Se disser ao meu
amigo que o seu corpo está cheio de químicos o meu amigo acredita
ou acha que eu perdi a cabeça e lhe estou a chamar drogado?
O meu amigo acredita - e muito bem - que fumar faz mal à saúde, mas essa de ter o corpo cheio de químicos é difícil de engolir! Então os "químicos" não são coisas que fazem mal?
Pois pode o meu
amigo ter a certeza de que tem no seu corpo mais de oitenta
mil tipos
de compostos
(químicos)
naturais diferentes, dos quais para aí cinquenta mil são proteínas
(e isto é uma estimativa provavelmente por baixo!)
Para
além disso, a fazer fé, em alguns estudos, poderá ainda
acrescentar cerca de setecentos compostos exógenos,
naturais ou artificiais, provavelmente a maior parte inóquos. E, acredite, todos estes compostos são feitos com cerca de sessenta
tipos de átomos, na maioria hidrogénio, oxigénio, carbono e nitrogénio.
Estes números
referem-se, claro, aos tipos diferentes de elementos e compostos que
temos no nosso corpo, pois o número total de átomos e compostos é
astronómico. Em massa, uma pessoa de 70 quilogramas tem cerca de 43
de oxigénio, 16 de carbono, 7 de hidrogénio, 1.8 de nitrogénio, 1 de
cálcio e 0.8 de fósforo. No entanto em número de átomos temos
valores mesmo muito grandes, 1 600 000 000 000 000 000 000 000 000
(16 seguindo de 26 zeros) de átomos de oxigénio, 800 000 000 000
000 000 000 000 000 (8 seguido de 26 zeros) de átomos de carbono,
420 000 000 000 000 000 000 000 000 000 (42 seguido de 27 zeros) de
hidrogénio, e aí por diante. O número total de compostos é mais
difícil de estimar mas, considerando um peso molecular médido de 53
kDa por proteína e uma massa de 12 quilogramas destas no corpo
humano, obtém-se qualquer coisa como 1 300 000 000 000 000 000 000
000 (13 seguido de 22 zeros) moléculas de proteínas. Para a água,
considerando um valor de 49 quilogramas, obtém-se 1 600 000 000 000
000 000 000 000 000 (16 seguido de vinte seis zeros) de moléculas de
água. Outros compostos são ainda mais difícies de estimar, mas é
fácil de aceitar que serão muitas moléculas!
Olhemos agora para
as trocas com o exterior. Tipicamente, um ser humano ingere por dia
cerca de dois litros de água e um pouco menos de quilograma e meio
de alimentos (sem considerar a água). Essa dieta corresponde a
milhares de tipos diferentes de compostos, dos quais o mais abundante
é obviamente a água. A seguir, mas em muito menores quantidades,
teremos provavelmente o amido (presente no arroz e outros cereais e
legumes) e a sacarose (presente em muitos alimentos naturais, para
além da que se adiciona a outros). Falta fazer a conta dos outros
milhares!
No processo da
respiração, inspiramos diariamente cerca de dez mil litros de ar
que contém essencialmente nitrogénio e oxigénio, mas também árgon
e vapor de água, entre outros componentes minoritários. Expiramos
todo o azoto que entrou e mil e setecentos litros de oxigénio, dos
cerca de dois mil que tinhamos inspirado, e ainda cerca de quinhentos
litros de dióxido de carbono (perto de um quilograma deste composto)
e quinhentos litros de vapor de água (cerca de 300 mililitros). Uma
parte da água proveniente da respiração pode também escoar-se na
urina e respiração.
Produzimos cerca de
litro e meio de urina que tem, em geral, mais de três mil compostos
diferentes. Mesmo assim é um material bastante estéril que já foi
usado como desinfectante. Cerca de setenta destes compostos são provenientes
de bactérias que habitam o nosso corpo e cerca de dois mil estão
relacionados com a dieta, medicamentos, cosméticos e exposição
ambiental, sendo que mil e quatrocentos são produzindo pelo próprio
corpo.
Sobre as fezes é
melhor não dizer nada! Mas sobre o suor é mesmo necessário
dizer alguma coisa, pois suar é fundamental! Cerca de 22% do calor que temos de libertar para
não aquecermos demasiado é perdido através da transpiração.
Nesse processo perdemos, num dia calmo e ameno, cerca meio litro de
água por dia, assim como (também aqui) libertamos centenas de tipos
de compostos em diferentes quantidades que tornam o nosso odor único.
Se estiver calor, ou fizermos muito exercício iremos perder muito
mais água por transpiração e teremos por isso de beber mais água.
Para além do suor,
urina e fezes, o nosso corpo vai perdendo uma quantidade grande de
compostos de vários tipos em células mortas da pele, mucosas,
pêlos, cabelos e outros tecidos. Ao mesmo tempo, o nosso corpo vai
renovando e reconstruindo todas as células com milhares de compostos
diferentes. Tomemos o exemplo mais ou menos simples do cabelo que
cresce cerca de um centímetro por mês. Uma estimativa grosseira
aponta para a utilização de 100 000 000 000 aminoácidos por
segundo para fazer crescer um único cabelo. Numa pessoa típica com
cerca de 100 000 cabelos, isso dá cerca de 900 000 000 000 000 000
000 aminoácidos, que em termos de massa não é mais do que cerca de
0.2 g. Ou seja não é preciso mais do que dois décimos de grama de
proteínas por dia para fazer crescer o cabelo!
