacob von Gebweiler, mais conhecido por “esqueleto de Basileia”. Von Gebweiler foi um criminoso executado no referido ano nessa cidade, por tentativa de assassínio da sua mulher. Vesalius, que estava aí para supervisionar a publicação do seu livro, dissecou o cadáver, numa demonstração pública, e ofereceu o resultado à Universidade local, que hoje se pode por isso orgulhar de possuir o mais antigo preparado anatómico do mundo. Também em Pádua, onde Vesalius ensinava, alguns juízes permitiam, em forte contraste com proibições antigas, a dissecação de cadáveres de condenados. Graças às experiências que realizou com as suas próprias mãos, Vesalius é autor de grandes avanços na medicina, contrariando as teses do grego Galeno, que, conforme ficou então claro, se tinha limitado a observar vísceras de animais. Vesalius gostava mesmo de dissecar simultaneamente humanos e macacos para que as diferenças ficassem claras.
Pouco depois da obra maior, saía um resumo para uso estudantil, contendo as principais estampas, desenhadas por um discípulo de Ticiano que, dado o pormenor e a exactidão, estava, com certeza, presente nos teatros anatómicos: a Epitome. Esta versão foi dedicada ao filho do imperador Carlos V, que viria a ser Filipe II de Espanha (I de Portugal), a quem Vesalius haveria de servir como médico. Segundo uma história, hoje considerada apócrifa, Filipe II teria comutado uma sentença de morte determinada pela Inquisição ao seu médico por grave erro profissional mandando-o em peregrinação à Terra Santa. Certo é que Vesalius morreu, aos 50 anos, num naufrágio nessa viagem, apesar de ter conseguido alcançar uma ilha grega.
Na Biblioteca Joanina da Universidade de Coimbra existe um exemplar da primeira edição – sim, impressa em Basileia em 1543 - da Fábrica. No quadro da campanha SOS Livro Antigo, essa obra está a ser restaurada por especialistas da Biblioteca Nacional graças à generosidade da Sociedade Portuguesa de Neurociências, que decidiu recuperar e digitalizar o livro. Pela salvação desse tesouro todos lhe devemos estar gratos.
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