Minha crónica no Público de hoje (na figura o quadro de Ingres, "A Morte de Leonardo Da Vinci":
Quem foi o maior génio de todos
os tempos? É uma pergunta difícil, sem resposta única, mas os que procuram
responder-lhe colocaram o italiano Leonardo Da Vinci no lugar cimeiro ou muito
próximo dele. O inglês Tony Buzan publicou em 1994, em co-autoria com o mestre
de xadrez Raymond Keene, o Book of Genius,
onde é apresentado um ranking da
genialidade, levando em conta factores como domínio da sua área, coeficiente de
inteligência, originalidade, polimatia, intensidade intelectual, universalidade,
consecução dos objectivos e influência. Em número um destacado ficou Da Vinci,
seguido por Shakespeare e pelos “construtores das grandes pirâmides.” Uma
votação on-line (ranker.com) a
respeito das maiores mentes de sempre dá também o primeiro lugar a Da Vinci
seguido de Einstein e Newton.
2019 será o ano da celebração do
grande génio italiano. Normalmente prefere-se nas efemérides evocar o nascimento,
que, no caso de Da Vinci, filho ilegítimo de um notário florentino e de uma humilde
camponesa, ocorreu a 15 de Abril de 1452, em Anchiano, na comuna de Vinci, na
Toscânia. Mas, para um génio cimeiro, os 500 anos do falecimento fornecem um
pretexto imperdível. Da Vinci morreu no
dia 2 de Maio de 1519 em Amboise, no Vale do Loire, em França, numa mansão perto
do castelo real que lhe tinha sido cedida pelo rei Francisco I. Segundo um
relato que se tornou lendário Da Vinci morreu nos braços do rei, que muito o
admirava: uma famosa pintura de Ingres, de 1818, representa a cena. O seu executor
testamentário escreveu: “É um grande sofrimento perder um homem desta
envergadura, porque a Natureza não consegue gerar outro igual.”
O reconhecimento do génio foi
crescendo após a sua morte. O pintor não deixou mais do que cerca de vinte
obras (“cerca” porque a autoria de algumas permanece questionável), mas três
destas são das mais universalmente admiradas: a Mona Lisa, no Louvre em Paris; a Última Ceia, numa igreja de Milão; e a Virgem dos Rochedos, em duas versões, no Louvre e na National
Gallery de Londres. E a obra de arte
mais cara de sempre é Salvator Mundi,
atribuída a Da Vinci, que foi rematada por um príncipe saudita na Christie’s em
2017 por uns inacreditáveis 450 milhões de dólares. Da Vinci foi extremamente
prolífico nos desenhos, que enchem os seus cadernos de apontamentos. Um dos mais
conhecidos é o “homem de Vitrúvio”, que aparece numa moeda do euro, agora a
fazer 20 anos, e que versa o tema da harmonia do corpo humano (para o artista,
“cada parte deve estar em proporção com o todo”). Esses cadernos revelam uma extraordinária
visão e criatividade: acrescendo a pintor e desenhador, Da Vinci foi cientista
e engenheiro, revelando os seus talentos como matemático (aprendeu como autodidacta,
tendo desenhado os sólidos platónicos ou perfeitos para o livro A Divina Proporção, do matemático e
frade franciscano Luca Pacioli), botânico, anatomista, inventor, etc. E, a
coroar a sua imbatível polimatia, foi poeta e músico. Nesta era de culturas
divididas vale a pena celebrar o homem que soube juntar todas as culturas.
Pontos altos das comemorações
davincianas serão a grande exposição no Louvre, que reunirá a maior parte dos
seus quadros (seis fazem parte das colecções próprias e o Salvator Mundi privado deverá ser exposto), e a exposição dos desenhos
da colecção real britânica nos Palácios de Buckingham, em Londres, e de
Holyroodhouse, em Edimburgo. Na Galeria degli Uffizi, em Florença, onde foram juntos
na mesma sala três quadros de Da Vinci, pode já ser visto o Codex Leicester, um manuscrito científico
que trata a água, os fósseis e o luar. É o mesmo manuscrito, propriedade de
Bill Gates, que esteve exposto no Mosteiro dos Jerónimos em 1998. Em Milão, no
Castello Sforzesco, onde Da Vinci pintou tectos e paredes, estará outra notável
exposição sobre o artista-cientista. Haverá também exposições na sua terra
natal e na terra onde morreu. Em Portugal existe uma só obra de Da Vinci, um tocante
desenho que representa uma rapariga a lavar os pés de uma criança (na figura), que pertence
à Universidade do Porto (e que vale cerca de um milhão de euros). Oxalá ele
possa ser visto em 2019.
Bom Ano, Da Vinci!
1 comentário:
Tão polimorficamente perverso, o Da Vinci!
A inteligência é esta lavagem de pés à inocência que assassina.
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