Não é novidade para
ninguém. Desde que o neoliberalismo cego do PSD (traidor do pensamento e da
prática social democrata que lhe deu nascimento) tomou conta dos nossos
destinos, amparado nesta actual muletazinha conhecida pela sigla CDS-PP, vai
para quatro anos, os portugueses assistem, resignados e pacificamente, ao
retrocesso social e cultural imposto por uma União Europeia cada vez mais
afastada e hoje um logro da esperança que assinámos a 12 de Junho de 1985, faz
agora trinta anos.
As conquistas na
segurança social, nos cuidados de saúde, na ciência, no ensino e no apoio à
cultura conseguidas na vivência em democracia que se seguiu à Revolução dos
Cravos estão a fugir da nossa vida colectiva como areia por entre os dedos.
Perdemos uma parte
significativa da independência nacional e assistimos à asfixia e destruição de
muitas das nossas valências económicas. Estamos a viver tempos de miséria e,
até, de fome para um número cada vez maior de famílias, de miserável abandono
dos idosos, de corrupção descarada e impune e de aumento do número e da riqueza
dos ricos. A chamada classe média está a afundar-se, o desemprego tornou-se uma
realidade dramática dos que já não conseguem encontrar um posto de trabalho e é
um incentivo crescente à igualmente dramática emigração de uma juventude que a democratização
do ensino qualificou a níveis nunca antes conseguidos.
Tudo isto e mais alguma
coisa foi sabiamente previsto por Natália Correia (1923-1993), grande
portuguesa que deixou nome na poesia e na política (deputada à Assembleia da
República entre 1980 e 1991). Estou muito longe de ter lido toda a obra desta
saudosa açoriana de São Miguel, mas o que li e ouvi ler, em especial, poesia, sempre me
mostrou, pela excelência do conteúdo e da forma, a mulher com quem tive o
privilégio de conviver nos últimos anos da sua vida. Quando a procurei, em
começos da década de 90 eu era um profissional, a tempo inteiro, com 30 anos de
dedicação exclusiva a uma ciência demasiado terra-a-terra - a geologia - em
busca de um outro caminho que tinha o dela e de muitos outros mestres da
palavra, por modelo. Prenderam-me a esta lutadora a intransigência com que
defendia a liberdade, a solidariedade, a justiça e a cultura, o desassombro, a
elevação e a beleza, a força e a energia, que usou na palavra falada e escrita,
características que sempre igualei às do também grande e saudoso Ary dos
Santos.
Apraz-me aqui e agora
transcrever, pelo que têm de impressionante realismo, algumas premonições desta
grande Senhora, trazidas a público por Fernando Dacosta em “O Botequim da
Liberdade” (Casa das Letras, 2013).
"Portugal vai
entrar num tempo de subcultura, de retrocesso cultural, como toda a Europa,
todo o Ocidente".
"Os neoliberais vão
tentar destruir os sistemas sociais existentes, sobretudo os dirigidos aos
idosos. Só me espanta que perante esta realidade ainda haja pessoas a pôr gente
neste desgraçado mundo e votos neste reaccionário centrão".
"As primeiras
décadas do próximo milénio serão terríveis. Miséria, fome, corrupção,
desemprego, violência, abater-se-ão aqui por muito tempo. A Comunidade Europeia
vai ser um logro. O Serviço Nacional de Saúde, a maior conquista do 25 de
Abril, e Estado Social e a independência nacional sofrerão gravíssimas
rupturas. Abandonados, os idosos vão definhar, morrer, por falta de assistência
e de comida. Espoliada, a classe média declinará, só haverá muito ricos e muito
pobres. A indiferença que se observa ante, por exemplo, o desmoronar das
cidades e o incêndio das florestas é uma antecipação disso, de outras
derrocadas a vir".
Galopim de Carvalho
1 comentário:
Fica tudo tão claro quando Deus desce às almas...
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