Em tempos desconcertados e desconcertantes só a poesia, que tem um inigualável poder de desconsertar, consegue consertar algumas pontas da realidade. As pontas que bastam para não desacreditar, de vez, na realidade. Nisso, Alexandre O´Neill foi mestre.
Toma Toma Toma
Ainda prefiro os bonecos de cachaporra,
contundentes, contundidos, esmocados,
com vozes de cana rachada e um toma toma toma
de quem não usa a moca para coçar os piolhos,
mas para rachar as cabeças.
O padreca, o diabo, a criadita,
o tarata, a velha alcoviteira, o galã
e, às vezes, um verdadeiro rato branco trapezista,
tramavam para nós a estafada estória
da nossa própria vida.
Mundo de pasta e de trapo
que armava barraca em qualquer canto
e sem contemplações pela moral de classe
nem as subtilezas de quem fica ileso
desancava os maus e beijocava os bons.
Ainda prefiro os bonecos de cachaporra.
Ainda hoje esbracejo e me esganiço como esses
matraquilhos da comédia humana.
In Poesias Completas (1951-1986) de Alexandre O´Neill. Imprensa Nacional Casa da Moeda, p. 371.
sábado, 6 de abril de 2013
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1 comentário:
Muito oportuno este poema, caríssima Professora.
Adequado ao tempo e à circunstância.
Agradeço-lhe que não desista. E que teime. E que insista.
A ver se podemos aspirar, ainda que apenas idealmente, a dias inteiros e limpos.
Para podermos respirar.
Muito bem haja.
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