No passado mês de Março, o Jornal de Leiria pediu-me colaboração para um trabalho sobre a relação entre o desempenho académico e profissional.
JL: Será possível que pessoas que não tenham sido alunos brilhantes se tornaram excelentes profissionais?
R: Sim, encontramos facilmente exemplos de pessoas que não tendo sido alunos brilhantes ou nem sequer tendo frequentado a
escola tornaram-se profissionais excelentes, mas também encontramos exemplos contrários. Podemos sempre invocar uma grande variedade de exemplo para "provar" o nosso ponto de vista sobre a relação entre o desempenho escolar e a profissional. Em rigor não há uma relação directa entre escolaridade e competência profissional.
E isto porque as competências que a escola, no seu sentido mais geral,
proporciona não são necessariamente aquelas que o mercado de trabalho, no
seu sentido mais geral, exige.
Nem tem de ser. Estes dois mundo, mais uma vez no sentido mais geral, devem
manter alguma independência, ainda que possam (e devam) existir alguns
pontos de contacto.
Excepção para as escolas profissionais ou com uma forte vocação
profissional. A relação de tais escolas com o mercado de trabalho é ou deve ser
necessariamente estreita. Neste particular, possivelmente encontramos uma
relação mais próxima entre bom aluno e bom profissional (isto se
conseguirmos definir e medir o que é "bom aluno" e "bom profissional"). Mas, atenção, pelo facto de não podermos estabelecer uma relação directa e linear entre ambos, podemos ser levados a pensar que para obtermos bons profissionais não precisamos de
assegurar uma boa escolaridade. Não é assim. Ainda que a
escolaridade tenha falhas e possa ser questionada, é preferível temos mais
escolaridade do que menos escolaridade e, claro, pugnarmos pela sua
qualidade.
JL: O "saber
livresco" opõe-se ao "saber do mundo real"?
R: Não existe qualquer oposição nem desvalorização do primeiro em favor do segundo.
O saber que é veiculado em muitos livros (não em todos, infelizmente) é
simplesmente precioso. Foi nos livros que, como humanidade, guardámos o
saber e continuamos a guardá-lo, mesmo como outros suportes. Os livros digitais mantêm a designação.
Foi o saber dos livros que nos permitiu chegar ao patamar civilizacional em
que nos encontramos e é neles que continuamos a confiar. A escola precisa de livros para ensinar e aprender e os livros
precisam da escola para continuarem a ser lidos e escritos.
Isto não significa que os livros contenham todo o saber. Num entendimento distorcido da pergunta, podemos ser levados a pensar que os livros por não traduzirem exactamente o mundo real
(nem todos o traduzem, efectivamente), devem ser desvalorizados e que o
saber do mundo real (seja isso o que for) devem ser entronizado. Lembro que
este discurso, com grande acolhimento nas democracias ocidentais, tem sido apanágio de vários totalitarismos, justificando
a destruição, a queima de milhares de livros.
JL: O que é um bom aluno, o que tira nota 19 porque decora toda a
matéria ou aquele que consegue responder além disso?
R: Um aluno
pode tirar 19 por diversas razões, porque decorou (atenção que decorar é
importante), porque compreendeu (que é igualmente importante) porque
trabalhou muito e bem, porque respondeu além do que estava previsto, porque
copiou... À partida um 19 não diz muito de um aluno. Um aluno pode responder
além da "matéria" e errar...
JL: Para o mercado de trabalho, o que interessará ao empregador:
um colaborador com um currículo invejável ou alguém que responda de improviso e não apenas de forma automatizada, como “decorou na
escola”?
R: Parte-se do princípio que a escola apenas leva o aluno a decorar e a responder de forma automatizada. Por muitos problemas que a escola tenha, e
tem muitos, não se restringe a tal, ainda que tal também seja importante... Incidindo mais directamente na pergunta eu diria que depende do
empregador e da função profissional em causa. Se estivermos a falar de uma
empresa de aviação, duvido que se contrate alguém para pilotar um avião,
que além de conhecimentos profundos e automatismos seguros, não possua
competências de decisão em situações imprevistas... Se estivermos a falar de
uma fábrica, para empilhar embalagens segundo uma ordem previamente
definida, talvez se opte por contratar alguém capaz de manter automatismos
por períodos longos de tempo, esperando-se que não improvise formas de
empilhamento.
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3 comentários:
A escola actual é uma seca. Modelo caducado e estéril onde somos formatados para não pensar e dizermos ámen. Existem modelos de escola muito mais interessantes noutros países a leste. No ocidente ou muito me engano ou a criatividade sensata parece ter desaparecido.
Gostei a segunda pergunta.
Será possível que pessoas que não tenham sido alunos brilhantes se tornem excelentes profissionais?
Não só é possível como é bastante comum. Pense-se, a título de exemplo, na quantidade de ladrões e corruptos que há em certos países e que são "profissionais" de sucesso, sempre de "consciência tranquila", levando uma vida faustosa, em sucessivas gerações, de modo (escandalosamente) impune. As escolas que conheço, funcionando com mais ou menos dificuldades, melhor ou pior, não podem modificar muito, nem competir, com a aprendizagem "extra-escolar", as lições da "vida" e os "exemplos" de quem pode e manda.
Como a realidade (de)mo(n)stra.
Mas, sem escola, a realidade seria bem mais negra ainda.
PS: Felizmente, não é este o caso de Portugal. Não senhor. Quem tiver dúvidas pode indagar junto de instituições nacionais e/ou estrangeiras, de credibilidade intocável.
E se há portugueses que se queixam é porque são... piegas ou assim.
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