domingo, 14 de abril de 2013

O ESTUDO DAS ROCHAS MAGMÁTICAS EM PORTUGAL (2)

Texto do Professor Galopim de Carvalho, na sequência de que outro antes aqui publicado.


Edifício do antigo Convento de Jesus, na Rua da Academia das Ciências de Lisboa, onde, no 2.º andar, se abre ao público o Museu Geológico do LNEG e onde, na viragem do século XIX ao XX, nasceu a petrografia portuguesa.
É num ambiente de franco desenvolvimento da petrografia alemã e também da francesa, com evidentes reflexos em Portugal, que ganha relevo a figura do português Engº. Vicente de Souza-Brandão (1863-1916). Para além do nome e do prestígio que lhe são devidos como mineralogista, este petrógrafo de muito saber, entre outras cadeiras, estudou em Coimbra, Mineralogia, Geologia e Arte de Minas, onde teve como professor o ilustre lente Doutor Gonçalves Guimarães.

Estagiou depois em Paris, na École des Mines, e cursou engenharia de minas em Freiberga, na Alemanha. Regressado ao país, Souza-Brandão sucedeu a Alfredo Bensaúde na chefia da Secção de Mineralogia e Petrografia da Direcção de Trabalhos Geológicos, no edifício do antigo Convento de Jesus, onde hoje se abre ao público o Museu Geológico Laboratório Nacional de Energia e Geologia (LNEG), herdeiro da citada Direcção de Trabalhos Geológicos. Pelo seu labor, este português atingiu notável domínio nas técnicas de identificação microscópica de minerais e rochas, tendo conseguido que os fabricantes de microscópios «Fuess» lhes introduzissem significativas alterações, tendo mesmo lançado no mercado, em 1911, o então chamado «Microscópio Mineralógico Souza-Brandão», ao mesmo tempo que, na revista Zeitschrift, publicava a notícia “Neuy Grosses Mikroskop, model Ib nacht Souza Brandão”.

Entre os estudos que nos deixou, relativos a rochas de várias regiões do país, distinguem-se os das rochas hiperalcalinas de Alter Pedroso, no Alto Alentejo. Deve-se-lhe ainda o conhecimento do espichelito [1], um tipo de rocha filoniana, novo para a ciência, descrito em 1907, cujo nome evoca o Cabo Espichel, a região da respectiva proveniência.

Com o desaparecimento de Souza-Brandão apagou-se também por alguns anos o fulgor que vinha avivando a petrografia portuguesa. Nos começos do século XX destaca-se o primeiro estudo petrográfico da Ilha da Madeira, da autoria do alemão G. Gagel, dado à estampa em 1914, sendo curioso salientar a descrição de um novo tipo de rocha próxima dos peridotitos, a que o autor deu o nome de madeiraíto [2].

No mesmo ano, K. A. Osann e um seu aluno, O. Umhaeur, retomaram o estudo das rochas hiperalcalinas de Alter Pedroso, no Alto Alentejo, e descreveram um tipo mais escuro a que deram o nome de pedrosito [3].

Em Coimbra, o Prof. Anselmo Forjaz de Carvalho (1878-1955) fundava, em 1921, a revista «Memórias e Notícias», onde se arquiva parte importante da investigação científica nacional no domínio da petrologia ígnea, entre outras não menos importantes. Este lente, que foi director do Museu e Laboratório Mineralógico e Geológico daquela Universidade, de 1919 a 1948, deixou-nos, entre muitas publicações, “Modernas Ideias sobre a Acção Ígnea” (1915).

Sem esquecer o papel do Prof. F. Fouqué, nomeadamente na orientação dos estudos de Canto e Castro (1887) e de Rego de Lima (1890), deve salientar-se de forma especial Alfred Lacroix, não só como grande vulto que foi na petrografia mundial, como pela influência que teve no curso desta área de investigação científica em Portugal, quer em virtude da facilidade de penetração da língua francesa entre nós, quer ainda pelos estudos que ele próprio levou a cabo sobre rochas do nosso território. Neste capítulo descreveu novos tipos de rochas magmáticas a que deu designações relacionadas, ou com o nome de Portugal, o lusitanito [4], um sienito hiperalcalino, descrito em 1916, proveniente da região de Alter Pedroso, ou com o local de proveniência, como é o caso do algarvito [5], de Monchique, no Algarve e do mafraíto [6], uma outra rocha cujo nome evoca, erradamente, Mafra. Esta rocha é, sim, proveniente do rio Touro, na serra de Sintra, tendo a confusão resultado da troca das amostras enviadas por Paul Choffat a Lacroix.

A importância do maciço de Monchique, no contexto da petrografia mundial, mais uma vez trouxe até nós grandes especialistas como o alemão E. Kaiser, que voltou a estudar este notável acidente geológico, considerando-o, primeiro, como um lacólito e depois com um facólito. A este trabalho seguiu-se, em 1926, um outro da autoria do Prof. F. L. Pereira de Souza (1870-1931), da Faculdade de Ciências de Lisboa e director do Museu e Laboratório Mineralógico e Geológico anexo a este estabelecimento de ensino, hoje integrado no Museu Nacional de História Natural da Universidade de Lisboa. Como petrógrafo, Pereira de Sousa estudou diversos tipos de rochas magmáticas das orlas mesocenozóicas ocidental e algarvia. Seguiu-se-lhe, na mesma instituição, o Prof. A. A. d’Oliveira Machado e Costa (1870-1952), em cuja obra constam algumas referências aos ofitos [7] e teschenitos [8] portugueses e apontamentos sobre a ocorrência de basaltos da região de Lisboa a que chamou “monumentos da arquitectura eruptiva”.

