Vemos com o cérebro.
Sim. Vemos com o cérebro. Apesar de a integridade do sistema
visual ser decisiva para a sua sensação visual da Papel, as imagens captadas
pelos seus olhos, mais precisamente pelas células fotossensíveis existentes nas
suas retinas, são traduzidas em milhões de impulsos nervosos canalizados pelos
nervos ópticos até ao seu córtex visual. E é algures nesta zona do cérebro que
essas imagens são primeiramente interpretadas e comparadas com memórias e
experiências anteriormente guardadas em vias neuronais um pouco por todo o
cérebro.
Resulta dessa integração neuroquímica a consciência do que
vemos. E é por isso que é o nosso cérebro que vê. E sabemos isto porque é possível
experienciarmos imagens com os olhos fechados. Os neurocientistas sabem disso
também pelas inúmeras histórias clínicas de pacientes cuja visão ficou afectada
após certos traumatismos cerebrais que não afectaram os componentes do sistema
da visão.
Mas como é que vemos o nosso cérebro? Como é que sabemos
como é que ele vê o que os nossos olhos captam?
Há mais de um século que o incontornável histologista
espanhol Ramón y Cajal (Prémio Nobel da Medicina em 1906) identificou e
desenhou meticulosamente as subtilezas da arquitectura celular que define o
nosso cérebro. A pormenorizada cartografia celular do cérebro efectuada por ele
e seus colaboradores, levou-o a afirmar, então, que já se conhecia tudo sobre o
cérebro.
Hoje, mais de cem anos depois, e apesar dos avanços impressionantes
registados nas últimas décadas nas ciências do cérebro (psicologia,
psiquiatria, neurologia, entre outras) a sensação generalizada entre os
principais investigadores é a de que começamos a ter uma ideia superficial de
como o cérebro funciona. Sobre como conseguimos pensar, processar as sensações
do mundo à nossa volta, imaginar para além dos sentidos, criar, sonhar, amar,
ler a Papel apaixonadamente.
As tecnologias farmacêuticas, bioquímicas e de ressonância
magnética nuclear funcional contribuíram decisivamente para a forma como hoje
vemos, conhecemos e compreendemos o pulsar da nossa mente, mas também o que lhe
subjaz nas profundezas daquilo a que chamamos inconsciente.
Essa terra de que não temos memória mas que guarda e cuida
das nossas memórias. Esses territórios feitos de vias e circuitos de milhões de
neurónios interligados com outros milhões de neurónios em redes que ridicularizam
a World Wide Web. A nova biologia do cérebro é feita de moléculas que mudam
o nosso estado de humor, que enraízam a nossa tristeza, que florescem a nossa
alegria, que anunciam em sinfonias coloridas as nossas paixões.
As novas técnicas de imagiologia cerebral rasgaram a
pesada cortina que ocultava o palco em que milhares de milhões de neurónios e
células da glia (células de suportam e nutrem os neurónios) e permitiram que os
neurocientistas tenham começado a identificar o papel de cada uma das vias
neuronais, começado a traçar o caminho por onde passam os impulsos que regulam
a actividade cerebral, desde o contolo neuromotor às actividades associadas ao
pensamento abstracto, criativo, à consciência do desconhecimento.
As novas tecnologias computadorizadas têm-nos
brindado com imagens espectaculares dessas vias que nos fazer sorrir de espanto,
desses núcleos neuronais que nos regulam o bater coronário, que nos permitem
entrelaçar o espaço com o corpo rodeado de música.
Depois de cem anos a olhar para as sombras da
actividade cerebral projectadas numa caverna craniana, eis que nos voltámos
para ver directamente o mundo dos nossos neurónios a acontecer em tempo real. Começamos a transformar a ideia do cérebro como um órgão feio e repulsivo, mas sede
da nossa criatividade. Começamos a cartografar com cores vivas, não as células
(como tinham feito Ramon y Cajal e tantos outros) mas a actividade e o papel de
cada uma das vias que ficam activas quando executamos determinada tarefa, ou quando
pensamos em algo como seja... o que quiser.
Para dar novos mundos e fundos ao estudo do cérebro, os EUA,
pela pessoa do seu Presidente Barack Obama, acabam de anunciar o orçamento (100 milhões de dólares para o ano 2014) para um novo e
ambicioso programa de investigação em neurociências. O projecto, apresentado
pela designação “Brain Research Through Advancing Innovative
Neurotechnologies”, ou simplesmente “BRAIN”, visa “acelerar o desenvolvimento e a aplicação de
novas tecnologias que permitam aos investigadores produzir imagens dinâmicas do
cérebro, mostrando como as células individuais e os sistemas neurais complexos
interagem à velocidade do pensamento”, segundo o que pode ler no comunicado então divulgado.
Em janeiro deste ano, também
foi anunciado um projecto europeu designado por “Projecto Cérebro Humano”, da
iniciativa Tecnologias Futuras e Emergentes da União Europeia, o qual visa
simular o cérebro num supercomputador para perceber como funciona.
Refira-se, ainda a propósito,
que o mapeamento das vias cerebrais tem vindo a ser efectuado pelo
Projecto do Conectoma Humano. O objectivo é o de recolher a maior quantidade de
informação sobre o cérebro de 1200 adultos saudáveis através de tecnologias de
imagiologia cerebral de última geração. Sublinhe-se que este projecto tem
fornecido imagens de uma rara beleza introspectiva sobre o nosso cérebro em
plena actividade.
Abrem-se novos meios para
descobrir o futuro do conhecimento. É o cérebro a decidir conhecer-se a si
próprio. Mas há uma nuance abissal naquele projecto científico agora anunciado:
é que não sabemos muito bem o que vamos encontrar e há uma componente
tecnológica e de engenharia num esforço criativo para gerar novas ferramentas
para potenciar novas descobertas. É assim que ciência e tecnologia cooperam para
produzir conhecimento.
Estamos a mudar a imagem que
temos do nosso cérebro. Ou, estamos a ver o cérebro com outros olhos.
António Piedade
1 comentário:
http://www.publico.pt/ciencia/noticia/cientistas-conseguiram-tornar-o-cerebro-transparente-para-melhor-o-perscrutar-1590836?fb_action_ids=4779991502441&fb_action_types=og.recommends&fb_source=aggregation&fb_aggregation_id=288381481237582
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