Annemarie e os dois filhos. |
A bandeja esbarra por fim no teto – e Newton vira-se;
furioso, pega num belo cachimbo, e atira o cachimbo pelo ar e solta
imprecações. Mas o cachimbo não chega a tocar o chão; é apanhado em pleno voo
por esse criminoso que viola a sagrada lei do peso e é projetado com força
contra as traves de carvalho onde se desfaz em mil pedaços, e os pedaços não
caem em cima de Newton, ficam lá em cima, nas trevas, muito acima dos seus
cabelos, ainda húmidos das lágrimas de há pouco.»
A Lei da Gravidade de Newton está a ser posta em causa. Ele
fica furioso, exasperado, e com um sabre pretende retalhar a sua mesa de
trabalho.«(…) o sabre, pelo seu próprio movimento, é-lhe arrancado da mão e sobe, também ele, na direção do teto…»
A paz volta a tomar as rédeas do filósofo. Newton compreende
que está na presença de milagres, e que estes só podem vir de Deus. Num golpe
de génio, Newton entra em diálogo com Deus e sugere que troquem ambos de
natureza: que Deus seja batizado e que tome a vida de um mareante norueguês (que
nasce em 1727 no quarto de Newton ou em 1815 em Bergen, cidade norueguesa, e
irá morrer em 1871 no Hawai), enquanto o filósofo é metamorfoseado num deus.
Newton pretende incluir Deus na criação e este último aceita.
Newton, agora deificado e sádico, faz passar o marinheiro pelos
tormentos dos humanos, pela dor, pela angústia de não poder fazer milagres,
pela fome, por sevícias, pela presença da morte e pela impossibilidade do amor.
O mareante desiludido resolve partir para a sua terra natal.
Quanto a Newton, jaz sobre a mesa e depois fica suspenso e
jazente entre ela e o teto. Este facto deixa o criado em lágrimas, boquiaberto
e incrédulo; um secretário da Medical
Society procura explicá-lo, em vão, recorrendo à lei da gravitação
universal. Por fim, o corpo é levado para a casa mortuária.
Para Newton, Deus, por não pertencer à criação, desespera e
comete crimes (Substitui a Lei pelo Milagre). O homem, pelo contrário,
desespera por não ver Deus e comete crimes (Sonhos na Casa das Leis). Para
ambos os crimes há solução: o remédio para o crime divino é deparar com o olhar
da criação, enquanto o remédio para o crime humano é ser-se visto por Deus.
Stig Dagerman foi um contista fantástico. Via a criação como
imperfeita, a vida como um grito de dor e os homens como grandes cenouras cheias de terra. Destroçado com a guerra e com a hipocrisia
da sociedade e atravessando uma depressão, suicidou-se, na sua garagem, com
monóxido de carbono. Viveu 31 anos.
Deus visita Newton (1727), é um conto incluído na antologia Os Jogos Da Noite.
Sem comentários:
Enviar um comentário