terça-feira, 24 de março de 2015

FCT VAI TER DE RESPONDER EM TRIBUNAL

Hoje o Público noticia que a FCT e provavelmente o próprio ministro da Ciência e Tecnologia vão ter de responder em Tribunal pelas atropelos à lei que cometeram no famigerado processo de "avaliação" da ciência. Lembro que há também um processo no Ministério Público que põe em causa todo o processo. A FCT ignorou a lei e os regulamentos, incluindo as determinações que ela própria fez,  e está num processo descontrolado de "fuga para a frente",  querendo rapidamente e pela força tornar definitivo um processo eivado de erros formais (para não falar já de erros científicos e más intenções). Não é apenas a lei que a FCT atropela, é também a gramática, como se pode ver pela resposta que a FCT deu aquele jornal: "A FCT não comenta processos de natureza jurídica, quer estejam a decorrer ou se perspectivem que venham a ser constituídos.” Como pode  gerir a ciência quem nem sequer sabe falar português?

Com a devida vénia, transcrevo artigo de Samuel Silva:

"A polémica relativa à avaliação das unidades de investigação pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), que se arrasta há meses no meio científico, vai agora transferir-se para os tribunais. Há pelo menos dois centros de investigação de universidades públicas que apresentaram impugnações judiciais do processo, invocando várias ilegalidades cometidas por aquele organismo público, como mudanças de regras com o processo em andamento e outros “erros grosseiros”, que os levam a pedir a anulação de todo a avaliação

 Estes dois processos judiciais contra a FCT foram apresentados no final do mês passado, movidos pelo Centro de Matemática (Cmat) da Universidade do Minho (UM), junto do Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Braga, e o Centro de Química da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), no TAF de Mirandela. Além da coincidência temporal, as duas queixas partilham o mesmo tipo de argumentos contra a avaliação feita para a FCT pela European Science Foundation (ESF), sendo postas em causa a legalidade de algumas das decisões.

 Nos dois processos conhecidos há três problemas que são apontados a esta avaliação. Entre esses, destaca-se a indicação que surgia no contrato assinado entre o organismo tutelado pelo Ministério da Educação e Ciência (MEC) e a ESF de que só 50% das unidades avaliadas iria passar à segunda fase da avaliação, o que só se soube cerca de três semanas depois do anúncio dos resultados da primeira fase (em que 144 centros acabaram por ficar pelo caminho e 178 é que passaram à segunda fase). Na acção do Cmat considera-se que essa leitura “resulta clara do contrato celebrado com a ESF” e que uma condicionante desse tipo nunca tinha sido publicitada pela FCT. “Deste modo, violou o princípio da transparência”, defende-se no mesmo documento.

Depois, é apontada uma mudança introduzida no processo de avaliação já com este em andamento. Na acção movida pelo centro de investigação da Universidade do Minho é considerado uma “grave ilegalidade” a alteração do número de avaliadores em cada painel. Argumenta o Cmat que, a 29 de Abril de 2014, numa “informação adicional”, a FCT passou a referir que a avaliação seria feita por três relatores, quando, no primeiro guia da avaliação, publicado a 31 de Julho de 2013, era anunciado que haveria cinco avaliadores por cada centro. Essa mudança “altera o procedimento avaliativo a meio do procedimento, em clara violação dos princípios da confiança e da transparência”, defende-se na acção que deu entrada no TAF de Braga.

 Já a lista dos painéis de peritos para a avaliação foi proposta pela FCT em 4 de Abril de 2014 – tendo a secretária de Estado da Ciência Leonor Parreira homologado as listas de especialistas quatro dias depois –, numa altura em já tinha terminado há meses o prazo para as unidades de investigação submeterem os seus processos de candidatura à avaliação. Esse desfasamento temporal com a nomeação dos peritos a ser feita numa data posterior às candidaturas também fere, de acordo com a acção entregue em tribunal pelo Cmat, os princípios da isenção e da imparcialidade e é mais uma causa para ser pedida a anulação do concurso. “Até à data, e completamente ultrapassado o prazo legal, continuamos sem qualquer resposta da FCT”, explica ainda ao PÚBLICO Ana Jacinta Soares, coordenadora do Cmat, que subscreve a acção judicial.

 Na primeira fase da avaliação, divulgada no final de Junho do ano passado, o Cmat foi avaliado como “Razoável”, pelo que não tinha direito a qualquer tipo de financiamento. A primeira reclamação da unidade de investigação da Universidade do Minho permitiu-lhe passar a “Bom”, mas isso não foi suficiente para o Cmat, que considera terem sido excluídos alguns dos seus argumentos “de forma injusta e ilegal”.

 No documento de instrução do processo são ainda recordados os vários passos do processo de avaliação das unidades de investigação, desde a abertura do concurso em Julho de 2013, bem como os principais defeitos de que se foram queixando publicamente vários laboratórios científicos ao longo dos últimos meses, como a inadequação dos painéis de avaliadores – segundo a acção judicial do Cmat, dos 11 elementos do Painel das Ciências Exactas, só três são efectivamente de matemática – ou o facto de não terem sido convenientemente considerados os indicadores bibliométricos.

 O principal motivo de contestação por parte do Centro de Química da UTAD são precisamente os critérios de avaliação da produtividade científica. Esta unidade teve nota 3 neste item, apesar de aparecer melhor classificada do que os centros que acabaram por ter nota 4 nos vários parâmetros analisados pelo estudo bibliométrico publicado pela FCT no início do processo de avaliação.

