Meu artigo no último As Artes entre as Letras (na imagem Mendeleiev, o genial autor da grande síntese):
Foi no ano de 1869, faz agora 150 anos, que o químico russo Dmitri Mendeleiev, professor em São Petersburgo, organizou os elementos químicos então conhecidos num quadro que viria a ficar conhecido por “Tabela Periódica.” Foi um golpe de génio pois ele conseguiu não só sumariar de um modo simples e elegante as semelhanças entre as propriedades químicas desses elementos como percebeu que os “buracos” naquela organização significavam que faltava encontrar novos elementos, que deviam ter as propriedades previstas. Pois os elementos em falta foram encontrados, como o gálio, o germânio e o tecnécio, este último altamente radioactivo (o nome tem a ver com a sua produção artificial). Foram também encontrados elementos radioactivos que encontraram lugar no final da tabela, após o urânio (têm o nome genérico de transuranianos). Hoje sabemos que a estrutura periódica (isto é, com repetições, por exemplo todos os gases raros, presentes na última coluna da Tabela, são semelhantes) da Tabela tem uma justificação à escala atómica: ela começou a ser compreendida com a proposta do modelo atómico feita pelo físico dinamarquês Niels Bohr em 1913 depois de o físico britânico Ernest Rutherford ter descoberto o núcleo atómico dois anos antes. É a teoria quântica que explica a distribuição dos electrões, partículas elementares de carga negativa, em volta do núcleo atómico, que tem carga positiva por ser constituído por protões, positivos, e por neutrões, neutros. No tempo de Mendeleiev não se suspeitava sequer da existência do núcleo atómico, pelo que foi também uma marca do seu génio ter conseguido organizar os elementos químicos não pelo seu peso atómico (basicamente o peso dos núcleos, que está associado ao número total de protões e neutrões) mas pelo seu número atómico (o número total de protões).
Toda a matéria conhecida é feita de átomos ou de partes de átomos, que se desmancham em condições extremas. Em particular, a variedade do mundo geológico e biológico da Terra assenta nas infinitas possibilidades de combinação dos 118 elementos químicos da Tabela. Nós próprios somos inteiramente constituídos por átomos, com predominância de uns quantos como o oxigénio, o hidrogénio, o carbono e o azoto. Hoje a Tabela Periódica inclui o total de 118 elementos químicos, reconhecidos pela IUPAP, a União Internacional de Química Pura e Aplicada, organização mundial que faz um século este ano. O primeiro é o hidrogénio, de número atómico 1, cujo núcleo tem um só protão (e nenhum neutrão) e que tem um só electrão (os átomos são neutros) e o último, extremamente instável, é o que tem número atómico 118 (chama-se oganessian, em homenagem a um físico russo, especialista no fabrico de elementos muito pesados), que tem 118 protões. Os elementos 113, 115, 117 e 118 foram os últimos a ser confirmados pela IUPAC em 2015. xxxxx Os primeiros 94 elementos existem naturalmente na Terra; os 24 restantes (do 95 ao 118) só existem porque foram sintetizados em aceleradores nucleares: a sua existência deve-se ao engenho humano. A quantidade desses 24, que perfazem cerca de um quinto da Tabela, é ínfima, tendo sido identificados não pelas suas propriedades químicas, mas sim pela luz que emitem (foi essa a forma de identificação dos elementos radioactivos polónio e rádio, com os números atómicos 84 e 88 respectivamente, que foi realizada a partir de porções pequenas mas macroscópicas por Madame Curie e por Pierre Curie no início do século XX), Acontece que cada elemento químico emite uma luz com marcas características, como um código de barras.
Os elementos químicos naturais formaram-se no Big Bang (os mais leves, como o hidrogénio, o hélio e o lítio) e nas estrelas (o Sol é actualmente uma “fábrica” que transforma hidrogénio em hélio, libertando energia e, no final do seu ciclo de vida, produzirá também carbono com abundância). Elementos mais pesados como por exemplo o cálcio e o ferro, que existem dentro de nós, só podem ser feitos naturalmente nas estrelas. É preciso que uma estrela superpesada expluda (chama-se supernova) para que esses elementos mais pesados se espalhem pelo Universo.
É possível, como os alquimistas pensavem, fazer ouro? É, tal como é possível fazer tecnécio. São precisos aceleradores de partículas nos quais se possa fazer colidir certos núcleos contra outros. É caro e a produção só acontec em pequenas quantidades. Um exemplo dessa técnica é a produção de tecnécio, que é útil em hospitais para diagnósticos clínicos.
Por que é que a Tabela Periódica cabe numa folha A4, isto é, por que é que não existem mais de 118 elementos químicos? Isso acontece não porque não haja espaço para mais electrões à volta do núcleo atómico mas sim porque o núcleo atómico, à medida que cresce o número de protões, se torna cada vez mais positivo e, por isso, se desintegra: as forças de repulsão entre os protões não conseguem equilibrar as forças nucleares de atracção que mantêm os núcleos mais leves bem coesos. E, sem núcleo, os átomos não podem existir… Na prática, quando um átomo se desintegra, passam a existir átomos mais pequenos resultantes do processo. Alguns físicos conjecturaram, porém, que devem existir elementos superpesados, muito mais pesados que o urânio, e cuja estabilidade, ainda que pequena, pudesse ser explicada por efeitos quânticos de fecho de camadas de protões e neutrões no núcleo tal como nos átomos o fecho de camadas electrónicas explica a especial estabilidade dos gases raros (como hélio, o árgon e o crípton). Esses elementos transuranianos foram activamente procurados, mas sem qualquer êxito até aos dias de hoje. É bem possível – mais do que possível, provável - que novos elementos químicos venham a ser fabricados em aceleradores nucleares. Mas eles devem ser muito instáveis tal como acontece com os últimos elementos químicos conhecidos até agora. A Tabela Periódica não está por isso terminada.
Respondendo à chamada da ONU e da UNESCO a Sociedade Portuguesa de Química está a celebrar em Portugal o Ano Internacional da Tabela Periódica. É uma oportunidade única de mostrar como a astronomia, a física, a química, a geologia e a biologia estão relacionadas. A Tabela Periódica é a chave para uma “grade unificação” das ciências.” Junte-se às celebrações!
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