Excerto de entrevista GPS a Diana Prata (Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa):
(...)
Que apreciação faz do panorama científico português, tanto na sua área como de uma forma mais geral?
Em geral, acho que falta ainda espírito de inovação e coragem, e humildade. Ironicamente, por um lado há uma inércia, uma imobilização em procurar perguntas, estratégias, metodologias e colaborações novas; talvez por medo de errar, dar passos em falso, de “ser falado” - em geral somos um povo desconfiado, acho. Por outro lado, embora haja medo, há ao mesmo tempo, falta de humildade; há muito "argumento de autoridade" como justificação para as decisões (de conselhos científicos, comissões de ética, diretores de departamento e de instituições - que chegam a ver um questionamento dessas decisões não justificadas, como uma ofensa) mesmo no meio científico e médico, onde seria de menos esperar. Há muita preocupação com a manutenção de hierarquia, sem olhar a meios: chegando mesmo ao bullying às claras, e as críticas destrutivas, e à quase total omissão de elogios e incentivos. Os decisores e líderes esquecem-se que o são para servir os outros (para os ajudar a fazer o seu trabalho), e não ao contrário. Portanto temos por vezes o medo misturado com a arrogância. Por exemplo, a resposta à falta de familiaridade em relação a um novo ramo de investigação ou metodologia, é, em vez de ser a assunção corajosa dessa ignorância e a procura de ajuda de quem sabe, mesmo que hierarquicamente inferior (ou mais novo ou mulher…), é infelizmente um maior fecho ao desconhecido (à metodologia inovadora) que se pode traduzir na sua não-facilitação ou até bloqueio. Tudo, possivelmente, por que se tem medo de deixar transparecer essa ignorância. Em Ciência, isto não faz sentido nenhum. A ignorância é uma oportunidade de aprender, para inovar. É um ponto de partida, se a assumirmos como um desafio. É um desconforto benigno, até imprescindível, em Ciência.
Fui notando desde que cheguei há 3 anos estes sintomas na investigação académica portuguesa (em particular a biomédica), justamente porque a minha área da neurociência cognitiva e psiquiátrica em humanos é bastante pouco representada no país. No início pensei que os impedimentos e atrasos advinham apenas de falta de familiaridade, ou profissionalismo, mas agora percebo que é mais cultural que isso. Há um clima de medo e arrogância, misturados - que se alimentam um ao outro. O ano passado alguém me disse: “Quando a Diana ganhou o (3.º) prémio de cientista mais promissora das Acções Marie Curie, eu fiquei logo preocupada consigo…” Pergunto: Será a meritocracia, portanto, desconcertante, na ciência portuguesa? Já me tinham avisado antes de voltar - nomeadamente muitos colegas na minha situação que voltaram a sair do país e os que cá estão mas frustrado e cínicos - mas eu, sendo optimista, fiquei e (ainda) não me arrependi. Estou contente com as contribuições que fiz e faço. A vantagem é que há muito por fazer, e ainda muito mais do que pensava quando cheguei. Isso motiva, pelos menos os mais esperançados e energéticos. Ficar, é com paciência, amor pelo desafio, e espírito de missão. E é a cultura que há que mudar. Não é o dinheiro que falta, esse até há e é meritocrático, do Estado, da UE, nem é a vontade de a diáspora regressar que falta, essa também existe e está mortinha por isso, como eu estive. A título de exemplo, eu tenho bastante dinheiro para investigar e não o consigo gastar com o ritmo devido, porque estou a aguardar resposta de uma comissão de ética há 9 meses para um projeto, 1 ano para o outro, 6 meses para o mais recente… Ao fim e ao cabo, mudar a cultura “takes more than two”, e por isso não me revejo na atitude de “está tudo tão mal, mas não vou ser eu a mexer-me…” - isto não se resolve sendo ignorado, ou com mais medo ou arrogância. Espero poder continuar a contribuir, e pelo menos com as fantásticas pessoas mais jovens (e ainda menos aculturadas) que vou tendo a oportunidade de ajudar a treinar e a fazer com que tenham condições de trabalho na minha área, já vamos sendo alguns a mudar a cultura pouco a pouco, e quando preciso, batalha a batalha.
Que ferramentas do GPS lhe parecem particularmente interessantes, e porquê?
Penso que é importante dar-se visibilidade à diáspora portuguesa não só para valorizar a preparação geralmente adequada que os cientistas portugueses como alunos recebem em Portugal mas também as condições menos convidativas em Portugal para investigação que são um dos motores para a saída de cientistas. Em segundo lugar, permite potenciar as colaborações entre portugueses no estrangeiro. Para colaborar, qualquer razão é boa. E aproveitar o vinculo cultural que existe naturalmente entre portugueses - especialmente os que estiveram ou estão fora - é inteligente.
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