Lá vai João Brandão a
tocar o violão, casaco à moda na mão, e então e então...
Canção da minha infância que mais tarde vim a
conhecer a quatro vozes, na versão do maestro Lopes Graça, no coro do Orfeão
Universitário do Porto, e que remota a uma época da nossa história de grande
analfabetismo.
Os documentos de carácter administrativo e
jurídico que envolviam autores, procuradores e testemunhas, como assentos
paroquiais ou notariais, eram, no passado, como hoje, validados com assinaturas.
Quando as pessoas não sabiam escrever, e nem sequer desenhar as letras do seu
nome, assinavam de cruz. A cruz, perpendicular (+) ou inclinada (X) era por
vezes um pouco mais elaborada, incluindo uns tracinhos à moda da Cruz de Cristo
das caravelas, um círculo em volta, ou ainda terminando em losango. Não admira
que fosse uma cruz o sinal escolhido para garantir a verdade do que se
afirmava, assim como se jurava a mesma sobre os Evangelhos, num país onde o
cristianismo moldava as consciências e influenciava a organização social.
Mas não há regra sem excepção e fui descobrir o
senhor Manoel Brandão2 que viveu em Ruivães (11.05.1660 -
9.01.1740), no concelho de Vila Nova de Famalicão, que, além de saber escrever
o seu nome, desenhava um passaroco ao lado da sua assinatura. A primeira vez
que nos deparamos com tal grafia ornitológica ainda poderemos pensar tratar-se
da criação de alguma criança, que tivesse apanhado o livro aberto na sacristia
e o tivesse rabiscado. No entanto, o padrão repete-se de cada vez que Manoel
Brandão foi testemunha de algum matrimónio nesta freguesia.
Fica-nos a dúvida... Teria este senhor vocação
para ornitologista ou seria antes um grande devoto do Espírito Santo?
O abade Bento Lopes de Carvalho, na resposta ao
inquérito nacional lançado por Marquês de Pombal (Memórias Paroquiais de 1758)4,
informava, a 22 de Maio de 1758, que o orago da freguesia de Ruivães era o
Divino Salvador e que os altares colaterais eram da Nossa Senhora do Rosário e
de S. Sebastião. Existiam três Ermidas na freguesia: S. Pedro, Senhora do
Calvário e Santo António. Não parece portanto ter havido lugar a uma devoção
particular ao Espírito Santo ou à Santíssima Trindade.
Ana Luisa Alves, 24 Março 2013
1- Family Search Org: Registos da Igreja Católica\Braga\V.
N. Famalicão\Landim\Santa Maria\Mistos 1755-1784\imagem 105
3- Family Search Org: Registos da Igreja Católica\Braga\V.
N. Famalicão\Ruivães\S. Salvador\Mistos 1652-1765\imagem 287
4- cf. CAPELA, José Viriato - As freguesias do distrito de Braga nas memórias paroquiais de 1758: a
construção do imaginário minhoto. [Braga]:[s.n.], 2003
8 comentários:
Belo conteúdo, convido a conhecer meu blog que fala sobre espiritualidade e experiências oníricas: http://profeciasoapiceem2036.blogspot.com.br/
Gosto muito de poesias, principalmente a obra de Guerra Junqueiro, pena que ultimamente está difícil encontrar poetas com tamanha profundidade de sentimentos. Forte abraço
O arranjo a quatro vozes do "Lá vai " que cantávamos no OUP é de Manuel Faria, (1916,1983) padre e cónego da Sé de Braga, natural de S. Miguel de Seide... freguesia vizinha da do tal Brandão do pardejo...
Américo Fernandes
Será isso que aponta, o passaroco, um 'sinal público' ou imitação?
Sinal, entenda-se, o nome que ao tempo se dava à assinatura...
E, como é sabido, certos oficiais (notários) usavam, regulamentarmente, dois sinais, o público (muito complicado e com ratoeiras, difícil de imitar), para evitar a contrafacção, e o privado (dito 'raso') ou comum, equivalente à manuscrição do nome, completo ou abreviado.
Daí que esses notários dissessem, no pé de instrumentos e certidões: ... este instrumento, que assino em público e raso. Ou seja, com os dois sinais (assinaturas), expressão que passou depois, corrompida e edesfasada já do seu sentido antigo, para a linguagem comum.
Quem escreveu sobre os 'Sinais públicos medievais' (o título é este, mais ou menos) foi José Leite de Vasconcelos...
De cantiga infantil, quadro atuante.
José Leite de Vasconcelos, "Sinais medievais de tabelião: séc. ΧΙ-ΧΙΠ", Archeologo Português, 24, 1920, p.12-23.
Publicação indesponivel on-line.
Parte do espólio do coro popular e maçadeiras pode ser encontrado no CANCIONEIRO POPULAR PORTUGUÊS, de Michel Giacometti, com a colaboração de Fernando Lopes Graça, Círculo de Leitores, Lisboa, 1981. No é o caso do “Lá vai” cuja partitura ficou no OUP para as gerações vindouras. Falei de memória e agradeço a sua correcção.
Alguns dos Sinais estão disponiveis no artigo de A. M. Sousa Saraiva “Tabeliães e notários de Lamego na primeira metade do séc. XIV”, Humanitas – vol. L, 587-624 (1998).
Muito interessante este seu "passaroco", são sinais do tempo e que hoje nos deixam a refletir sobre se estamos a viver a modernidade ou a andar para trás. Gostei. Parabéns. Continue.
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