segunda-feira, 26 de maio de 2008

A UNIVERSIDADE E A NAÇÃO

Com este título, a 16 de Outubro de 1904, o lente da Universidade de Coimbra Bernardino Machado (Rio de Janeiro 1851- Porto 1944) proferiu na Sala dos Capelos a oração de sapiência na inauguração do ano lectivo de 1904. Vale a pena ler o início, encontrando-se todo o texto no livro "Orações de Sapiência. Século XX", Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, 1997. Actualizei  a ortografia embora seja muito fácil ler na ortografia original. Lembro que Bernardino Machado foi Presidente da República eleito e destituído por duas vezes (1915-1917 e 1925-1926). Menos conhecido é o facto de ter sido exonerado do corpo docente da Universidade de Coimbra em 1907 (só foi reintegrado como professor da Faculdade de Ciências em 1919).

"A tristeza que sinto, quando penso no nosso ensino! Professor, ambicionei consagrar-me sobretudo à causa da educação nacional. E foi, cheio de esperanças, que fiz por ela as minhas primeiras armas, crendo assegurados os seus triunfos pelo ardor com que os mais extremos caudilhos de todos os partidos acudiam, à porfia, a sustentá-la nos seus escudos. Lutava-se então, mas de esforços para bem a servir. Dentro em pouco, porém, o cenário da nosa vida pública mudou. A governos liberais, amantes da instrução, seguiram-se, quase sem interrupção, governos reaccionários, apostados em exterminá-la. Com a abolição do pariato lectivo, desaparecia a representação parlamentar dos estabelecimentos de ensino. Entinguiu-se o ministério da instrução pública. O corpo docente deixou de ter um conselho da sua eleição junto do ministro. Centralizou-se o ensino primário, monopolizou-se o ensino secundário, e até as regalias do ensino superior se foram cerceando, a ponto de se reformar ditatorialmente a nosa Universidade, sem consulta sequer do seu magistério. Não se atacavam só as franquias de ensino, feria-se rudemente a sua existência: fecharam-se esclas primárias, tanto de instrução geral como de instrução profissional, acabou-se com os museus agrícolas,  industriais e comerciais, suprimiram-se, quase por toda a parte, as aulas de instrução complementar, início da educação geral da classe média, não se abriram os liceus femininos, mal sorteados logo ao nascer, e regatearam-se aos institutos de investigação, de todos os graus, os mais indispensáveis meios de acção. E todos estes agravos à causa do ensino foram feitos por diplomados das nossas principais escolas, e todos o fizeram, não só sem que delas se levantasse o mínimo protesto colectivo, mas até mesmo, por vezes, com a sua expressa adesão. 

(...) Ai! Eu sei dolorosamente, por crua experiência, o pernicioso influxo que o mau governo tem no nosso ensino, e como é difícil e árido proclamar princípios na aula, quando, fora dela, reina o arbítrio. Num país onde a selecção não se opera pelo saber e pelo mérito, como se há-de amar e desenvolver a instrução? A própria corrupção educativa instila-se pela aula, e vai-a dissolvendo. Mas a recíproca não é, contudo, menos verdadeira: o ensino exerce inconstestável influência no governo. Ensinar é governar. Pelas ideias se afeiçoam costumes e instituições. Por isso, quando um povo quer cimentar a integridade da pátria, faz o que nós fizemos, implanta nela uma Universidade; e, se intenta formar sobre outro o seu predomínio, procura apoderar-se da sua educação, é como sempre se tem feito. Assim o compreendem com plena lucidez a Alemanha, enviando professores a toda a parte do estrangeiro onde conte uma clónia, e a Suíça, que até para os filhos dos estrangeiros domiciliados no seu território cria, a expensas suas, escolas. 

(...) O que é necessário é um bom ensino. Desde a escola se fazem monarquias ou repúblicas, erguem-se ou aluem-se impérios. Ensino despótico: governo despótico; e o despotismo, ainda que seja o despotismo maternal do amor, produz fatalmente o enfraquecimento e a ruína das famílias e dos estados. Só há uma educação salvadora, e para a qual nos cumpre urgentemente apelar, para transformarmos este apoucado Portugal de hoje no grande Portugal de amanhã, digno herdeiro e continuador do heróico Portugal de outrora, honra e glória da humanidade: é a educação liberal. Uma Universidade deve ser escola de tudo, mas sobretudo de liberdade."

1 comentário:

Cláudia S. Tomazi disse...

Só há uma educação salvadora, e para a qual nos cumpre urgentemente apelar, para transformarmos este apoucado Portugal de hoje no grande Portugal de amanhã, digno herdeiro e continuador do heróico Portugal de outrora, honra e glória da humanidade: é a educação liberal. Uma Universidade deve ser escola de tudo, mas sobretudo de liberdade."





apelos na educação vos ensina
são termos de uma sapiência,
a oração encerra a disciplina
o preço fora regra e assina.

CARTA A UM JOVEM DECENTE

Face ao que diz ser a «normalização da indecência», a jornalista Mafalda Anjos publicou um livro com o título: Carta a um jovem decente .  N...