“A História está repleta de pessoas que, em resultado do medo, ou por
ignorância, ou por cobiça de poder, destruíram conhecimentos de imensurável
valor que, em verdade, pertencem a todos nós. Nós não devemos deixar acontecer
isso de novo”.
Carl Sagan
Encontra-se, uma vez mais, a Educação sob
a tutela do Partido Socialista. Quatro anos atrás, na secção de “Cultura” do "Público" (5 de Agosto de 2011),
com um título à largura de toda a página - “Os franceses estão a redescobrir Camilo” - deparei-me com esta notícia: “O filme 'Mistérios de Lisboa’ já fez mais
de 100 mil espectadores em França”.
Este facto levou-me a escrever aqui um post, intitulado o “Ódio de Perdição”
(09/08/2011), de que transcrevo, em itálico, uns tantos excertos com
ligeiríssimas alterações. Assim:
“Mesmo que mantidas as devidas proporções populacionais entre o país das
“Luzes” e a pátria de Camões, não me faria estranhar muito que a preguiça dos
espectadores portugueses preferisse (re)ver a adaptação cinematográfica de“ O Amor de Perdição”, de
António Lopes Ribeiro (1943), a perder tempo e pachorra a ler, ou simplesmente
a folhear, como diria Eça, a respectiva
obra literária que constava obrigatoriamente do currículo liceal de décadas passadas.
Uma vez mais se cumpria o aforismo de que “santos ao pé da porta não fazem milagres”. Mas daí a cometer o
pecado de expurgar a prosa camiliana, para Maria Amélia Vaz de Carvalho “personificação do génio português”,
do altar da bibliografia dos programas escolares do ensino secundário tratou-se,
em minha opinião, de um crime de
lesa-majestade às belas-letras.
Aliás, sempre que falamos de Camilo não podemos divorciá-lo do seu papel de
um dos melhores mestres da Língua Pátria e, muito menos ainda, de “O ódio de
perdição” que os responsáveis da 5 de Outubro lhe dispensaram por omissão nos
programas de Português do ensino secundário. A língua materna é a argamassa da
nossa forma de bem nos expressarmos e que tanto é útil aos cientistas, como aos
apresentadores de televisão, aos políticos e ao próprio homem comum. Um
cientista que diga “supônhamos”, um professor que num documento escreva Senhor
Presidente do “Concelho” Directivo, um aluno que [na ausência da muleta do
corrector ortográfico dos computadores] em cada três palavras dê um erro
ortográfico, o próprio homem comum que dê pontapés na gramática com a
habilidade de um Cristiano Ronaldo a chutar à baliza, tornam-se mais notados no
seu dia-a-dia do que um ilustre médico que não saiba extrair uma simples raiz
quadrada, um distinto professor de Português que desconheça o Princípio de
Arquimedes ou um aluno dotado para as letras que, simplesmente, “não entre” na Matemática. Ou seja, o
ignorante dos números defende-se melhor do que o ignorante das letras. Mas
cuidado! Não se pense com isto que estou a fazer o elogio ( e muito menos a
descriminar, com “e” ) qualquer destas formas de ignorância. Ambas são
reprováveis.
A ignorância oficial e oficializada é um crime de lesa-majestade por roubar
ao aluno português o prazer cultural da leitura dos livros de Camilo podendo,
como tal, em contágio epidémico, transmitir ao aluno espanhol a desnecessidade
da leitura de Cervantes, sonegar ao aluno francês o deleite da visitação ao
Museu de Louvre, impedir ao aluno alemão a audição da Orquestra Sinfónica de
Berlim. Ou seja, a vivência num mundo em que um conhecimento demasiado
científico possa vir a gerar um caldo cultural sensaborão por ausência dos
condimentos das disciplinas de Humanidades!”
Et pour cause, arrepio-me se, no dealbar deste novo ano, se assistisse ao reaparecimento
das Novas Oportunidades para efeitos meramente estatísticos de um geração que é
apregoada, pelo que deduzo, com intuitos meramente estatísticos, como a mais
bem preparada de sempre omitindo o facto de ter sido à custa da obtenção de
diplomas do ensino básico e secundário obtidos em descarado facilitismo.
Simultaneamente, aos jovens do ensino
convencional (por vezes, seus próprios filhos)
era destinado um exigentíssimo ensino. Sem percalços de percurso, com a duração
de 12 anos, vencido, vezes sem conta, com explicações, que se tornaram moeda
corrente de um verdadeiro negócio, em que os pais chegam a empenhar os anéis
para as pagarem, sendo elas, há dezenas de anos atrás, excepção de meninos
ricos e cabulões. Décadas atrás, quase se contavam pelos dedos os alunos do
então chamado ensino liceal que tinham explicações. Hoje, com um certo exagero,
concedo, não chegam os dedos de pequenas multidões de mãos para contar os
alunos do secundário que têm explicações. E até, ainda que em número bem mais escasso, de umas tantas
crianças do 1.º ciclo do básico/antiga instrução primária!
