Novo texto de Galopim de Carvalho:
Enquanto aluno na universidade aprendi que as rochas magmáticas ou ígneas se podem arrumar sistematicamente em ácidas, intermédias ou neutras e básicas, mas ninguém me explicou o porquê dessa adjectivação. Aprendi-o ao estudar para poder ensinar e escrevi-o no livro que publiquei em 2002, Introdução ao Estudo do Magmatismo e das Rochas Magmáticas (Âncora Editora). A explicação é simples e podemos encontrá-la na história da química. Na impossibilidade de a facultar à grande maioria dos professores que ensinam geologia nas nossas escolas, seria interessante que (beneficiando da capacidade de divulgação por via electrónica de que hoje dispomos) os que tiverem oportunidade de ler estas curtas e despretensiosas linhas, as reencaminhassem aos seus colegas.
A descoberta do oxigénio e o seu reconhecimento como o elemento mais abundante da crosta terrestre, anunciados em 1774, pelo clérigo inglês Joseph Priestley (1733-1804), associada à evolução da química analítica, na sequência dos trabalhos do francês Antoine Lavoisier (1743-1794) e dos suecos Carl Wilhelm Scheele (1741-1786) e Torbern Bergman (1749-1817) e outros notáveis químicos da época, conduziram a que a composição química das rochas (com destaque para as magmáticas ou ígneas) passasse a ser expressa em óxidos. Tais análises forneciam as percentagens ponderais de ”terra siliciosa” (sílica, SiO_2), “terra argilosa” (alumina, Al_2O_3), “ocres” (óxidos de ferro, FeO e Fe_2O_3), “cal” (CaO), “soda” ou “alcali fixo mineral” (Na2O), “potassa” ou “alcali fixo vegetal” (K2O), “magnésia” (MgO), “titânia” (TiO_2), óxido de manganês (MnO), “anidrido fosfórico” (P2O5), água (H2O), “ar ácido” ou “ácido aéreo” (CO_2). Este modo de caracterizar a composição química das rochas, a par da microscopia, foi decisivo, no avanço da petrologia e, consequentemente, da geologia. Desde logo se constatou que o teor em sílica era um bom parâmetro na organização sistemática das rochas ígneas.
Com base nesta valiosa contribuição da química, o francês Jean-Baptiste Élie de Beaumont (1798-1874), professor de Geologia na École des Mines de Paris, cuja obra teve larga difusão e aceitação entre ingleses e alemães, foi sensível à variação do teor de sílica nas rochas magmáticas, critério que utilizou na classificação que então propôs:
- “rochas ácidas” com mais de 65% de sílica;
- “rochas neutras” ou “intermédias”, com 65 a 52% de sílica;
- e
“rochas básicas”, com 52 a 49% de sílica.
A qualificação de uma rocha como ácida resultou de convicção, ao tempo, de que a sílica (SiO2) era um “óxido acídico”, à semelhança do dióxido de carbono (CO2) que, juntamente com a água, formaria uma série de ácidos e em que os silicatos (feldspatos, anfíbolas, piroxenas, olivinas, entre outros) eram aceites como os sais. Nestes imaginados sais, o sódio, o potássio, o cálcio, o magnésio e outros formavam as bases e, daí, a expressão rocha básica. O excesso de sílica evidenciado pela presença de quartzo, significava excesso do “princípio acídico”, conceito que vinha do século XVIII, na sequência do trabalho de Torbern Bergman e de outros químicos do seu tempo, em que se falava de “ácido quartzoso” imaginado com base na sílica. Não obstante a incorrecção desta ideia, as adjectivações ácida, básica e neutra ou intermédia mantiveram-se até os dias de hoje.
Galopim de Carvalho
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