Meu artigo no Diário de Coimbra de ontem (na imagem a Rua da Sofia, com a Câmara Municipal de Coimbra ao fundo)
Jorge de Sena, que faria
100 anos em 2019, escreveu sobre a Sofia um poema satírico inserto no livro Dedicácias. Não a poeta Sophia, que foi
exactamente sua contemporânea (também faria cem anos este ano) e com quem ele
manteve correspondência. Mas sobre a rua da Sofia em Coimbra. O engenheiro
civil, feito poeta, romancista e crítico literário, refere a Rua da Sofia como
símbolo do provincianismo cultural português. O poema começa assim “Sabe de Hegel, de Sartre, de fenomenologia,
/ mas andou na rua da Sofia”, terminando ”Não há filosofia/ que salve quem andou na rua da Sofia.” Se Sena vivesse
agora e passeasse como eu fiz nestes dias natalícios pela rua da Sofia, na
Baixa coimbrã, ficaria ainda mais ácido. A Rua da Sofia, tal como está, não é
apenas o símbolo do provincianismo cultural, é o símbolo do provincianismo tout court. É uma rua triste, abandonada,
parada no tempo, que simboliza bem, até por estar no centro urbano, o abandono e
a paragem no tempo da cidade. Por inacção municipal Coimbra tem estado a andar
para trás, cada vez mais provinciana. Refiro-me à província a preto e branco do
tempo da outra senhora, pois não quero ser injusto para a actual província. A província noutros sítios já não é o que
era. Nem é preciso sair da região Centro para concluir isso: basta ir a Aveiro
e a Viseu, como eu também fiz no Natal, para tirar as devidas conclusões.
Bem pode a auto-estrada
anunciar que Coimbra é “Universidade, Alta e Sofia – Património da Humanidade” que o património da Sofia está sem o mínimo cuidado. Os edifícios dos antigos colégios, com as
igrejas, lá estão onde sempre estiveram, alguns desde o século XVI, mas, por
falta de foco e atenção, não há visitantes. O jornalista do Público Camilo Soldado escreveu em
23/6/2018, quando passaram cinco anos desde a inscrição da Universidade de
Coimbra na lista da UNESCO: “Não há um único sinal, nem uma única
inscrição, a indicar que quem passa pela rua de Coimbra desenhada a partir do modelo
da Sorbonne, em Paris, está a caminhar por uma zona que foi classificada Património da Humanidade.” E acrescentou: “Não há visitantes, mas também não há o que
visitar.” Passaram-se seis meses e continua a não haver visitantes. Também
não há comércio dinâmico, nem restauração decente. Um restaurante chamado “Cova
Funda” tem o nome bem apropriado para o buraco em que os mais recentes edis
meteram a Baixa da cidade. A Baixa, por causa da construção da “Avenida
Central”, que se devia chamar “Beco Central,” ficou, de facto, uma ruína e a
Sofia não passa de uma das artérias sem vida de uma cidade degradada. O presidente
que queria um aeroporto internacional (já voou!) não é capaz sequer de cuidar
de uma simples rua que vai dar à Câmara.
Tinha que ser assim? Não tinha. Bastava que a Câmara Municipal, a
Universidade e outras partes interessadas tivessem um plano para aquela rua,
que é como quem diz um plano para a Baixa. Bem podem falar em valorizar
Coimbra, que a Sofia documenta bem a desvalorização de que Coimbra de tem sido
alvo.
No único debate público sobre a Capital Europeia da Cultura, realizado
a 19/5/2018 no Café Santa Cruz, o encenador António Augusto Barros propôs uma
ideia para a rua da Sofia, ou melhor, para o espaço, em boa parte histórico
(foi lá o Colégio das Artes) entre ela e a Rua da Aveiro / Rua Dr. Duas
Ferreira. A ideia é simples: transformar aquele quarteirão num Bairro das
Artes. Na Europa pululam os exemplos de como a cultura pode salvar cidades.
Se não é capaz de dar vida à rua da Sofia, como é que Coimbra, com a
actual gestão, será capaz de ser Capital Europeia da Cultura? A comissão da
candidatura a Capital Europeia já teve tempo de divulgar as suas ideias sobre a
transformação cultural de Coimbra. Na primeira e única apresentação que fizeram
(a 12/10/2018) confirmaram os meus piores receios. Não só não tiveram nenhuma
ideia própria como não pegaram em nenhuma ideia alheia. Limitaram-se pomposamente
a ler uma lista de supostos apoiantes. Digo supostos pois pelo menos um dos que
anunciaram está errado (o do ex-reitor que foi responsável máximo pela
candidatura bem-sucedida a Património Mundial). Os membros da comissão andaram
todos na rua da Sofia, mas nem repararam no estado dela nem sabem o que
fazer com ela. Nem um truque de magia valerá à
comissão.
Não posso deixar de me lembrar dos responsáveis da nossa cidade, que
tanto passado tem e tanto futuro poderia ter se acordasse da letargia em que
está mergulhada, ao ler o referido poema de Jorge de Sena. Questiona o poeta: “Que há nestes portugueses que é como um
sarro azedo,/ um cheiro de vinagre ou carrascão de medo,/ a que se agarram
quais lapas ao Penedo/ da Saudade?”
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