segunda-feira, 9 de março de 2015

Stig Dagerman – Deus Visita Newton (1727)

Deus cansa-se da sua luz e do seu silêncio e visita a Casa Das Leis de Newton, em Londres. Sobe quarenta e quatro degraus até ao gabinete silencioso do filósofo. No gabinete há um armário com as obras do teólogo sueco E. Swedenborg e, para além de Deus, estão presentes Newton e o servente. É então que começam a acontecer coisas inexplicáveis.

 Annemarie e os dois filhos.
«Nesse preciso momento o criado deixa a bandeja fugir-lhe das mãos. Newton dá um passo em frente, o criado dá um passo atrás. Depois ficam ambos imóveis durante uma eternidade. Entre eles desenrola-se, na noite um fenómeno estranho. A bandeja devia ter caído, mas não caiu. Continua suspensa na noite, brilhante e terrível. Depois começa a subir lentamente na direção do teto. E enquanto a bandeja sobe, correm lágrimas dos olhos de Newton, lágrimas que lhe sobem até à fronte, jorrantes como um Niágara de mágoa. Mas o criado não chora. Fica onde está.
A bandeja esbarra por fim no teto – e Newton vira-se; furioso, pega num belo cachimbo, e atira o cachimbo pelo ar e solta imprecações. Mas o cachimbo não chega a tocar o chão; é apanhado em pleno voo por esse criminoso que viola a sagrada lei do peso e é projetado com força contra as traves de carvalho onde se desfaz em mil pedaços, e os pedaços não caem em cima de Newton, ficam lá em cima, nas trevas, muito acima dos seus cabelos, ainda húmidos das lágrimas de há pouco.»
A Lei da Gravidade de Newton está a ser posta em causa. Ele fica furioso, exasperado, e com um sabre pretende retalhar a sua mesa de trabalho.

«(…) o sabre, pelo seu próprio movimento, é-lhe arrancado da mão e sobe, também ele, na direção do teto…»

A paz volta a tomar as rédeas do filósofo. Newton compreende que está na presença de milagres, e que estes só podem vir de Deus. Num golpe de génio, Newton entra em diálogo com Deus e sugere que troquem ambos de natureza: que Deus seja batizado e que tome a vida de um mareante norueguês (que nasce em 1727 no quarto de Newton ou em 1815 em Bergen, cidade norueguesa, e irá morrer em 1871 no Hawai), enquanto o filósofo é metamorfoseado num deus. Newton pretende incluir Deus na criação e este último aceita.
Newton, agora deificado e sádico, faz passar o marinheiro pelos tormentos dos humanos, pela dor, pela angústia de não poder fazer milagres, pela fome, por sevícias, pela presença da morte e pela impossibilidade do amor. O mareante desiludido resolve partir para a sua terra natal.
Quanto a Newton, jaz sobre a mesa e depois fica suspenso e jazente entre ela e o teto. Este facto deixa o criado em lágrimas, boquiaberto e incrédulo; um secretário da Medical Society procura explicá-lo, em vão, recorrendo à lei da gravitação universal. Por fim, o corpo é levado para a casa mortuária.
Para Newton, Deus, por não pertencer à criação, desespera e comete crimes (Substitui a Lei pelo Milagre). O homem, pelo contrário, desespera por não ver Deus e comete crimes (Sonhos na Casa das Leis). Para ambos os crimes há solução: o remédio para o crime divino é deparar com o olhar da criação, enquanto o remédio para o crime humano é ser-se visto por Deus.
Stig Dagerman foi um contista fantástico. Via a criação como imperfeita, a vida como um grito de dor e os homens como grandes cenouras cheias de terra. Destroçado com a guerra e com a hipocrisia da sociedade e atravessando uma depressão, suicidou-se, na sua garagem, com monóxido de carbono. Viveu 31 anos.
Deus visita Newton (1727), é um conto incluído na antologia Os Jogos Da Noite.

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