Há poucos dias foi noticiado que
cientistas chineses tinham conseguido clonar macacos, usando a técnica
demonstrada há vinte anos com a ovelha Dolly. As portas ficaram abertas para a
clonagem de humanos, uma possibilidade que levanta sérios problemas éticos. No ano
passado foi anunciado que cientistas americanos, em colaboração com chineses e
coreanos, tinham ensaiado pela primeira vez a reparação de um gene em embriões
humanos, usando a revolucionária técnica do CRISPR.
Não admira, por isso, que se fale de modernos Frankensteins, isto é, cientistas que, imitando o aprendiz de cientista Victor Frankenstein, personagem do romance Frankenstein, de Mary Shelley, cuja primeira edição saiu em 1818 (há dois exactos séculos, tinha a autora 20 anos). Também Victor passa os limites estabelecidos, quando consegue, usando um truque científico animar restos cadavéricos, criando um monstro, a que muita gente, ainda que erradamente, dá o nome do criador. A criatura não nasce monstro, mas torna-se monstro, semeando o caos à sua volta, quando se vê repelido pelos humanos. O nome Frankenstein, seja ele criador ou criatura, passou a ser um símbolo da hubris cientifica, a desmesura arrogante que consiste na ultrapassagem dos limites entendidos como razoáveis no estudo da Natureza. Depois de tantas peças de teatro e filmes que se seguiram à novela de Shelley, à ciência ficou colada a imagem de criadora de monstros. Como ilustra uma gravura de Goya, “o sono da razão gera monstros”.
Não admira, por isso, que se fale de modernos Frankensteins, isto é, cientistas que, imitando o aprendiz de cientista Victor Frankenstein, personagem do romance Frankenstein, de Mary Shelley, cuja primeira edição saiu em 1818 (há dois exactos séculos, tinha a autora 20 anos). Também Victor passa os limites estabelecidos, quando consegue, usando um truque científico animar restos cadavéricos, criando um monstro, a que muita gente, ainda que erradamente, dá o nome do criador. A criatura não nasce monstro, mas torna-se monstro, semeando o caos à sua volta, quando se vê repelido pelos humanos. O nome Frankenstein, seja ele criador ou criatura, passou a ser um símbolo da hubris cientifica, a desmesura arrogante que consiste na ultrapassagem dos limites entendidos como razoáveis no estudo da Natureza. Depois de tantas peças de teatro e filmes que se seguiram à novela de Shelley, à ciência ficou colada a imagem de criadora de monstros. Como ilustra uma gravura de Goya, “o sono da razão gera monstros”.
Vale a pena lembrar a origem do romance.
Mary Shelley, na altura Mary Godwin, era uma inglesa de 18 anos, mas já com um
filho pequeno nos braços, que fugiu de casa apaixonada pelo pai da criança e
seu futuro marido, Percy Shelley, um escritor amigo da família. Godwin, um filósofo político percursor do anarquismo, estava casado em segundas núpcias pois a mãe de Mary, precursora
do feminismo, tinha morrido após o parto. A fuga de Mary e Percy foi escandalosa na puritana Inglaterra, pois
Percy era um homem casado. O par foi acompanhado por uma meia irmã de Mary,
grávida, tendo o grupo viajado para a Suíça ao encontro de Lorde Byron, que era
o pai da criança a nascer. Instalados numa vivenda nas margens do lago de
Genebra o seu passatempo consistia na invenção, noite alta, de histórias de terror.
No grupo estava também um médico amigo de Byron que escreveu o primeiro conto
de vampiros. Mary contou mais tarde que a ideia de Frankenstein irrompeu num sonho
que teve na altura. E reconheceu que
estavam no seu espírito as experiências de galvanismo em moda na época.
O médico e físico italiano Luigi Galvani tinha proposto a ideia de electricidade animal, na sequência da descoberta que uma perna cortada de uma rã se esticava quando tocava um metal. Giovanni Aldini, um sobrinho de Galvani e seu sucessor na cátedra da Universidade de Bolonha, tinha realizado em Londres, ainda Mary era criança, uma assustadora experiência ao submeter o cadáver de um enforcado a choques eléctricos intensos. Frankenstein está pois, sem dúvida, associado à ciência da época. Havia razões para ter medo da ciência. De resto, o romantismo que então florescia cultivava precisamente esse medo.
