quinta-feira, 12 de setembro de 2019

INEBRIANTE…

Texto que nos foi enviado pelo Professor Mário Frota, especialista em Direito do Consumo e que muito agradecemos. Saiu antes no jornal As Beiras de 11 de Setembro de 2019,

Inebriante significa “que inebria”.

Inebriar, por seu turno, quer dizer “embriagar”.

O pequeno ecrã, que a tantos seduz, inebria, embriaga, não de modo figurado (“extasiar, arroubar; deliciar; encantar”), mas no sentido próprio do termo.

Dele como que emana a “essência” do vinho e do mais subsumível no conceito de bebida alcoólica.

As libações alcoólicas a que se assiste e a irresistível mãozinha para o copo têm lugar assegurado a qualquer hora do dia na pantalha.

E já ninguém parece estranhar pela circunstância de o facto (a sistemática violação da lei, na letra e no espírito, e a nula intervenção dos reguladores) se haver tornado normal.

O Código de Auto-regulação, nas suas especificidades, é autêntica letra morta.

O Código da Publicidade, aliás, de forma adequada, ao que se nos afigura, e no quadro dos padrões por que se regem as nações civilizadas, estatui um sem-número de restrições, a saber:

ESTAÇÕES DE RADIODIFUSÃO ÁUDIO E AUDIOVISUAL

A publicidade a bebidas alcoólicas é vedada, na televisão e na rádio, entre as 7 horas e as 22 horas e 30 minutos.

PUBLICIDADE LÍCITA

A publicidade a bebidas alcoólicas, independentemente do suporte adoptado para a sua difusão, só é lícita se
  • Não se dirigir especificamente a menores e, em particular, os não apresentar a consumir tais bebidas;
  • Não encorajar consumos excessivos;
  • Não menosprezar os não consumidores;
  • Não sugerir sucesso, êxito social ou especiais aptidões por efeito do consumo;
  • Não sugerir a existência, nas bebidas alcoólicas, de propriedades terapêuticas ou de efeitos estimulantes ou sedativos;
  • Não associar o consumo de tais bebidas ao exercício físico ou à condução de veículos;
  • Não sublinhar o teor de álcool como qualidade positiva. 
PUBLICIDADE E SÍMBOLOS NACIONAIS

Não é lícito se associe a publicidade de bebidas alcoólicas aos símbolos nacionais, tal como consagrados constitucionalmente.

COMUNICAÇÕES COMERCIAIS & MENORES

As comunicações comerciais e a publicidade de quaisquer eventos em que participem menores, designadamente actividades desportivas, culturais, recreativas ou outras, não devem exibir ou fazer qualquer menção, implícita ou explícita, a marca ou marcas de bebidas alcoólicas.

Nos locais onde decorram tais eventos não podem ser exibidas ou de alguma forma publicitadas marcas de bebidas alcoólicas.

Não se respeitam as normas auto-regulatórias como se não observa o Código da Publicidade.

Quer se trate de patrocínio quer de publicidade, parece que, em fraude à lei, se enxameia o pequeno ecrã de contínuos apelos ao consumo pela exposição superlativa, dentro dos horários a tal vedados, de produtos, marcas, experiências e o mais que de forma alarve é dado ver a quem quer...

Com o futebol, não escapa a "colocação de produto ("product placement") com a cerveja a emoldurar o "púlpito", de onde os lentes da bola encenam as suas magistrais prelecções (e que já nem há sequer rebuço em esconder ou dissimular...).

E as apresentadoras de televisão, mais que os apresentadores, a insistir nos "brindes", deleitadas, a fazer da bebida uma "exaltação permanente” e boçal, com o copo sempre à mão e a oferecer um péssimo exemplo a quem os tem como modelo.

Nos estádios em que decorram actividades desportivas, mormente o futebol, exibe-se a escâncaras as marcas de cerveja que patrocinam clubes e escalões, ainda que de petizes, a juvenis e juniores, do primeiro escalão.

Denunciámos o que se passa no Olival, onde tais espectáculos decorrem. Mas, nos outros, o “espectáculo” será decerto análogo…

Nas festividades escolares a cerveja prepondera, sem qualquer rebuço!

Um canal desportivo apresentava, há dias, no decurso de uma partida de futebol do Girabola angolano, publicidade directa, a entrecortar a transmissão, de um whisky, a espaços enxertado na emissão.

Os programas que por cenário têm as diferentes regiões do País encharcam os espectadores de vinho e de bebidas licorosas, em horário nobre, sem o mínimo pudor: e a exaltação que os apresentadores fazem dos distintos néctares é mais que um hino de louvor a Baco. Parece ser o retorno do “Beber vinho é dar de comer a um milhão de portugueses” em que se exaltava a base das “sopas de cavalo cansado” que forneciam energia e iludiam a fome dos que a ostentavam… sem banco alimentar que as amparasse!

As sucessivas denúncias a tal propósito deduzidas perante quem de direito caem sistematicamente em saco roto.

Claro que poderá haver programas convenientemente estruturados, ainda que no assinalado horário, em que se mostre o segmento vitivinícola do País sem se cair nos excessos que se apontam e violam flagrantemente a lei, menos ainda que constituam patrocínio ou publicidade dissimulada.

Quanto custa ao SNS e ao futuro o efeito deletério da comunicação comercial ilícita e da publicidade a escâncaras a que se assiste na pantalha?
Mário Frota 
apDC – DIREITO DO CONSUMO - Coimbra

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