quarta-feira, 17 de abril de 2013

“COM NOVAS ÍRIS TE UNIVERSO”

Crónica publicada na revista Papel


A íris é uma estrutura circular e fina que existe nos olhos, e que lhes dá a cor que nos maravilha. É responsável pelo controlo do diâmetro e tamanho da pupila, no seu centro, e logo pela quantidade de luz que se adentra no olho e atinge a retina. O seu nome deriva da divindade grega para o arco-íris, exactamente devido às suas inúmeras cores. Estas cores resultam da refracção da luz solar por miríades de gotas de água (ou de um prisma, entre outros exemplos), separando-a nas suas componentes, na região do espectro visível.

Esta gama de frequências, ou comprimentos de onda, a que os nossos olhos são sensíveis, é um pequeno intervalo no espectro de toda a radiação electromagnética de que temos conhecimento existir no Universo.

Irradiada por estrelas e, outros corpos e eventos cósmicos, de forma característica ao longo do tempo, a radiação electromagnética inunda o espaço, pelo menos desde 380 mil anos após o “Big Bang” que originou o nosso Universo.

Como é que sabemos disto? Entre outros dados, através da radiação cósmica de fundo captada através de outras íris, estas radioteslescópicas, que fomos tecnologicamente construindo e colocando em altas montanhas (onde o ar é mais rarefeito e seco, e longe da poluição luminosa dos grandes centros urbanos), ou em telescópios espaciais colocados em órbitas determinadas (onde não há ar, nem muitas poeiras).

Existem várias “íris telescópicas” a olhar o céu por nós, humildes míopes cósmicos. As ciências astronómicas e astrofísicas usufruem hoje de satélites que, com instrumentação precisa e apropriadamente muito sensível, perscrutam zonas específicas de quase todo o espectro electromagnético.

Recentemente, e como exemplo de actualidade, o telescópio Planck registou, por todo o espaço em seu redor e durante 15 meses, o registo fóssil dos primeiros fotões (partículas de luz) que surgiram no nosso Universo, depois de uma viagem de mais de 13 mil milhões de anos até chegarem até nós. Esses fotões chegam-nos em radiação electromagnética com a frequência das micro-ondas e correspondem ao que se designa por radiação cósmica de fundo. Através dos dados obtidos pelo telescópio satélite Planck conseguimos “ver” a primeira luz que irradiou despois do “Big Bang”.

Outros telescópios incorporados em satélites “veem” o Universo em outras frequências. Alguns exemplos são: o Herschel no infra-vermelho longínquo; o JWST no infra-vermelho; o Telescópio Espacial Hubble no vísivel; o Gaia no infra-vermelho próximo, visível e ultravioleta; o XMM-Newton no raios-x; o Integral nos raios gama; entre tantos outros da ESA, da NASA e de outras agências espaciais.

Cada uma destas “íris telescópicas” têm missões científicas precisas e têm contribuído decisivamente para a concepção que temos do Universo, desde as galáxias mais distantes aos buracos negros no centro da nossa galáxia, desde as espantosas nebulosas remanescentes de explosões de supernovas, aos pulsares das estrelas de neutrões, autênticos faróis na noite cósmica.

Outras íris avançam em direcção às estrelas: as sondas Voyager e Pioneer que são os objectos humanos actualmente mais longe da Terra (a Voyager 1 encontra-se na fronteira mais distante conhecida do nosso Sistema Solar, a mais de 120 vezes a distância da Terra ao Sol).

Há mais de 400 anos, mais precisamente no mês de março do ano de 1610, Galileu Galilei deu início à observação instrumental do espaço através da sua luneta composta por duas lentes que aumentavam em 30 vezes o tamanho aparente de um objecto. Sentado no seu atelier cósmico em Veneza, os músculos de uma das suas íris contraíram-se para aumentar a pupila e deixar entrar todo espanto que então iluminou o novo conhecimento das crateras da nossa Lua, a descoberta de quatro Luas a orbitarem Júpiter, entre tanto outro espaço. Tinha dado início a ciência instrumental moderna, o que comunicou ao mundo através do livro Sidereus Nuncius ou “O Mensageiro das Estrelas” (publicado entre nós pela Fundação Calouste Gulbenkian).

Ao longo dos últimos quatro séculos fizemos uma viagem cósmica de mais de 13 mil milhões de anos, descodificando os sinais transportados em ondas electromagnéticas por fotões, quais peregrinos cósmicos, finalmente captados pelas “íris tecnológicas” que construímos. Uma das maiores é o recentemente inaugurado radioteslescópico ALMA, do Observatório Eusopeu do Sul, instalado no planalto desértico de Atacama, em Chile.


Abrem-se assim novas pupilas em “íris tecnológicas” que, apesar de não impressionarem a retina dos nossos olhos, espantam os nossos caminhos neuronais. Com o cérebro na posse do conhecimento e da tecnologia actuais, expande-se o nosso conhecimento do passado, e espreitamos o horizonte futuro de um novo cosmos invisível à nudez dos nossos olhos.

Hoje, podemos pintar o céu com um arco-íris que começa na radiação gama e acaba nas ondas dos nossos rádios!

António Piedade

Nota: O título é o primeiro verso de poema inédito de António Piedade

6 comentários:

José Batista disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
José Batista disse...
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António Piedade disse...

Estimado José Batista. Tem razão. Já corrigi a distracção. Obrigado pela chamada de atenção e também pelas palavras generosas.

Cláudia da Silva Tomazi disse...

A cada dia, compreendemos que a imparcialidade é o gesto mais próximo, promissor (nobre) em objetivos. A par de inovar e ante consolidar deste natural desafio, escrever. Eis que a humanidade revela-se, elaborada em planos que o ser humano desconhece. E o feito da humanidade, pois elaborar é elaborar-se. Aqui, neste patamar seria orientar fazer de arestas, palavras, em belas palavras a ciência. As quais do suave carinho apreciam, outras e outras, palavras. Descrever-nos de quando próprias, originais ou inspiradas e até, inesperadas a exemplo da crônica acima. Eis, descresve-nos e eleva-nos, de quando eleva a comunidade científica, eleva a humanidade. E, que muitos modestamente consideram compreender-se neste sentido, desta ousadia. Eminente de respostas no céu que permeiam olhares e lentes, que buscam e rebuscam, através de conceito por definir o facto de impulsionarem novas experiências aos laboratórios fora de seu país ou, fora de seu aconchegante posto. Estes heróis professores(as) aventuram-se em pesquisas, dispondo superar, superando-se em busca do conhecimento!

Eis, que reconhecem a outrem, reconhecendo-se, de quando ciência.

José Batista disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
José Batista disse...

E nós, pela generosa mão com que escrevem, podemos ver melhor e mais longe.
E o mais belo.

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