domingo, 28 de abril de 2013

... porque os velhos não querem morrer.

José Cunha Rodrigues, ex-Procurador-Geral da República e ex-Juiz do Tribunal de Justiça da União Europeia, foi entrevistado, a vinte deste mês, por António José Teixeira no programa A Propósito da SIC.

Nessa entrevista, num determinado momento, para explicar melhor o "pensamento societal" que tomou conta do pensamento colectivo, contou um episódio singelo de que tinha tido conhecimento: uma professora pediu aos seus meninos para dizerem o que, no seu entender, justifica a crise de que toda a gente fala.

Um dos meninos respondeu: "porque os velhos não querem morrer".

O menino, na sua inocência, deu tal resposta como poderia ter dado outra resposta qualquer que pairasse no ar, mas, insinuando-se esta de modo forte, ele não podia deixar de a apreender; depurou-a dos artifícios de que os adultos se socorrem para ficarem sempre bem vistos e verbalizou-a, certamente, num sorriso.

Dizem os psicólogos sociais que uma boa forma de aferir estereótipos é inquirir crianças porque, sem terem aprimorado a filtragem da desejabilidade social, captam-nos e reproduzem-nos na sua forma mais genuína.

Devem, por isso, as suas respostas fazer-nos pensar naquilo que, como adultos, pensamos.

6 comentários:

José Batista disse...

Muitas vezes ouvi, lá pela minha terra e aos meus antigos, que da boca dos inocentes é que saem as verdades.
E que verdades!?
Em minha opinião, são (também ou principalmente) aquelas verdades que nos deviam fazer "morrer" de vergonha, mas, acerca das quais, não noto nada.
Falha de percepção minha?

E fico a pensar: por que será?
E evito pensar: com que consequências?

Helena Damião disse...

Tem razão, José Batista, uma "verdade" destas, dita por uma criança, deveria fazer corar de vergonha a sociedade que tem nas mão a sua educação. Fez, ao menos, alguém, com responsabilidade e peso social, trazê-la para o debate público, como um alerta, como um sinal do caminho que estamos a seguir.
Cordialmente,
MHD

augusto kuettner de magalhaes disse...

Sem dúvida:

Dizem os psicólogos sociais que uma boa forma de aferir estereótipos é inquirir crianças porque, sem terem aprimorado a filtragem da desejabilidade social, captam-nos e reproduzem-nos na sua forma mais genuína.

Devem, por isso, as suas respostas fazer-nos pensar naquilo que, como adultos, pensamos.

augusto kuettner de magalhaes disse...

Estamos a ter as crianças que educámos e e estamos a educar.......e não vale fazer de conta que é com os outros.........falhámos???? continuamos a falar???? e não nos emendamos?????

Só os outros??????????????


( Claro que isto é uma amostra......outra criança poderia inocentemente diferente responder) (pais, filhos, avós....)

tempos!!!!!

perhaps disse...

As crianças são, muitas vezes, o barómetro dos adultos que existem e do mundo que as rodeia. Nem sempre com as melhores consequências. Veja-se o que aconteceu no filme dinamarquês, "A caça".

Somos nós que damos pão a este desamor pelos nossos velhos. Que são tão nossos como são nossas as nossas crianças. E deveriam ter lugar na família. Mas o modo de vida moderno criou desumanidade. Coloca as crianças em creches ou similares; colégios que funcionam como outrora o trabalho: de sol a sol. E, como então, escravizam, alienam. E ainda assim, há pais que se esquecem de ir buscar os filhos. Com modelos destes, falta oportunidade ao amor familiar para se constituir e crescer. Que só nos desenhos animados se cresce em pulos repentinos. Nesta sociedade de tudo feito, aquilo que tem de se ir fazendo e depende de construção interpessoal, des-existe, des interessa. Talvez por se fazer no e com o tempo. Gostar de alguém, dói. Dói no positivo do gosto. E no seu negativo. E não queremos sofrer. Por isso, procuramos o prazer, mas não somos capazes de ser prazenteiros. Ficamos no hedonismo.

Mas tanto muda em cada criança que tem o amor dos avós!...quem assim fala dos velhos, "que não querem morrer", não aprendeu a gostar dos que lhe são família. Como pode doer-se dos outros?!

Porém, acredito que exista a espécie de crianças que estima os velhos. E muitas famílias onde a idade é um posto. Com bênção. Sinal de adultos capazes.

Unknown disse...

Num livro de leitura antigo - creio que do 1º ou 2º anos do ciclo preparatório - li, em miúdo, um conto que era mais ou menos assim: andando um rei a caçar, perdeu-se da comitiva e acabou por ter que pedir abrigo a um pobre lenhador. Já não me lembro porquê, perguntou-lhe quanto ganhava, e o lenhador respondeu que recebia, por dia, nove moedas. O rei achava impossível viver com tão pouco, mas o lenhador explicou: «Três moedas são para pagar uma dívida, três são para emprestar, e com as restantes três vivemos eu e a minha mulher.» Perante o espanto do rei, esclareceu-o o lenhador: «Três moedas são para sustentar os meus velhos pais que já não podem trabalhar, como eles me sustentaram a mim em garoto - estou a pagar uma dívida. Outras três são para dar de comer e vestir a meus filhos que são ainda crianças e que hão-de cuidar de mim e da mãe quando já formos velhos - é um empréstimo. O que resta é para mim e para a minha mulher.»
Esta é a forma correcta de funcionamento de uma sociedade. Como nos transformámos em monstros que querem que os velhos morram é uma coisa estranha. Apraz-me concluir com a certeza de ter educado duas filhas que nunca dirão, acusadoras, que os avós «não querem morrer».

UM TIPO DE CENSURA DE LIVROS AINDA SEM DESIGNAÇÃO

Não sabemos ao certo, mas podemos colocar a hipótese, muito plausível, de a censura da expressão humana, nas suas mais diversas concretizaçõ...