Esta unidade de investigação passou de uma classificação de Muito Bom, na anterior avaliação de 2007, para “Bom” no novo processo. Por isso, receberá um financiamento anual de 10 mil euros, que terão de ser divididos entre as 27 pessoas que o compõem.

 Também para este centro existiram “erros grosseiros” na avaliação dos centros de investigação que deviam determinar a sua anulação. “Tudo isto foi tão rocambolesco, que a FCT não tem outra solução a não ser começar de novo”, defende o director daquela unidade científica, Paulo Coelho.

 Estes são os únicos dois processos judiciais motivados pela avaliação das unidades de investigação de que o PÚBLICO teve conhecimento. A FCT não divulgou se existem outros. De resto, sobre esta matéria houve uma única reacção daquela entidade pública, através do seu gabinete de comunicação: “A FCT não comenta processos de natureza jurídica, quer estejam a decorrer ou se perspectivem que venham a ser constituídos.”

Samuel Silva Público

5 comentários:

Anónimo disse...

Que alegria. Impugnem tudo e destruam ainda mais a ciência em Portugal. A questão é: estes dois centros têm realmente algum valor? A questão não é se são bons e competitivos, é se são um bocadinho melhor que os mais fracos. Com estes "treinadores de bancada" a ciência em Portugal vai continuar a ser o que tem sido, dependente da política, pouco competitiva, e basicamente 0 a nível internacional. E sugestões para melhorar? Não há? Segundo o Carlos o melhor será mesmo por alguém que fale bem à frente da ciência em Portugal, já que em Portugal o que importa mesmo é saber vender o peixe, mesmo que este esteja estragado.

Anónimo disse...

A questão é que não é possível fazer ciência num país onde as regras não são cumpridas pela tutela. Há alturas para se ser pragmático e alturas para se seguir princípios. Estamos, na minha opinião, no segundo caso.

De qualquer forma, a sua intervenção não explica como é que uma avaliação incompetente e que não garante de forma nenhuma que os centros foram avaliados de forma correcta pode tornar a ciência mais competitiva. Diria que o que sucede numa situação dessas é, de facto, o contrário.

O que esta avaliação fez foi ampliar ruído de uma forma inaceitável, ampliação essa que é depois vendida como sendo uma determinação da "excelência".

Anónimo disse...

Você olhou para as listas finais? Não queira tornar casos pontuais em gerais. Diga-me pragmaticamente centros que considera "mal" classificados? Entendo o ponto de vista mas não acho que os critérios de avaliacão ditos como "errados" fossem determinantes para considerar qualquer um dos centros acima referidos como "de excelência" a nível internacional.

Anónimo disse...

Já que pergunta, olhei para as finais e para as intermédias. E fiz mais do que isso. Por exemplo, numa das áreas específicas (não os aglomerados idiotas de áreas com que a FCT nos presenteou) correspondente a um dos dois centros que entregou a acção em tribunal, posso dizer o seguinte:

1. há centros que tiveram melhores notas (ou iguais) dos dois referees externos (os que eram supostamente os verdadeiros peritos na área) na primeira fase do que o centro que foi classificado como excepcional nessa área - aliás, ninguém nessa área considera que o dito centro excepcional seja melhor que outros da mesma área, a começar por um número significativo dos membros do próprio centro;

2. desses centros com notas melhores u iguais, pelo menos um teve Bom e outro Muito Bom;

3. essas notas foram determinadas findamentalmente por um dos elementos do painel que não é da área (resultado da mistura idiota da FCT) mas que teve um papel preponderante nas classificações para que a quota de 50% fosse cumprida.

Resumidamente, a avaliação nessa área é totalmente incompetente. Não estou, portanto, a falar de um ou dois centros.

Mais geralmente, quando digo que a avaliação amplificou ruído, isso foi particularmente relevante numa região onde há mais centros com pequenas diferenças. Começou por colocar uma quantidade não negligenciável de unidades fora da segunda fase, quando estão a níveis semelhantes de outros que passaram.

Isto tudo já seria mau. Mas, para além disso, foi feito com recurso a métodos primários em que as regras foram sistematicamente violadas, alguns dos avaliadores não eram da área que estavam a avaliar, etc

Anónimo disse...

Já que menciona isso, se de facto olhar para essas listas, vê uma série de coisas interessantes. Uma delas é que o centro que teve o maior valor de financiamento per capita é um centro de humanidades com mais de 30 000 euros por membro por ano. Não tenho, obviamente, nada contra a área desse centro, mas quando o centro que teve o segundo mais alto financiamento per capita ficou-se por 2/3 desse valor e há centros noutras áreas que têm menos de 150 euros por investigador (por terem sido vítimas da quota de 50%, sem que sejam de facto piores que outros que passaram à segunda fase), não me parece que isso contribua de que forma seja para melhorar a investigação neste país.

Junte a isso o facto de esse centro (o que tem o maior valor per capita), contrariamente ao que a imprensa escreveu, não ser "desconhecido" mas siim dirigido por um investigador que foi até recentemente o coordenador do painel da ESF para as ciências sociais (sim, CS e não Human.) e que foi agora avaliado precisamente por uma pessoa que esteve no painel na mesma altura e tudo isto se torna surrealista.

É por tudo isto (e muito mais) que este é um tempo para princípios e não para falsos pragmatismos. Se a avaliação cair e o presidente da FCT for responsabilizado não só pela avaliação desastrosa como por ter mentido descaradamente, talvez não tenhamos de aturar outros aventureiros incompetentes e autistas dirigidos por eminências pardas nos tempos mais próximos.

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