À nossa volta, no
ar e na água, circulam milhares de tipos diferentes de compostos que
provêm de árvores, flores, ervas, bactérias, fungos e animais. As plantas comunicam através de substâncias químicas (hormonas vegetais, por exemplo) e
fazem guerra química umas às outras, assim como aos predadores, usando insecticidas e herbicidas naturais entre outros compostos.
Por isso muitos destes compostos nos causam alergias ou são
venenosos. Como é sabido, actualmente, também circulam no ar e água
compostos de origem artificial, mas estes são uma pequena minoria,
cada vez mais controlada.
E sabemos cada vez
mais sobre estes milhares de compostos, tanto naturais como
artificiais, porque todos os dias melhoram as capacidades analíticas
da química, podendo actualmente chegar-se à determinação de
nanogramas (0, 000 000 001 g), ou valores inferiores, de muitos
compostos. As quantidades detectadas são de tal forma que conduzem a
resultados paradoxais muitas vezes mal interpretados. Por exemplo, um
estudo com notas americanas mostrou que a grande maioria tinha
resíduos de cocaína! Ou a análise de águas de rios indicou
quantidades de estrogénios que pareceram exageradas. “Químicos”
à solta nos nossos bolsos e ambiente? Calma! O primeiro caso parece
que è devido às máquinas de contar (uma única nota com cocaína
pode contaminar milhares de outras) e no segundo, afinal os
estrogénios mostraram ser essencialmente de origem natural e não
provenientes de contraceptivos como se supôs (pode ser preocupante,
mas a sua origem é natural). Um cisco ao microscópio pode parecer
assustador, mas não passa de um cisco. Existem milhões de
compostos, mas isso não torna o mundo mais assustador, pois a maior
parte destes, ou faz parte de seres vivos, ou é fundamental à nossa
vida, ou é inoqua.
Diga-me então
meu amigo se não concorda que ser feito de milhares de químicos
diferentes é uma coisa natural e boa e que, se estes não existissem, o
meu amigo não estaria aqui para se queixar da química sem pensar bem no que está a dizer?
[Embora a notação científica seja muito prática e de conhecimento comum, optei por apresentar os números com todos os seus zeros para realçar a sua dimensão. As estimativas
foram feitas (em parte) a partir de dados obtidos aqui, aqui e aqui (acedidos
30 de Março de 2015). Só para dar um exemplo: a estimativa do número
proteínas no corpo humano é de cerca de 50 000; como numa bactéria
E-coli existam 5 000 compostos orgânicos, dos quais 3 000 são
proteínas, a estimativa para um ser humano será de cerca 80 000 compostos
orgânicos diferentes.]
2 comentários:
Não meu caro, de falácia em falácia este artigo fala sobre a pobreza de vocabulário e a paranóia dos números. Depois da leitura fica o nada, talvez isso explica a teoria do caos, e ´que ideias há muitas, podem é não servir para nada.
Caro anónimo, não sei se refere a alguns dos lapsos que já corrigi, se ao conteúdo do texto. Na minha opinião o texto fala da humanidade da química e da química de ser humano. Não há aqui qualquer paranóia com os números, todos são aproximados, não há dois seres humanos iguais. O robô de Asimov que nunca tinha saído da estação espacial, convenceu-se de que os homem eram logicamente inferiores porque eram fracos, falíveis, e cheios de necessidades fisiológicas. E ninguém conseguia mudar a sandice da lógica límpida do robô. Uma sandice desumana é muito comum em ciência e noutras artes humanas, de resto. Tom Stoppard apanhou-a bem. Lembrei-me disso porque ele também acabe na "inútil" teoria do caos (traduzo livremente), "as pessoas falavam do fim da física. A relatividade e a quântica pareciam que iriam resolver todos os problemas entre elas. Mas apenas explicavam o muito grande e o muito pequeno. O universo e as partículas elementares. As coisas de dimensões vulgares que são a nossa vida, as coisas sobre as quais as pessoas escrevem poemas - as nuvens - os narcisos - as quedas de água - e o que acontece num copo de café quando se deita natas - [e o cérebro ou o corpo humano, acrescento eu] - essas coisas continuam cheias de mistério como o céu era misterioso para os gregos. Somos melhores a prever o que acontecerá nos confins de uma galáxia ou dentro de um núcleo que a prever se vai chover daqui a três semanas (...)". Trata-se obviamente de uma ilusão: sabemos e somos capazes de prever e explicar muito menos do que o que julgamos. Mas com o que sabemos e com o que já avançámos na química, por exemplo, podemos salvar e melhorar as vidas das pessoas. No entanto, muitas delas em vez de terem medo de um passado em que tinham fome, peste, cólera, febre tifóide, esgotos insalubres, alimentos estragados, contaminados e pobres, têm um medo irracional de "químicos" e saudades de um tempo em que eles existiam, mas nada se sabia sobre eles...
Enviar um comentário