José Cunha Rodrigues, ex-Procurador-Geral da República e ex-Juiz do Tribunal de Justiça da União Europeia, foi entrevistado, a vinte deste mês, por António José Teixeira no programa A Propósito da SIC.
Nessa entrevista, num determinado momento, para explicar melhor o "pensamento societal" que tomou conta do pensamento colectivo, contou um episódio singelo de que tinha tido conhecimento: uma professora pediu aos seus meninos para dizerem o que, no seu entender, justifica a crise de que toda a gente fala.
Um dos meninos respondeu: "porque os velhos não querem morrer".
O menino, na sua inocência, deu tal resposta como poderia ter dado outra resposta qualquer que pairasse no ar, mas, insinuando-se esta de modo forte, ele não podia deixar de a apreender; depurou-a dos artifícios de que os adultos se socorrem para ficarem sempre bem vistos e verbalizou-a, certamente, num sorriso.
Dizem os psicólogos sociais que uma boa forma de aferir estereótipos é inquirir crianças porque, sem terem aprimorado a filtragem da desejabilidade social, captam-nos e reproduzem-nos na sua forma mais genuína.
Devem, por isso, as suas respostas fazer-nos pensar naquilo que, como adultos, pensamos.
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6 comentários:
Muitas vezes ouvi, lá pela minha terra e aos meus antigos, que da boca dos inocentes é que saem as verdades.
E que verdades!?
Em minha opinião, são (também ou principalmente) aquelas verdades que nos deviam fazer "morrer" de vergonha, mas, acerca das quais, não noto nada.
Falha de percepção minha?
E fico a pensar: por que será?
E evito pensar: com que consequências?
Tem razão, José Batista, uma "verdade" destas, dita por uma criança, deveria fazer corar de vergonha a sociedade que tem nas mão a sua educação. Fez, ao menos, alguém, com responsabilidade e peso social, trazê-la para o debate público, como um alerta, como um sinal do caminho que estamos a seguir.
Cordialmente,
MHD
Sem dúvida:
Dizem os psicólogos sociais que uma boa forma de aferir estereótipos é inquirir crianças porque, sem terem aprimorado a filtragem da desejabilidade social, captam-nos e reproduzem-nos na sua forma mais genuína.
Devem, por isso, as suas respostas fazer-nos pensar naquilo que, como adultos, pensamos.
Estamos a ter as crianças que educámos e e estamos a educar.......e não vale fazer de conta que é com os outros.........falhámos???? continuamos a falar???? e não nos emendamos?????
Só os outros??????????????
( Claro que isto é uma amostra......outra criança poderia inocentemente diferente responder) (pais, filhos, avós....)
tempos!!!!!
As crianças são, muitas vezes, o barómetro dos adultos que existem e do mundo que as rodeia. Nem sempre com as melhores consequências. Veja-se o que aconteceu no filme dinamarquês, "A caça".
Somos nós que damos pão a este desamor pelos nossos velhos. Que são tão nossos como são nossas as nossas crianças. E deveriam ter lugar na família. Mas o modo de vida moderno criou desumanidade. Coloca as crianças em creches ou similares; colégios que funcionam como outrora o trabalho: de sol a sol. E, como então, escravizam, alienam. E ainda assim, há pais que se esquecem de ir buscar os filhos. Com modelos destes, falta oportunidade ao amor familiar para se constituir e crescer. Que só nos desenhos animados se cresce em pulos repentinos. Nesta sociedade de tudo feito, aquilo que tem de se ir fazendo e depende de construção interpessoal, des-existe, des interessa. Talvez por se fazer no e com o tempo. Gostar de alguém, dói. Dói no positivo do gosto. E no seu negativo. E não queremos sofrer. Por isso, procuramos o prazer, mas não somos capazes de ser prazenteiros. Ficamos no hedonismo.
Mas tanto muda em cada criança que tem o amor dos avós!...quem assim fala dos velhos, "que não querem morrer", não aprendeu a gostar dos que lhe são família. Como pode doer-se dos outros?!
Porém, acredito que exista a espécie de crianças que estima os velhos. E muitas famílias onde a idade é um posto. Com bênção. Sinal de adultos capazes.
Num livro de leitura antigo - creio que do 1º ou 2º anos do ciclo preparatório - li, em miúdo, um conto que era mais ou menos assim: andando um rei a caçar, perdeu-se da comitiva e acabou por ter que pedir abrigo a um pobre lenhador. Já não me lembro porquê, perguntou-lhe quanto ganhava, e o lenhador respondeu que recebia, por dia, nove moedas. O rei achava impossível viver com tão pouco, mas o lenhador explicou: «Três moedas são para pagar uma dívida, três são para emprestar, e com as restantes três vivemos eu e a minha mulher.» Perante o espanto do rei, esclareceu-o o lenhador: «Três moedas são para sustentar os meus velhos pais que já não podem trabalhar, como eles me sustentaram a mim em garoto - estou a pagar uma dívida. Outras três são para dar de comer e vestir a meus filhos que são ainda crianças e que hão-de cuidar de mim e da mãe quando já formos velhos - é um empréstimo. O que resta é para mim e para a minha mulher.»
Esta é a forma correcta de funcionamento de uma sociedade. Como nos transformámos em monstros que querem que os velhos morram é uma coisa estranha. Apraz-me concluir com a certeza de ter educado duas filhas que nunca dirão, acusadoras, que os avós «não querem morrer».
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