Foi ao tempo do Prof. Machado e Costa, em 1914, já a antiga Escola Politécnica tinha dado lugar à Faculdade de Ciências de Lisboa, que aqui surgiu a cadeira intitulada Mineralogia e Petrologia.

Entretanto, na Universidade de Coimbra, o Prof. José Custódio de Morais estudava a petrografia das regiões de Leiria e de Elvas, bem como das ilhas da Madeira, Porto Santo e Selvagens, cujos resultados nos deixou nas já referidas Memórias e Notícias, iniciadas em 1921. Anos mais tarde, em 1929, o suíço C. Burri voltou a estudar os sienitos sódicos de Alter Pedroso., mais conhecidos por sienitos hiperalcalinos.

Também em Coimbra, o professor catedrático jubilado, João Manuel Cotelo Neiva, nascido em 1917 e, felizmente, ainda entre nós, deixou obra feita na petrografia das rochas ultramáficas da região de Bragança, tendo proposto três novos nomes para as variedades que distinguiu, abessedito, boqueirito, e bragancito, alusivos, respectivamente, à mina de Abessedo, ao Monte Bougueiro e à dita região. Estes nomes não vingaram, tendo caído em desuso.

Nessa altura era grande o interesse pelo Complexo Vulcânico de Lisboa-Mafra, então referido por Complexo Basáltico de Lisboa. Surgiram, assim, os trabalhos baseados em observações no terreno realizados por Georges Zbyszewski e Amílcar de Jesus, nos anos 50, António Serralheiro, mais recentemente, e os estudos petrográficos do mesmo complexo levados a cabo por J. Brak-Lamy, alguns dos quais em colaboração com Carlos. F. Torre de Assunção (1901-1987), professor da Faculdade de Ciências de Lisboa.
Prof. Carlos. Fernando Torre de Assunção (1901-1987)
Este ilustre docente e investigador, que se seguiu ao Prof. Machado e Costa, foi temporariamente afastado das suas funções, durante o Estado Novo, por motivos de natureza ideológica. Fez obra vultuosa e inovadora e deixou discípulos com importante trabalho realizado.

No que se refere às rochas plutónicas integradas no soco hercínico, com larga representação no norte e centro do país e ainda no Alto Alentejo, sem dúvida o conjunto de rochas magmáticas com maior extensão em termos de área ocupada, muitos foram os estudiosos que delas se ocuparam, a partir da década de 1940. Evocamo-los com breves referências, num gesto de homenagem pelo saber que nos legaram. São desta época os professores Judite dos Santos Pereira e Miguel Montenegro de Andrade, da Universidade do Porto, Carlos. F. Torre de Assunção da Universidade de Lisboa, A. V. Pinto Coelho, da ex-Junta de Investigações do Ultramar, os holandeses Oen Ing Soen e L. J. G. Schermerhorn, dois geólogos holandeses de muito prestígio, e a petrógrafa francesa Elisabeth Jérémine, cujo nome fica igualmente ligado ao estudo do eucrito de Chaves, um meteorito da classe dos acondritos, recolhido em Vila Verde da Raia, em 1925. 

Dos petrógrafos da minha geração, e são muitos, na maioria retirados, e dos que hoje estão na força da respectivas investigações, outros falarão mais tarde.
Serra de Sintra, “uma jóia da petrografia portuguesa”
Notas

1. Espichelito - Lamprófiro mesocrático, analcímico, com horneblenda, augite, olivina, magnetite, calcite e pirite, nos fenocristais, e labradorite, ortoclase, horneblenda, augite, analcima, biotite e apatite, na pasta, descrito em filões do Cabo Espichel (Portugal). 
2. Madeirito - Rocha granular holomelanocrata, afim do peridotito, descrita em Porto da Cruz, na Ilha da Madeira. Inicialmente considerado como uma fácies ultrabásica dos essexitos, foi posteriormente interpretada como uma diferenciação do basalto local. O mesmo que madeiraíto.
3. Pedrosito - Sienito hiperalcalino, holomelanocrata, rico em anfíbola sódica (riebeckite). 
4. Lusitanito - Sienito hiperalcalino, mesocrata, com riebeckite e aegirina.
5. Algarvito - Rocha filoniana, afim dos niligongitos e dos melteijitos, intruída no sienito nefelínico de Monchique. Contém diópsido aegirínico, biotite, nefelina e sodalite, com ou sem ortoclase. Termo proposto por Lacroix, em 1922, caído em desuso. 
6. Mafraíto - Rocha granular (plutonito) grosseira, afim dos gabros e dos teralitos, com fenocristais de anfíbolas (kaersutite e barkevicite), de titanaugite violácea e de labradorite. Contém, ainda, em menores percentagens, biotite, horneblenda verde fibrosa, esfena e magnetite. Descrita por Lacroix, em 1920.
7. Ofito - Dolerito com textura ofítica, própria de uma rocha hipabissal de composição dolerítica, na qual os cristais de augite são penetrados por agulhas de plagioclase. No final do século XVIII, ofito era sinónimo de pórfiro verde.
8. Teschenito - Variedade de teralito com analcima, descrito em Teschen, no Sul da Polónia, em 1861. 

Galopim de Carvalho

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