sábado, 12 de janeiro de 2019

"O trabalho da educação artística exige durabilidade e sequência"

Tomo a liberdade de reproduzir um extracto alargado do artigo de Jorge Barreto Xavier saído no jornal Público do passado dia 8 com o título: "Mais do que andar: caminhar - o contributo da educação artística".
"O que é preciso para exercer, plenamente, a cidadania? Evidentemente, condições materiais. Mas não menos a consciência do património recebido das gerações passadas, articulada com o acesso às criações do presente. É na combinação dos dois fatores que se constrói a capacidade de olhar para dentro de nós e de olhar à volta. Que se promovem a dignidade, a possibilidade de participação e a autonomia. E como desenvolver, hoje, na família e na sociedade, o crescimento do olhar – o mesmo é dizer, as formas como educamos? 
A vivência da cultura e das artes é fundamental para obter este resultado. A educação artística, desde a mais tenra idade, é necessária para a construção de olhares individuais e coletivos na sociedade contemporânea, pelas condições que promove de apreciação, crítica, criação e ação. Falo da educação artística genérica enquanto presença formativa de base nos diferentes níveis de ensino, e não de ensino vocacional, profissional ou do ensino superior artístico, que se orientam para o exercício de uma profissão.
Esta matéria respeita ao sistema de ensino público, privado e cooperativo, os três domínios que, no conjunto, formam o dispositivo que responde ao direito à educação, nos termos da Lei de Bases do Sistema Educativo, de 1986. A Lei, nos seus 32 anos de vigência, manteve os seguintes princípios e objetivos, cobrindo a educação pré-escolar, escolar e extraescolar, assim como os diversos níveis de ensino: correlação entre educação e cultura; igualdade de oportunidades; pluralismo; espírito/ sensibilidade/expressão crítica e criativa, nomeadamente, sobre os valores estéticos; promoção de conhecimentos culturais e consciência do património cultural; promoção da educação artística. 
O Decreto-Lei n.º 344/90 de 2 de Novembro, em vigor, estabeleceu as bases gerais da organização da educação artística pré-escolar, escolar e extraescolar. Considera que música, dança, teatro, cinema e audiovisual, artes plásticas, nomeadamente, são as áreas de referência para a educação artística e que “a educação artística é parte integrante e imprescindível da formação global e equilibrada da pessoa", pelo que "a formação estética e a educação da sensibilidade assumem-se (...) como elevada prioridade da reforma educativa (...)”. E ainda: “A educação artística processa-se genericamente em todos os níveis de ensino como componente da formação geral do aluno”. 
Ou seja, a presença da cultura e das artes faz parte das disposições básicas normativas para um projeto formativo de crianças e jovens e, consequentemente, de cidadãos, na sociedade portuguesa. Estas disposições traduzem-se em ações e resultados? Os Portugueses têm tido acesso a um sistema educativo que lhes garanta a concretização dos princípios e objetivos previstos na Lei?
Infelizmente, não existe, ainda, na sociedade portuguesa, um acordo sobre o valor das artes e da cultura, nem uma prática sistémica, que envolva (...) as escolas e as organizações que promovem a educação extraescolar, nomeadamente, organizações culturais e artísticas. Por vezes, inclusivamente, parece que cada parte da sociedade disputa o lugar da outra ou espera que a outra a substitua, em vez de convergirem para o objetivo comum de generalizar o acesso à criação e fruição das práticas culturais e artísticas, como elemento de construção pessoal e de uma sociedade mais democrática e justa. 
Desde que somos uma democracia (...) foi um caminho de avanços e recuos, aquele que se percorreu para dotar o sistema educativo, através das políticas públicas, de condições para que as artes sejam elemento importante de formação geral, ao lado da língua materna, da história e da geografia, da matemática e das ciências naturais. Tal não aconteceu por falta de estudos e propostas, realizados a pedido das entidades públicas competentes – o Ministério da Educação, sozinho, ou em conjunto com o Ministério da Cultura (...). O trabalho da educação artística exige durabilidade e sequência." 

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