Recebi de Jerónimo Nogueira, deficiente visual, esta interessantíssima recolha poética sobre a impossibilidade de visão. O tema é muito oportuno neste Ano Internacional da Luz. A poesia é uma forma de acesso à luz. Quando celebramos a luz devemos lembrar-nos de quem não a pode ver (o quadro "Rapariga Cega" é de Millais).
TODAS AS
COISAS VISÍVEIS E INVISÍVEIS
(tópicos
poéticos para a discussão de um problema)
"Não basta abrir a janela
Para ver os campos e o rio.
Não é bastante não ser cego
Para ver as árvores e as flores.
É preciso também não ter filosofia nenhuma.
Com filosofia não há árvores: há ideias apenas.
Há só cada um de nós, como uma cave.
Há só uma janela fechada, e todo o mundo lá fora;
E um sonho do que se poderia ver se a janela se
abrisse,
Que nunca é o que se vê quando se abre a janela.
(…)
Eu nunca passo para além da realidade imediata.
Para além da realidade imediata não há nada.
(…)
Ter a certeza é não estar vendo.
Depois de amanhã não há.
O que há é isto:
Um céu de azul, um pouco baço, umas nuvens brancas no
horizonte,
Com um retoque de sujo em baixo como se viesse negro
depois.
Isto e o que hoje é,
E, como hoje por enquanto é tudo, isto é tudo.
Quem sabe se eu estarei morto depois de amanhã?
Se eu estiver morto depois de amanhã, a trovoada de
depois de amanhã
Será outra trovoada do que seria se eu não tivesse
morrido.
Bem sei que a trovoada não cai da minha vista,
Mas se eu não estiver no mundo,
O mundo será diferente –
Haverá eu a menos –
E a trovoada cairá num mundo diferente e não será a
mesma trovoada"
Alberto Caeiro em“ Poemas
inconjuntos”
São Audazes … Porquê? Porque são cegos!
Hão-de gastar os dentes nessa lida;
Hão de gastar, depois, ainda a cabeça;
Hão-de gastar por fim o corpo todo!
Antero
Quental em “Odes Modernas”, P. 96
"Oh! A vida é um abismo! Mas fecundo!
Mas imenso! Tem luz – e luz que cegue."
Idem p. 56
"Examino como quem cisma. Vejo como quem pensa."
Fernando Pessoa, em “O Livro do Desassossego“ por
Bernardo Soares
Obra em Prosa, Vol. I Circulo de Leitores, p. 72
"Ver é talvez sonhar, mas se lhe chamamos ver em vez de
lhe chamarmos sonhar, é que lhe distinguimos sonhar de ver"
Idem, p. 222
"A Vida é que o que fazemos dela. As viagens são os
viajantes.
O que vemos, não é o que vemos, senão o que somos."
Idem, p. 72
"Quem me tapa os olhos não me cega, porém impede-me de
ver."
Idem p. 259
"Dá-me a tua mão! …que eu saiba da tua mão …que as tuas
mãos são as minhas! …que sejam outras mãos como as minhas…as minhas mãos não me
bastam…faltam-me outras mãos como as minhas!”
Almada Negreiros em
“Antes de Começar”, Obra completa”, Vol. III, Imprensa Nacional, p. 38
"Ora
a maior ambição do mundo é tirar o homem das trevas para a claridade; e é a
maior ambição a portadora do maior sofrimento."
“Ver”, p. 235
"Homero
é cego e foi ele quem descobriu a vida interior do homem projectando depois
para fora do homem por sobre o mundo a vida interior o homem para que
finalmente se visse."
Idem p. 237
"É
cego, enfim, porque é cego tudo quanto, a bem ou a ou a mal, se mete de permeio
entre a vida e o homem."
Idem p, 234-235
"Aqui, sei onde sangra o lábio oculto.
De quem me vê, até de olhos fechados!
E, como os cegos, reconheço um vulto,
Pelo roçar dos dedos namorados…"
Pedro Homem de Melo em “Ao Porto”, Colectânea de poesia sobre o Porto, p. 129
"Cada vez mais vivo e cada vez mais cego através dos
anos, é um mistério que nunca pude decifrar.
Penso nele e lembro-me logo daquelas monstruosidades
anatómicas, diante das quais a razão, cheia de pasmo, pergunta em que fonte da
vida bebem as suas raízes."
