segunda-feira, 29 de abril de 2013

As mudanças tecnológicas e (des)emprego


O desemprego é hoje uns dos maiores flagelos sociais. Taxas de desemprego superiores a 50% entre camadas mais jovens são hoje comuns em muitos países. Podemos culpar os partidos  – que certamente têm culpas - ou a globalização, mas existe um outro culpado silencioso e não menos importante: a tecnologia. Estamos a atravessar mudanças tecnológicas de impacto e abrangência talvez superiores a todas as revoluções anteriores.

Há que admitir que as máquinas retiraram, e vão continuar a retirar, muitas pessoas do trabalho. Desde a robotização das fábricas até tarefas rotineiras como conduzir um carro, são ou serão em breve realizadas por máquinas.

As novas tecnologias estão a destruir imensos postos de trabalho. Cada novo programa de computador está basicamente a realizar alguma tarefa que antes era feita por uma pessoa. Mas o computador normalmente fá-lo mais rápido, por menos dinheiro e sem quaisquer custos extra para as empresas. Isso não são boas notícias para os desempregados.

Para alguns a resposta para este problema consiste em aumentar a formação e o nível educacional. Por exemplo, o trabalhador  da cobrança de portagens poderia ser treinado para programar os equipamentos da Via Verde. Mas existem aqui dois problemas. Primeiro as escolas não estão a preparar em número suficiente os alunos com as competências adequadas para este tipo de novas tarefas quantitativas em áreas de engenharia e programação. Em segundo lugar, o saldo é raramente compensatório: o número de postos de trabalho perdidos é maior daqueles que são ganhos.

A criação de emprego tornou-se o karma que orienta as decisões políticas e algumas opções de investimentos públicos. Independentemente da eficácia destes investimentos, a pergunta que temos de fazer é: será o desemprego realmente um problema? Não nos teremos de adaptar a uma nova realidade com  taxas de desemprego persistentemente elevadas? Não estaremos a perseguir um objectivo impossível?

Tal como na revolução industrial, na era digital a tecnologia é usada para aumentar a eficiência, despedir  mais gente e aumentar os lucros das empresas. Isso é ruinoso para trabalhadores e sindicatos, mas será realmente mau para as pessoas? A questão de fundo deveria ser reformulada "podemos organizar uma sociedade sem usar termos como emprego, carreira e empregabilidade?"

É assumido que os salários, provenientes dos empregos, são a única forma de trocar trabalho por dinheiro. Mas esta associação é no mínimo redutora. O emprego deve estar associado ao aumento da produtividade e existem muitas outras formas de distribuir os ganhos de produtividade por todos. A associação trabalho–emprego é um conceito relativamente recente (algumas centenas de anos) e originária de uma realidade com escassez de produtos. Porém o problema hoje não é o ter produtos a menos mas o da falta de meios para tornar estes produtos disponíveis para todos - é um facto que a desigualdade da distribuição da riqueza tem-se vindo a agravar consistentemente.

O que falta é uma nova forma de distribuir “adequadamente” os ganhos gerados pela tecnologia. Existem várias propostas, como a de Jaron Lanier que sugeriu um modelo alternativo baseado num mercado de partilha de bens digitais. É que, ao contrário da Era Industrial, a produção digital pode ser feita a partir de casa de forma independente e até mesmo em formato peer-to-peer, sem passar por empregos em grandes empresas. Jogos, livros, código software podem ser criados, partilhados e distribuídos sem necessidade de intervenção de dinheiro.

Se este modelo parece ainda demasiado utópico o tempo o dirá, mas certamente precisamos ver além do umbigo e perceber que a desaceleração económica e as alterações tecnológicas irão destruir um número crescente de empregos e acelerar a criação de um novo padrão de distribuição de riqueza. Nunca devemos porém esquecer que o que a tecnologia destroi a tecnologia também cria. Uma reflexão sobre novos mecanismos de distribuição e troca de valor numa realidade digital será muito bem-vinda. Não podemos usar modelos de organização do trabalho do século XIX para uma sociedade do século XXI.

1 comentário:

Humberto disse...

Olá Armando.
Já tinha lido o teu texto. A menção às responsabilidades que os sindicatos tém no desemprego por não permitirem a flexibilização das leis laborais tinha-me ficado atravessada. Vejo que desapareceu. Mudaste de ideias ou não passou na censura?

NO AUGE DA CRISE

Por A. Galopim de Carvalho Julgo ser evidente que Portugal atravessa uma deplorável crise, não do foro económico, financeiro ou social, mas...