Alexander
Fleming descobriu mesmo a penicilina? A resposta é algo
complicada... Antes de Fleming já muitos outros haviam notado a
acção dos fungos sobre as bactérias, mas Fleming foi o primeiro a
pensar que isso poderia estar na base de um medicamento.
Fleming foi visionário, mas a resposta é ainda mais complicada pois este não conseguiu purificar a penicilina e acabou por desistir. Esse trabalho foi realizado cerca de dez anos depois por Ernst Chain com a colaboração de Howard Flory, tendo Fleming reaparecido a tempo de reclamar a sua ideia. Embora no imaginário popular quase só Fleming seja lembrado, o comité Nobel não esqueceu Chain e Flory e os três receberam o prémio Nobel em 1945.
Fleming foi visionário, mas a resposta é ainda mais complicada pois este não conseguiu purificar a penicilina e acabou por desistir. Esse trabalho foi realizado cerca de dez anos depois por Ernst Chain com a colaboração de Howard Flory, tendo Fleming reaparecido a tempo de reclamar a sua ideia. Embora no imaginário popular quase só Fleming seja lembrado, o comité Nobel não esqueceu Chain e Flory e os três receberam o prémio Nobel em 1945.
A
história da penicilina não estava, no entanto, concluída em 1941,
altura em que se fizeram os primeiros ensaios clínicos. Há pelo
menos duas pessoas cujo trabalho foi fundamental para o sucesso da
penicilina. Uma delas foi Norman
George Heatley que realizou
uma parte do trabalho técnico com
Chain e Flory e que
contribuiu também para o
desenvolvimentos dos primeiros processos para a obtenção de
penicilina em larga escala. A outra foi Margaret Hutchinson Rousseau,
uma das primeiras engenheiras químicas americanas, a qual desenvolveu o
processo industrial que permitiu que a penicilina estivesse
disponível em 1944 para tratar mais de quarenta mil soldados durante
a segunda guerra mundial.
No
dia da mulher poderá parecer normal que nos lembremos de Margaret Hutchinson
Rousseau, mas não caiamos em paternalismo. Margaret Margaret Rousseau não só não é o único cientista envolvido na descoberta da
penicilina que parece ter sido esquecida como vimos, como não deve ser lembrada apenas por ser uma
mulher pioneira da engenharia química. De facto, Margaret esteve envolvida em muitos outros projectos com grande impacto como o desenvolvimento de
combustíveis para aviões e merece ser recordada por isso.
Mas
a história da penicilina não fica por aqui. Cerca de 1944, uma
outra mulher, Dorothy Crowfoot
Hodgkin, identificou a estrutura molecular desta substância,
abrindo o caminho para a descoberta e desenvolvimento de derivados desta
molécula. Em 1964, pela identificação dessa estrutura e da de outras
moléculas de origem biológica, como a vitamina B12, Dorothy Hodkin
recebeu o prémio Nobel.
Dorothy
Hodgkin doutorou-se em Cambridge sob a orientação de John Desmond
Bernal e foi, tal como este, toda a vida uma pessoa de esquerda.
Margaret Thatcher, embora sendo de direita,
nunca deixou de admirar Dorothy, e mandou
colocar
o seu retrato em Downing
Street. Segundo referiu Jorge
Calado numa palestra, as famílias de Margaret e Dorothy, separadas
pelas maiores diferenças políticas,
eram vizinhas e mantinham boas
relações pessoais. É de
notar que, Dorothy só passou
a usar o nome do marido, Hodgkin,
em publicações a partir de 1949 depois de instigada por colegas para fazê-lo. O marido, Thomas Hodgkin, foi um
historiador de
esquerda e activista de temas africanos, que ocasionalmente teve também posições em universidades, mas nunca atingiu o nível académico e a projecção de Dorothy.
O
conhecimento da estrutura molecular das moléculas com actividade
biológica, assim como dos seus alvos terapêuticos, é actualmente
de grande importância para o desenvolvimento racional de novos
fármacos. Uma das pioneiras no desenvolvimento racional de fármacos
foi Gertrude Elion que ganhou o prémio Nobel em 1988. Pode parecer
incrível, mas Gestrude Elion está ligada ao desenvolvimento de pelo
menos sete medicamentos importantes para o tratamento de doenças
como a leucemia, meningite, septicemia, gota, malária e herpes (o
conhecido aciclovir) e ainda de imunossupressores.
Tudo
isto sem ter concluído o doutoramento, pois não lhe foi permitido
realizá-lo a tempo parcial. Mas, mais uma vez talvez seja
precipitado dizer que tal resultou de discriminação. Também
Russell Marker, por exemplo, o químico visionário que está na
origem da primeira síntese prática da progesterona, a qual abriu o
caminho ao desenvolvimento dos contraceptivos orais, nunca completou
o doutoramento porque não tinha tempo para perder tempo com ele.
Gertrude Elion e Russell Marker foram, no entanto, reconhecidos com
doutoramentos Honoris Causa e e história da química
medicinal não os esquece.
Actualmente as estruturas 3D das
proteínas são representadas com diagramas muito elegantes, que
realçam os enrolamentos alfa e as folhas beta destas
moléculas, designados ribbon diagrams (diagramas de fitas).
Esses diagramas foram desenvolvidos por Jane Shelby Richardson em
1980. Também Jane Richardson nunca realizou um doutoramento e por
isso foi-se mantendo em posições mais ou menos invisíveis,
acompanhando o marido. No entanto, recebeu prémios importantes e o
reconhecimento da comunidade científica. Foi eleita em 1991 para a
Academia das Ciências americana e em 2006 para o Instituto de Medicina, tendo acabado por obter uma posição
permanente como professora de bioquímica por mérito próprio. Jane mantém actualmente um grupo de investigação em conjunto com o seu marido, David Richardson.
Esbocei algumas histórias da
evolução da ciência envolvendo mulheres fortes e com percursos
invulgares ligados à química. Poderíamos associar a estas mulheres
algum tipo de discriminação: esquecimento pela história,
dificuldade para obter o doutoramento ou posição universitária,
pressão para o uso do nome do marido, subalternidade em relação a
este, ou outras. Não me parece, no entanto, que as suas histórias
sejam assim tão simples e caibam em construções estereotipadas.
Tratam-se de mulheres que ultrapassaram as convenções tanto
tradicionais como contemporâneas e que se afirmaram pela sua
diferença e génio. Lembrei-me de escrever hoje sobre elas por
razões óbvias, mas admiro-as sempre que as recordo.
(Fotografias da Wikipedia que foi consultada também acerca de datas e alguns dos factos referidos.)
1 comentário:
A brasileira médica sanitarista Zilda Arns colaborou digna a ética (em exercício) o mérito causa humana.
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