O médico e físico italiano Luigi Galvani tinha proposto a ideia de electricidade animal, na sequência da descoberta que uma perna cortada de uma rã se esticava quando tocava um metal. Giovanni Aldini, um sobrinho de Galvani e seu sucessor na cátedra da Universidade de Bolonha, tinha realizado em Londres, ainda Mary era criança, uma assustadora experiência ao submeter o cadáver de um enforcado a choques eléctricos intensos. Frankenstein está pois, sem dúvida, associado à ciência da época. Havia razões para ter medo da ciência. De resto, o romantismo que então florescia cultivava precisamente esse medo.
Hoje em dia, a revista Science,
ao evocar em número especial o mito de Frankenstein, para além de referir os perigos
da moderna genética, que para além de aplicações mais directamente humanas,
promete a possibilidade de vida sintética, através da produção de bactérias
artificiais a partir de componentes genéticas, refere também um perigo vindo da
ciência que alguns julgam ser o maior de todos: a inteligência artificial.
Com efeito, certos profetas contemporâneos enfatizam a possibilidade da humanidade terminar,
num momento que antevêem próximo, dando lugar a uma era das máquinas.
Curiosamente, num seu romance posterior a Frankenstein e bem menos famoso, O Último Homem, Shelley descreve uma Terra devastada por uma praga, na segunda metade do século XXI, onde a espécie humana desaparece. A questão é então como prevenir os perigos da ciência. Para não criar monstros é preciso que o homem mantenha a razão acordada. A ciência precisa de consciência, permanente e plena consciência. “Ciência sem consciência é ruína de alma”, já dizia, muito antes de Shelley, o médico, escritor e padre francês François Rabelais.
Curiosamente, num seu romance posterior a Frankenstein e bem menos famoso, O Último Homem, Shelley descreve uma Terra devastada por uma praga, na segunda metade do século XXI, onde a espécie humana desaparece. A questão é então como prevenir os perigos da ciência. Para não criar monstros é preciso que o homem mantenha a razão acordada. A ciência precisa de consciência, permanente e plena consciência. “Ciência sem consciência é ruína de alma”, já dizia, muito antes de Shelley, o médico, escritor e padre francês François Rabelais.
4 comentários:
Uma crónica excelente. Muitos parabéns.
Há um livro muito interessante, intitulado "A Era do Deslumbramento", de Richard Holmes, que descreve essas e muitas outras histórias reais, incluindo as muito famosas experiências de Humphrey Davy com gás hilariante, que se pensava ter efeitos terapêuticos. De caminho, mostra-nos as peripécias de Faraday, as viagens de vários exploradores na pristina África, outros na ilhas do Pacífico, os "baloonistas" e a grande aventura instrumental de William Herschel. Publicado pela Gradiva (informação sem intuitos publicitários).
Guilherme de Almeida
Portanto , imaginando que a humanidade já se extinguiu mais que uma vez por over dose de ciência , quem sabe os minotauros , centauros e tritões não existiram de facto? :) :)
Dito como está, até parece que a ciência é uma instância diabólica que o homem deve controlar com a religião e a moral. Quero acreditar que isso nem passa pela cabeça ao Carlos Fiolhais. A ciência nunca fez nada, nem de bom nem de mau. E nunca fará. E, já agora, nem a filosofia, nem as artes, nem as religiões, nem as literaturas. O problema abordado, que é o do bem e do mal, não é problema das pedras, nem dos átomos, nem do número de voltas que ainda falta para a Terra completar o seu ciclo de existência, ou da quantidade de veneno necessário para matar o tempo... É problema do homem.
Pedem-me que acredite que a ciência já se colocou no "lugar" do homem, secundarizando-o, ou que, pior ainda, num "lugar" em que o homem nunca esteve, nem poderá controlar? Em que é que ficamos? Afinal a ciência é o quê? É o conhecimento, fruto do conhecimento da natureza, dócil e domesticada como nenhum outro ramo do conhecimento, ou uma criatura com vontade própria, sem sentimentos e sem alma, cujo dinamismo não faz distinções nem obedece a critérios, ou ao que quer que seja?
a ciência transformou-se num instrumento , qual varinha mágica negra , para modificar a natureza a troco duns trocos.. instrumento esse nas mãos do homem , que toda a gente sabe , lendo a história , do que é capaz. deus nos colha confessados :)
podemos começar por aqui a elencar os efeitos maravilhosos da ciência em nós e no nosso habitat :
https://elpais.com/elpais/2018/02/15/ciencia/1518717373_620060.html?id_externo_rsoc=FB_CC
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