segunda-feira, 23 de março de 2015

Plantas, mitos, fabulações e realidade

Informação recebida do Rómulo:

Na 3ª feira, 24 de Março de 2015, pelas 18h, realiza-se no RÓMULO – Centro Ciência Viva da Universidade de Coimbralocalizado no piso térreo do Departamento de Física da FCTUC, a palestra intitulada “Plantas, mitos, fabulações e realidade”, com o Professor Jorge Paiva. Esta palestra insere-se no ciclo “À Luz da Ciência”, dinamizado pelo Bioquímico António Piedade, que decorre de Fevereiro a Junho de 2015.
cartaz

SOBRE A PALESTRA:
"Quando se formou a nossa espécie, praticamente, a totalidade das outras espécies animais que hoje existem já habitavam o Globo Terrestre. Por isso, a espécie humana (Homo sapiens L.) aprendeu muito com a Natureza e com os outros animais. Assim, copiamos os outros animais na alimentação e, também, no uso de muitas das plantas medicinais que ainda hoje utilizamos. É disso exemplo uma planta que em S. Tomé é designada por “aliba-cassô”, que quer dizer planta do cão, pois é uma erva [Eleusine indica (L.) Gaertn.] que os cães “mastigam” quando têm desarranjos intestinais e, então, os santomenses, quando têm disenterias tratam-se com infusões dessa planta. Claro que também aprendemos com os outros animais a utilização das plantas tóxicas, como, por exemplo, a noz-vómica (Strychnos nux-vomica L.), cujas sementes contêm estricnina, sendo, por isso, que os símios não comem o fruto desta espécie de Srychnos, mas sim os frutos das espécies de Strychnos que não têm estricnina. É um “fenómeno” idêntico ao que acontece com os cogumelos.

Portanto, a nossa espécie utiliza plantas praticamente desde que apareceu na Terra. Aliás, os mais primitivos antepassados humanos eram herbívoros, depois colectores e caçadores e, após a domesticação de animais e plantas, agricultores e pastores.

Além das plantas comestíveis que sempre utilizámos, conhecem-se documentos sobre plantas medicinais há mais de cinco mil anos, como são os documentados sistemas médicos chineses e o “ayurvédico” indiano. Antes da fabricação dos medicamentos pela indústria farmacêutica, que não tem mais do que século e meio, as enfermidades eram tratadas directamente com “mesinhas” das plantas ou dos animais. Foi, por isso, que a 5 de Outubro de 1773 o Marquês de Pombal escreveu ao então Reitor da Universidade de Coimbra, rejeitando o grandioso plano para o Jardim Botânico de Coimbra, que este lhe enviara, dizendo: “Debaixo d’estas regulares medidas deve, V. Ex.ª fazer delinear outro plano, reduzido somente ao numero de hervas medicinais que são indispensáveis para os exercícios botânicos, e necessarias para se darem aos estudantes as instruções precisas para que não ignorem esta parte da medicina.....”

O tratado “De materia medica” (64 d.C.) de Pediamos Dioscórides (40-90 d.C), célebre físico (cirurgião) grego, considerada uma das obras mais antiga sobre plantas, onde se descrevem os atributos (cerca de 1000) de cerca de 600 espécies de plantas, foi o “guia” da “medicina” durante mais de 16 séculos, o que implicou um reduzidíssimo progresso da fitoterapia, pois além de traduções (algumas com erros graves que se repetiram durante séculos) para várias línguas, muitas publicações (mesmo actuais) sobre plantas medicinais limitaram-se a “parafrasear” a obra de Dioscórides. Aliás, a maioria dos nomes utilizados por Dioscórides tinham sido utilizados por Hipócrates de Cos (ca. 460-370 a.C.) no seu catálogo “De herbis” com mais de 230 nomes de plantas, mais tarde descritas por Crataevas (120-60 a.C.) em “Rhizotomicon”, assim como Theophrasto de Eresos (370-285 a.C.) no livro XVI da sua “Historia plantarum”.

Camões também conhecia não só as obras gregas, particularmente o tratado “De materia medica”, como também os “Coloquios dos simples, e drogas he cousas mediçinais da Índia…” (1563) de Garcia de Orta, por quem acalentava uma afectuosa amizade e admiração, resultante das relações pessoais que mantiveram na Índia, onde o poeta escreveu praticamente todo o seu poema épico, Os Lusíadas. Por isso, é n’Os Lusíadas que o poeta mais plantas menciona (cerca de cinco dezenas), na maioria asiáticas e aromáticas. Na lírica refere muito menos espécies de plantas (cerca de três dezenas), maioritariamente, europeias e ornamentais, pois a lírica foi, praticamente, escrita em Portugal e centrada no amor e paixão.
As plantas, pela sua relevância para a nossa espécie, também são referidas nas obras sagradas das religiões, com, por exemplo, no Corão e na Bíblia. Muitas dessas plantas referidas por poetas e nos textos sagrados, são difíceis de identificar com exactidão, assim, das cerca de 160 plantas citadas na Bíblia, apenas estão seguramente bem identificadas cerca de 100.

Portanto, os atributos medicinais e comestíveis das plantas são conhecidos, estão documentados e registados por escrito há muitos séculos. No Continente Americano, os índios sempre utilizaram plantas medicinais e muito desse conhecimento está bem documentado. Porém, sobre a prática medicinal popular africana (particularmente da África Tropical) há não só exígua documentação e registos escritos, como também muitíssimo menos estudos e análises científicas.

Por causa de muitos destes produtos poderem provocar intoxicações ou até alucinações, é que existe aquilo a que os ingleses designam por “folk medicine” (medicina folclórica), na qual o (a) curandeiro (a) as utiliza a seu belo prazer, provocando alucinações ou intoxicações que, depois, alterando o conteúdo da planta seca (sem que o enfermo dê por isso) e elaborando exorcismo ou rezas, faz “desaparecer” o mal (intoxicação ou alucinação propositadamente provocada). Assim muitos “curandeiros” sem escrúpulos podem causar, impunemente, em vez de curas, piores males ou, até, mortes.

Um exemplo de planta muito utilizada nestas práticas (pó das sementes que têm elevado teor de produtos atropínicos), particularmente para acabar com namoros “inconvenientes”, é a Datura stramonium L. (figueira-do-inferno, erva-do-diabo, erva-das-bruxas, erva-dos-mágicos, castanheiro-do-diabo), responsável, por vezes, pela morte de gado cavalar, quando a planta está, inadvertidamente, incluída no seio dos fardos de palha.

Em muitos países, onde não há medicina forense ou é de fraca eficiência, muito curandeiro (a) provoca propositadamente, a morte do “paciente”, frequentemente com o conluio de familiares ou inimigos da vítima. Um exemplo dessas plantas são algumas das espécies do género Erythrophleum, com elevado teor de um alcalóide (eritrofleína) altamente tóxico, utilizadas para esse feito em África.

Além de tudo isso, devido à enorme relevância das plantas na vida humana, existem muitos mitos, como, por exemplo, a figueira-sagrada (Ficus religiosa), à sombra da qual o Príncipe Sidarta Gautama (Buda) meditou durante 7 anos e fabulações como, por exemplo, a maçã que Eva deu a Adão e plantas carnívoras que devoram símios e humanos." 

Jorge Paiva

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