sábado, 6 de abril de 2013

Toma Toma Toma

Em tempos desconcertados e desconcertantes só a poesia, que tem um inigualável poder de desconsertar, consegue consertar algumas pontas da realidade. As pontas que bastam para não desacreditar, de vez, na realidade. Nisso, Alexandre O´Neill foi mestre.

Toma Toma Toma 

Ainda prefiro os bonecos de cachaporra,
contundentes, contundidos, esmocados,
com vozes de cana rachada e um toma toma toma
de quem não usa a moca para coçar os piolhos,
mas para rachar as cabeças.

O padreca, o diabo, a criadita,
o tarata, a velha alcoviteira, o galã
e, às vezes, um verdadeiro rato branco trapezista,
tramavam para nós a estafada estória
da nossa própria vida.

Mundo de pasta e de trapo
que armava barraca em qualquer canto
e sem contemplações pela moral de classe
nem as subtilezas de quem fica ileso
desancava os maus e beijocava os bons.

Ainda prefiro os bonecos de cachaporra.

Ainda hoje esbracejo e me esganiço como esses
matraquilhos da comédia humana.

In Poesias Completas (1951-1986) de Alexandre O´Neill. Imprensa Nacional Casa da Moeda, p. 371.

1 comentário:

José Batista disse...

Muito oportuno este poema, caríssima Professora.

Adequado ao tempo e à circunstância.

Agradeço-lhe que não desista. E que teime. E que insista.

A ver se podemos aspirar, ainda que apenas idealmente, a dias inteiros e limpos.
Para podermos respirar.

Muito bem haja.

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