E o que dizer, se me é permitida a
adjectivação, da cultura “googliana” em que a leitura armazenada em engramas da
memória, pelo estudo aturado e criterioso dos manuais escolares, foi substituída por uma consulta ao google? Como tenho escrito outras vezes,
chego a temer que alguns alunos ao ser-lhes perguntado qual o nome do 1.º Rei da I Dinastia de Portugal, respondam: “Um
momento, vou ver ao google!”
Ferramenta milagrosa esta, com a sua torrencial fonte de consulta, que até
serve para se plagiarem tese de doutoramento!
Mas que fique bem claro. De forma alguma
estou a pôr em questão o valor da utilização deste meio de informação em que a
respectiva ignorância, ou deficiente conhecimento, nos torna iliteratos
informáticos a exemplo dos que não sabem utilizar e tirar proveito da
maravilhosa descoberta de Gutenberg cujos
caracteres povoam muitas bibliotecas
públicas e privadas adormecidas, muitas vezes, em prateleiras cheias de pó por
desuso.
E muito me espantaria, num mundo e num
tempo em que já nada me devia espantar, com a possível continuação de Provas de
Acesso ao Ensino Superior para maiores de 21 anos para manter abertos cursos “superiores”, quase
desertos, agora de acesso escancarado. Alguns deles, de natureza privada, que muito ficam a dever em exigência a antigos cursos médios como, por
exemplo, Institutos Industriais e Comerciais.
Como prova do que se tem passado em
prejuízo da melhoria do nosso ensino, de mal ficaria eu com a minha consciência
se não desse conta do papel de um certo sindicalismo, de que é exemplo a
Fenprof, que exorbita os seus poderes ao discordar da criação de uma Ordem dos
Professores por entender que essas funções são por si já exercidas, ainda que
abusivamente.
Em simples dever de cidadania, “nós não
devemos deixar acontecer isso de novo” (Carl Sagan) para que se não continue a
formar uma geração que se diz ser a melhor preparada de sempre à custa de dados estatísticos que misturam quantidade
com qualidade e estabelecem confrontos sem ter em conta as épocas em que
decorreram não só em Portugal como em outros países europeus.
Escreveu Vergílio Ferreira: “Tenho
esperança. É o que me vem sustentando: a esperança de que amanhã é que é”.
Também eu quero ter essa esperança. A esperança de que a actual equipa ministerial
da Educação não reincida nos erros do passado opondo-se, isso sim, à
mediocratização de um certo ensino em nome de uma despudorada democratização
que atribui diplomas de ensino superior, ou de outros graus de ensino, a eito e
sem jeito. Ou seja, assistimos a um fenómeno a que António José Saraiva, em
título de jornal, deu o sugestivo nome
de “Diplomocracia” (“Diário de Notícias”, 31/08/1979), apresentando estes exemplos:
“Há diplomas universitários para procuradores, diplomas para músicos, diplomas
para pintores, diplomas para técnicos de máquinas, diplomas para guarda-livros,
diplomas para toda a gente eu não é nenhuma destas coisas diplomas que dão
direito a usar uma palavrinha antes do nome, embora não obriguem a saber fazer coisa alguma”.
Camões deixou-nos em legado: “Todo o mundo
é composto de mudança”. No que respeita ao exagero da “diplomocracia” pouco se
alterou no país de hoje, um país avesso a mudanças que possam pôr em causa a
qualidade de diplomas atribuídos a magotes de gente e, principalmente, a uns
tantos elevados dignitários da nação
portuguesa!
3 comentários:
Este comentário não carece de publicação. Apenas duas observações, se me permite: "Há dezenas de anos atrás" redunda sendo, por isso, desnecessário; "se diz ser a melhor preparada de sempre à custa [...]" compare melhor para que seja a mais bem preparada!
Obrigada,
Maria Barbosa
Ao invés, entendo que este comentário é bem-vindo. Obrigado, portanto.
O comentário anónimo(06/01/2016), insito neste meu post, que agradeci em devido tempo, merece-me, em jeito de adenda, este esclarecimento: "Há dezenas de anos atrás", como nele escrevi, na verdade, é uma redundância. Há dezenas de anos, quanto bastava.
Todavia, nem os nossos maiores escritores deixaram de a utilizar como forma de enfatizar a respectiva escrita. Por exemplo, o grande Herculano, escreveu: “Cada qual busca salvar-se a si próprio”.
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