Miguel Torga, Diário I “, p. 162
"E não me resigno intimamente a essa entrega
incondicional, não por apego ao mundo, de que me vou sentindo excluído, mas
pela simples dignidade de me não conformar. A dizer não à fatalidade é que eu
tenho a ilusão de vencer."
“Diário XVI”, p. 106
"Vagos e rodeados de abismos caminhamos
Indefinidamente
sem sair de onde estamos.
Nada
se vê. Só se ouve rangente a esc"
Natália
Correia em “ Poesia Completa” p. 541
"Ouvindo o teu sossego
A pouco e pouco encher
Como os olhos do cego
A luz do íntimo ver."
Vitorino Nemésio“
Outra Lição”,Antologia Poética, p. 100
"Rejeitemos
decididamente esse radicalismo indecente que nos exorta dar à luz o que é da
luz e às trevas o que é das trevas. Por que as trevas estão na luz como o Yin
está no Yang; e a luz está nas trevas como o Yang está no Yin."
Natália Correia, “Poesia
Completa” p. 505
"Gosto
da noite imensa, triste, preta,
Como
esta estranha e doida borboleta.
Que
eu sinto sempre a voltejar em mim!..."
Florbela Espanca em “Sonetos” P. 63
"Trago no olhar visões extraordinárias.
De coisas que abracei de olhos fechados…"
Idem, p.203
"No dia seguinte à leitura
Seus olhos desembocam em outras visões."
Mia Couto em “Terra Sonâmbula”, p. 69
"Cego quem é quem só abre os olhos
quando a si mesmo se contempla"
“Cego”, em “Idades, Cidades e Divindades”, p. 106
"Enquanto não, o pescador não pode ver o peixe dentro
do rio. O pescador acredita uma coisa que não vê.
Aquela era a lição do que há-de vir da vida e ele,
agora, lembrava as sábias palavras."
“Vozes Anoitecidas”, p. 58
O cego curioso, queria saber de tudo. Ele não fazia
cerimónia no viver. O sempre lhe era pouco e o tudo insuficiente.
“Estórias
Abensonhadas” p. 29
"Nós temos olhos que se abrem para dentro, esses que usamos
para ver os sonhos. O que acontece, meu filho, é que quase todos estão cegos,
deixaram de ver esses outros que nos visitam.
Os outros? Sim, esses que nos acenam da outra margem."
Idem, p. 16
"Com medo da noite foi andando, aos tropeços. Os dedos
teatrais interpretavam ser olhos."
Idem p. 31
"Acontece que o mundo é sempre grávido de imenso. E os
homens, moradores de infinitos, não têm olhos a medir.
Seus sonhos vão à frente de seus passos. Os homens
nasceram para desobedecer aos mapas e desinventar bússulas. Sua vontade é a de
desordenar paisagens."
“Cada
Homem é uma Raça”, p. 167
"Como podemos florir
ao peso de
tanta luz?"
Eugénio de Andrade, “Obra Completa “, Vol. I,, Círculo de Leitores, p. 100
"E
as mãos do homem não tem mais sentido que imitar
as
raízes debaixo da terra."
Idem p. 130
"A noite inteira nos olhos desmedidos."
Idem, p. 195
"São muitos anos dedicados ao ofício, a mão cega
procurando iluminar as funduras da alma, ou esforçando-se, com o tempo, a
esquecer o que foi aprendendo."
“A sombra da Memória”. p. 98
"A página é cegante, na sua lucidez"
Idem p. 38
"A
noite inteira nos olhos desmedidos."
Idem p. 195
"O
ASTRÓNOMO
À sombra de um templo
O meu amigo e eu
Vimos um cego
Sentado e solitário.
O meu amigo disse:
- Olha que esse
é o homem mais sábio da nossa terra.
Então, deixando o meu amigo,
Aproximei-me do cego,
Saudei-o e começamos a falar.
Pouco depois disse-lhe:
-Desculpa a pergunta,
mas há quanto tempo está cego?
Ele respondeu:
-Desde que nasci.
Perguntei então:
-
E que caminho de sabedoria escolheste?
- Sou astrónomo.
Em seguida levou a mão ao peito e acrescentou:
Em seguida levou a mão ao peito e acrescentou:
- Observo todos estes sóis, estas luas e estrelas."
Khalil Gibran
Khalil Gibran
“Se um olhar de novo brilho
ao meu olhar se enlaçasse…”
Alexandre O´Neil
“Vem serenidade, põe nos
olhos dos cegos a luz que lhes pertence!”
Raul de Carvalho
Recolha de textos de Jerónimo Nogueira
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