sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Charlatanice em forma de lei

Com a devida vénia, transcrevo aqui o artigo de opinião de Vasco Barreto, Investigador do Instituto Gulbenkian de Ciência, publicado no Jornal I e também reproduzido no blogue Malomil.

Com o fim da II Grande Guerra e o abandono das bases militares montadas em ilhas do Pacífico, os nativos construíram simulacros de aparelhos de rádio e torres de controlo de tráfego aéreo, passando a imitar o comportamento dos militares, na esperança de que esses rituais trouxessem de volta os aviões e a riqueza material a que se tinham entretanto habituado.

Tal como estas tribos pré-industrializadas, também o nosso parlamento parece ter confundido a essência com o acessório, ao aprovar uma proposta de lei para regulamentar a homeopatia, mas não o fez com a convicção das gentes do Pacífico, tratou-se apenas da derradeira instrumentalização conseguida por um lobby competente. Não há evidência que sustente a homeopatia. Nem lógica: o típico medicamento homeopático é preparado segundo diluições seriadas tão extensas que qualquer eventual princípio activo está ausente na diluição final. Sem conseguirem curar pessoas, é notável o estatuto que os homeopatas têm conquistado pela aposta no acessório: os mais de 200 anos da prática como sinal de garantia, um conceito de “medicina personalizada” que dificulta o seu escrutínio pelos testes da medicina convencional, e institutos, revistas da especialidade e licenças para os seus praticantes. A OMS, que os homeopatas gostam de citar de forma parcial, alertou para os perigos do uso da homeopatia no tratamento da SIDA, da tuberculose, da malária, da gripe e da diarreia infantil. Por outras palavras, diz-nos que não devemos brincar aos homeopatas com as doenças sérias. Mas o nosso parlamento desprezou a validação empírica das práticas médicas e incentivou o recurso a fantasias. Ninguém ficou muito incomodado, porque enquanto a medicina convencional não encontrar a cura para todos os males haverá sempre um filão de expectativas a explorar. Não se percebe é por que motivo, por intermédio do Estado, precisamos todos de ser cúmplices involuntários de uma vigarice. 

Vasco Barreto

8 comentários:

Rui Baptista disse...

Caro David Marçal: Nunca como hoje se assistiu à propaganda despudorada da charlatinice. Haja em vista o actual programa da tarde da SIC. Um abraço.

Cláudia da Silva Tomazi disse...

Charlatão e janota são termos norte americano. No Brasil é vigarice.

Unknown disse...

Para quem julgue que isto é perseguição, ou que não faz mal nenhum, deixo aqui a mais recente reportagem sobre a homeopatia no Reino Unido e o perigo que é equiparar esta terapia à medicina:

http://youtu.be/TZf9mUzI4RI

Cisfranco disse...

"...tratou-se apenas da derradeira instrumentalização conseguida por um lobby competente. "
Um lobby que conseguiu dar a volta a um conjunto de deputados incompetentes que não sabem distinguir a charlatanice do cientificamente provado. Como é que eles hão-de conseguir isso, se muitos deles têm cursos como o credenciado Relvas?! Há que ser licenciado para exercer homeopatia? Licenciado em quê? Em ignorância? Os ignorantes votaram e põem o Estado a pagar as comparticipações, é isso? Não sei é como vai ser o controle/supervisão da Ordem dos Médicos.

Anónimo disse...

O que é lamentável é tentar misturar coisas que são por natureza diferentes, é pura desinformação de desinformados. Porque não se discute antes a concepção de Homem que está subjacente? Porque não se fala nunca nas mais recentes descobertas em relação às propriedade da água? Porque será que sabe tão bem ignorar hoje, a ciência de amanhã? Num universo eléctrico a homeopatia tem mesmo de ser possível, lamento, a água tem destas coisas!!!

VACINA HOMEOPÁTICA - Ah, isso existe?
http://www.youtube.com/watch?v=b_epkXU_pg0

Anónimo disse...

A falta de personalização da medicina só se pode queixar de si mesma. É um facto também baseado na evidência, de que gostam tanto. Quantos foram os médicos que sentiram isso e desenvolveram a homeopatia e outras soluções terapêuticas? É tudo uma questão de negócio, de outra forma, a medicina hoje seria bem diferente do que é. Se você tem o azar de cair num hospital privado fica lá a marinar enquanto lhe sugam o "plafond" do seguro ou todos os tostões que tiver, é um clássico.... e depois vai parar ao SNS. Isto é parasitismo, a homeopatia não trata de todo, LOL.

Cisfranco disse...

"A falta de personalização da medicina só se pode queixar de si mesma."

Concordo consigo. Os médicos colocam-se no centro, tudo gira em torno deles. O doente é muitas vezes ignorado, nem olham para ele. E então agora com os computadores a emitir receitas, no consultório, o centro é a máquina. Muitos médicos não sabem comunicar, não estabelecem empatia com o cliente/doente e por isso este sai desconsolado da consulta, talvez com uma receita tecnicamente perfeita.
Mas também há médicos bons e excelentes que as pessoas recomendam umas às outras. Se formos a ver o verdadeiro motivo da preferência encontramos empatia e comunicação com o doente sem sabermos o que é que ele verdadeiramente sabe. Não sei, mas estes aspectos não devem ser considerados relevantes nos cursos de medicina.

Unknown disse...

É irresponsável e criminoso fazer publicidade a um produto que não contém qualquer princípio activo. E mais ainda quando existem doenças que estão a regressar em força e a matar crianças.

A desinformação está toda do lado da homeopatia. Que a concepção do Homem entre o que sabemos hoje sobre biologia, fisiologia e patologia e a concepção vitalista que permeia a homeopatia - isso é claro.

http://comcept.org/2013/01/16/vacinas-homeopaticas/

"A escola pública está em apuros"

Por Isaltina Martins e Maria Helena Damião   Cristiana Gaspar, Professora de História no sistema de ensino público e doutoranda em educação,...