terça-feira, 15 de janeiro de 2019

"O acordo ortográfico criou uma solução para um problema que não havia"

Na sequência da publicação do post de Carlos Fiolhais "Não há acordo sobre Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa", um leitor teve a amabilidade de nos mandar a ligação para um artigo de Viriato Teles intitulado "O «Acordo» que ninguém quer" e publicado em 12 de Outubro de 2018. Tomamos a liberdade de transcrever uma parte substancial do texto.
(...) Uma boa notícia chegou de Luanda, onde esta semana a Academia Angolana de Letras pediu formalmente ao governo de João Lourenço que não ratifique o AO. Se seguida a sugestão, como se espera, Angola dará um passo decisivo para reverter um «acordo» que, como sublinha a AAL, «trouxe mais problemas do que resolveu». 
Com uma lucidez que não se tem revelado nas instituições de aquém-mar, os angolanos colocam o dedo na ferida: «Face aos constrangimentos identificados e ao facto de não ser possível a verificação científica dos postulados de todas as bases do AO, factor determinante para a garantia da sua utilização adequada, a AAL é desfavorável à ratificação por parte do Estado angolano.» 
As razões apresentadas são as mesmas que, por cá, os vários grupos de resistência cívica ao «acordo» têm sublinhado, com destaque para o «número elevado de excepções à regra» (as absurdas «facultatividades») que «não concorre para a unificação da grafia do idioma, não facilita a alfabetização e nem converge para a sua promoção e difusão». 
A melhor definição do AO ouvi-a ao humorista brasileiro Gregório Duvivier: «O acordo ortográfico é como a tomada de três pinos: criou uma solução para um problema que não havia.» Só que o problema, que não havia antes, passou a existir depois. A confusão instalou-se, alastrou à semântica e à sintaxe, e na formulação escrita da língua portuguesa passou a vigorar a regra do «faz-como-te-der-jeito» – aliás uma constante em documentos oficiais, a começar pelo Diário da República, onde diariamente coincidem na mesma frase as ortografias de antes e de depois do «acordo», e às vezes até outras, inventadas ou induzidas pelo caos em volta. 
A verdade é que, tirando Malaca Casteleiro e os seus prosélitos, é quase impossível encontrar defensores do «acordo». Porque é comprovadamente mau e ninguém gosta dele, nem sequer os que, por funções de Estado, se sentem no dever de o aplicar. Só tem faltado quem tenha a coragem de dar o primeiro passo para lhe pôr fim. 
É um assunto incómodo para o governo, mesmo se, nele, o vate que ministra na Cultura assobia para o lado porque tanto se lhe dá escrever assim como assado. Felizmente o mesmo não pensa o ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues, que até faz parte do grupo de Professores Contra o Acordo Ortográfico, no Facebook. Não chega, mas é um bom princípio. 
Mas este é também um tema desconfortável para a oposição. Afinal, o «acordo» foi impulsionado politicamente, em Portugal, por duas das mais labruscas figuras que geriram o país e a cultura dele (Cavaco e Santana, sim, é bom lembrar) e atravessou a inércia dos sucessivos governos desde então. No parlamento, apenas o PCP levantou reservas e recentemente propôs a reversão. Os demais, à direita e à esquerda, continuam a preferir varrer a areia para debaixo do tapete. 
Talvez o impulso da Academia Angolana de Letras ajude Portugal a, de uma vez por todas, encarar a questão de frente, colocando-lhe o ponto final que merece. Querem fazer um acordo? Pois então comecem por concordar em acabar com este, que não tem ponta por onde se lhe pegue. 
(Em jeito de nota de rodapé, esclareça-se que a tomada de três pinos referida no texto foi adoptada como norma no Brasil, poucos anos atrás, como parte de um «plano de segurança» da rede eléctrica nacional. Um plano que, tal como o AO, se revelou inútil – porém muito lucrativo para a indústria de material eléctrico, e particularmente para a multinacional que esteve na origem da criação deste suposto «sistema de segurança». Que não é eficaz e mais ninguém usa, mas potencialmente obrigou à substituição de tomadas em 60 milhões de casas em todo o Brasil, operação que terá movimentado para cima de 1400 milhões de reais, algo como 325 milhões de euros. Qualquer semelhança com os negócios que o AO gerou é, naturalmente, mera coincidência.)

4 comentários:

regina disse...

Embora o use por respeito, essencialmente ao público infanto - juvenil para o qual escrevo, Estou de pleno acordo em que o "acordo" nem sequer o é pelo que em vez de acordo ortográfico deveria chamar-se "aborto ortográfico". Os brasileiros continuam a escrever prótons, nêutrons, elétrons, electrônico . A colocar um ponto final nesse aborto, terá que ser urgentemente para não "sacrificar" mais gerações a "aprender" o que depois têm que desaprender.
Regina Gouveia

Anónimo disse...

De facto, os brasileiros continuam a dizer e a escrever "olhos marrons", ou, de fato, os brasileiros continuam dizendo e escrevendo "olhos marrons"?
Se não houver purificação da língua escrita, ao nível das raízes comuns, não vale a pena fazer acordos, como o atual, em que vale tudo!... Até agora, as sucessivas emendas, continuam a ser piores do que o soneto!

Anónimo disse...

Sou, e sempre fui, contra o Aborto Ortográfico.
Comprei alguns livros que queria mesmo ler, fazendo de conta que aquelas omissões de consoantes eram gralhas.
Todavia o que me mais me entristece é, por vezes, já não saber como se escreve determinada palavra, se leva ou não hífen, se leva ou não leva acento.
Sinto que mesmo sem querer já dou imensos erros...

Maria

Cisfranco disse...

É incrível como, por inércia, esse miserável acordo continua a manter-se, sem que ninguém faça nada para o derrubar. Quanto mais tarde pior, pois mais gerações vão aprendendo o que ninguém reconhece que devia ser aprendido e terão depois de mudar. Até quando?!…
Francisco Correia

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