Domingo à Tarde (1966) |
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A lepra
é uma das doenças mais marcantes na história da humanidade. São
vários os episódios que envolvem doentes de lepra estigmatizados,
por exemplo, na Bíblia. O conto “O Leproso” de Miguel Torga, no
qual se baseia a curta metragem com o mesmo nome, foi publicado em
1944. Neste, o médico consultado por Julião (o leproso) pouco pode
fazer para o ajudar, e por isso temos hoje alguma dificuldade em
avaliar a real dimensão da tragédia: a lepra era uma doença
desfigurante e maldita que não tinha as perspectivas de cura que tem
hoje.
Por
exemplo, no artigo da Enciclopédia Portuguesa-Brasileira dos anos
1940 sobre a lepra, esta doença aparece como incurável e de
prognóstico fatal, sendo recomendado o isolamento dos doentes. A
sulfona promin foi desenvolvida nessa década mas só depois de 1950
se começou a recorrer à dapsona, uma molécula relacionada com a
primeira, que ainda hoje é usada em combinação com outros
antibióticos como a rifampicina, descoberta no final dos anos 1950.
Curiosamente, a dapsona havia sido descoberta anteriormente mas não
foi considerada segura e eficaz. É também curioso que um
medicamento maldito pelo mal que causou a recém-nascidos nos anos
1960, a tralidomida, tenha encontrado no tratamento da lepra alguma
remissão. No entanto, ainda hoje morrem todos os anos cerca de duas
centenas de milhar de pessoas com esse doença.
Em
“Domingo à Tarde”, filme baseado num romance de Fernando Namora,
Jorge é um médico cínico e azedo que conhece Clarisse, uma doente
com leucemia que se recusa a dar atenção à sua doença e que o vai
conduzindo em passeios e aventuras, em geral bastante inocentes mas
quase sempre insólitos. A relação vai evoluindo, mas Clarisse
acaba por morrer. Em 1961, ano da publicação do livro, a leucemia
tinha ainda perspectivas de cura bastante reduzidas. O arsenal
terapêutico era limitado e o reaparecimento da doença frequente.
No
início do século xx surgiu a radioterapia e, a partir dos anos
1940, começaram a estar disponíveis alguns medicamentos
quimioterápicos que só começaram a ser usados na década seguinte.
Por exemplo, o metotrexato e a mercaptopurina, que são ainda
medicamentos de referência, surgiram nessa altura. Mas só a partir
dos anos 1970 começaram a surgir medicamentos eficazes na cura de
algumas formas de leucemia. A partir dessa altura passaram também a
estar disponívies outras formas de tratamento como o transplante de
medula (para os quais mais uma vez a talidomida encontrou utilidade)
e mais recentemene o tratamento com anticorpos monoclinais. No livro
são referidos ensaios clínicos incipientes de compostos promissores
obtidos a partir de uma alcachofra. Não provêm de alcachofras, mas
a enzima asparaginase, obtida de uma bactéria, e a vincristina
obtida de uma planta, são medicamentos ainda hoje usados.
Hoje
em dia dispomos de mais medicamentos e formas de tratamento que nos
anos de 1960, mas ainda há alguns tipos de cancros que resistem às
terapias. O papel da química na descoberta de novos medicamentos e
tratamentos continua por isso a ser fundamental.
Organização: Departamento de Química da FCTUC e Departamento de História, Estudos Europeus, Arqueologia e Artes da FLUC
Ciclo integrado na 17.ª Semana Cultural da Universidade de Coimbra e nas comemorações dos 725 anos desta instituição.
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