segunda-feira, 9 de setembro de 2019

MINHA ENTREVISTA SOBRE SUPERSTIÇÃO PARA O NOTÍCIAS MAGAZINE


Na próxima sexta feira é dia 13. E a propósito a jornalista Cláudia Pinto, do JN, fez-me uma entrevista sobre superstições que saiu ontem no Notícias Magazine: 

P - É supersticioso? Tem, mesmo que inconscientemente, a nível pessoal ou quotidiano, algum ritual ligado à superstição que entra em contradição com as premissas da sua actividade profissional? 

R-  Não me ocorre mesmo nada. Claro que evito passar debaixo de escadas de mão porque elas podem cair e não por superstição. Mas espelhos partidos, gatos pretos e sextas feiras dias 13 não me incomodam mesmo nada (bem, um espelho partido é uma chatice porque tenho de apanhar os cacos). Nunca reparo se entro com o pé direito ou com o pé esquerdo, porque não faz diferença nenhuma.

P- Dá  por si a ficar mais alerta às sextas feiras, 13, ou são datas que lhe passam ao lado?

R-  Fala-se sempre desse dia azarento, mas não está minimamente provado que traga azar nenhum. Não conheço nenhum estudo científico sério, aliás difícil de fazer, que chegue à conclusão que há mais azar nesse dia. Mas, penso que, pelo contrário, pode ser um dia de "sorte": muita gente supersticiosa - e há de facto muita gente supersticiosa neste vasto mundo - andará até mais precavida nesse dia .

P- Já travou conhecimento, na área científica e das ciências, com alguém notoriamente supersticioso? Como lidou com isso? 

R- Não. Isso acontece por essa área estar mais imune às crenças injustificadas. A ciência parte de convicções -as hipóteses - mas tenta encontrar erros, através da observação, da experiência e do raciocínio lógico. Nisso de distingue da superstição. Aliás o método científico é o melhor antídoto contra a superstição. Não quer isto dizer que os cientistas não sejam humanos e que alguns deles não manifestem práticas de superstição, muitas vezes rituais inócuos. Há uma anedota deliciosa, provavelmente, apócrifa, relativamente ao grande físico Niels Bohr, um dos fundadores da teoria quântica. Ter-lhe-ão perguntado um dia por que é que ele tinha uma ferradura pendurada atrás da porta. Ele respondeu: "porque dá sorte." Comentário do seu interlocutor: "Sorte? Então o senhor, grande cientista, acredita nessas superstições?" Resposta do sábio: Eu não acredito, mas disseram-me que dava sorte mesmo quando não se acredita."...

P- Tem algum ritual laboral para afastar "o azar" e trazer ao de cima "as boas energias e os bons espíritos"? 

R- Não. Nem sei sequer o que são as "boas energias" e os "bons espíritos". A palavra "energias" nasceu na física, mas, como é sabido, serve para tudo: é hoje invocada em muitas actividades pseudocientíficas, que servem para enganar quem se deixa enganar. O azar, sorte, ou o que lhe quiserem chamar - os físicos chamam-lhe acaso - existe mesmo. Em física o acaso manifesta-se, por exemplo, quer em física macroscópica - nos sistemas caóticos, como os meteorológicos, são impossíveis previsões a longo prazo - quer em física microscópica, regida pela teoria quântica, uma vez que as partículas constituintes da matéria têm um comportamento aleatório. Há coisas sobre as quais não temos qualquer controlo ou é difícil termos controlo. Ora, em muitos rituais de superstição há uma suposição, ainda que escondida, que se pode ter controlo. Muitas superstições são simplesmente crenças sem significado nem eficácia. Mas há gestos curiosos que podem ter alguma eficácia. Por exemplo, se olharmos para o rendimento de atletas de alta competição vemos que há flutuações aberrantes, que se devem por vezes a ansiedade, stress excessivo, falta de foco, deficiência de auto-controlo, etc. Ora certos rituais, praticados por atletas quando entram em em jogo, têm precisamente o propósito de diminui a ansiedade e o stress e aumentar o foco e o auto-controlo. A ciência tem-se interessado por esses fenómenos. Há, portanto, superstições úteis, apesar de ser difícil a objectividade neste assunto.

P-  Lembra-se de algum episódio negativo a nível profissional que tenha acontecido a uma sexta feira, 13?

R-  Lamento desiludi-la, mas, como disse, não ligo ao dia. Esses dias são recorrentes: no calendário gregoriano que usamos - que embora justificado pela astronomia tem muito de convencional - sempre que o mês começa a um domingo, é certo que há uma sexta-feira dia 13. Este ano e no próximo há dois dias desses, mas em 2021 e 2022 haverá só um. Só forçando muito a nota é que se podem encontrar na história dias aziagos à sexta-feira 13: há quem refira o dia 13 de Outubro de 1307, quando o rei francês mandou prender muitos templários. E há quem fale no ataque aérea a Londres pelos nazis 13 de Setembro de 1940 (eu refiro esse dia porque vamos ter um 13 de Setembro à sexta feira). Mas não, não há evidência estatística para esses dias serem piores do que os outros. Sexta feira, na história e cultura cristã tem a ver com a morte de Jesus Cristo. Mas já o dia 13, do ponto de vista religioso, não tem nada de negativo, bem pelo contrário (é o dia de Santo António e o dia das aparições de Fátima). Mas há quem diga que na Última Ceia havia 13 pessoas à mesa... Na Itália, que é um país cristão, o dia de azar não é 13, mas sim 17. Os italianos dizem que o número 13 dá sorte.

P- Conhece estudos sobre a personalidade de pessoas supersticiosas ou de comportamentos humanos ligados à superstição? 

P-  A psicologia cognitiva e também a sociologia têm-se interessado pelos fenómenos supersticiosos. Assisti em Edimburgo a uma palestra de um psicólogo cognitivo britânico Bruce Hood, autor dos livros "Supersentidos: porque acreditamos no inacreditável" e "A ciência da superstição: como nosso cérebro em desenvolvimento cria crenças sobrenaturais", que me impressionou. Ele explicou que o "sobrenatural é natural", isto é que há muitas vezes, fundamento, por vezes fundadas na evolução humana, para práticas que podemos considerar superstição. O ser humano tenta estabelecer relações de causa e efeito, quando muitas vezes não as há nem pode haver. Existem coincidências, que nos recusamos a aceitar. Portanto, o título do romance "Não há coincidências" está cientificamente errado. Tentamos tornar humano o que não é humano, imaginando ligações. Julgamos que coisas naturais têm uma origem com traços humanos. Como disse o filósofo escocês David Hume: "Vemos caras na Lua e exércitos nas nuvens". Julgo que Hume tem razão, todos nós temos esse lado de "propensão para a magia". Ora a ciência, o mais bem sucedido empreendimento do espírito humano pois nos permitiu viver mais e melhor, ou mais em geral o pensamento racional, tem um método que permite ir para além das aparências e do sendo comum. permite não nos deixar enganar. A ciência é a melhor maneira de não nos enganarmos nem sermos enganados. E, nos tempos de hoje da Internet, anda mais de meio mundo a enganar menos de meio. Curiosamente foi a ciência que permitiu a tecnologia para enganar as massas, o que significa que a ciência está longe de ser tudo na nossa vida...

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