terça-feira, 6 de maio de 2008
Como o Acaso Comanda as Nossas Vidas
Eis um extracto da introdução do livro “Como o Acaso Comanda as Nossas Vidas”, do físico alemão Stefan Klein, que acaba de sair na Lua de Papel (sim, a editora de "O Segredo" também publica livros de divulgação científica que mais parecem livros de auto-ajuda). A capa ao lado é da edição original alemã.
“Poderá a nossa vida depender mesmo dessas minudências que em nada parecem estar relacionadas umas com as outras – e que, eventualmente, determinam o seu decurso?
Esse é o tipo de questões que nos fascinam e, ao mesmo tempo, fazem estremecer por dentro. E deve ter sido esse sentimento ambivalente que o filósofo Johann Gottfried von Herder terá sentido quando descreveu o acaso como “um dos dois grandes tiranos da Humanidade” (o outro era, para ele, o tempo). Os cientistas também se mostraram assustados com o caos no Universo quando começaram a aperceber-se do pouco que a Natureza obedece às nossas noções de ordem. Em 1970, o biólogo molecular e Prémio Nobel francês Jacques Monod ainda descrevia o ser humano como um resultado feliz no grande jogo de lotaria da Natureza, que, finalmente, tinha de admitir a sua precariedade existencial: “O Homem sabe agora que é como um cigano acampado num qualquer limite de um Universo surdo à sua música e indiferente às suas esperanças, ao seu sofrimento e aos seus crimes.” Ao longo dos últimos anos, contudo, a ciência ocupou-se com uma tal intensidade do imprevisível que o estremecimento do pânico deu lugar ao espanto.
O que é que se esconde então por detrás dessas estranha manifestação, acerca da qual muitos afirmam que não passa de uma ilusão? Os matemáticos provaram que o acaso ocorre mesmo quando tudo está ordenado de acordo com regras rígidas; os físicos investigam a origem do acaso e explicam por que é que não o podemos evitar; os biólogos evolucionistas apercebem-se, cada vez mais, do muito que a existência humana deve ao acaso. Estudos psicológicos abrangentes acentuam o factor imprevisibilidade no desenvolvimento da personalidade e do amor. Finalmente, os investigadores do cérebro e os filósofos explicam por que é que temos tanta dificuldade em relacionar-nos de uma forma pacífica com essa força geradora. Os seus trabalhos fundamentam a crença arreigada a conceitos como o destino, ou um plano superior a que nos encontramos submetidos.
O poder do acaso é bem maior do que tudo aquilo que até agora pudemos imaginar. A sua investigação abrange as grandes incógnitas da ciência, como a questão da constituição do mundo ou da origem da vida e tem, simultaneamente, a ver também com a existência e a biografia de cada um de nós. E, no entanto, quem aqui espreita não é o demónio da desordem que o iluminista Herder tanto amaldiçoou. A língua inglesa desde sempre acentuou os aspectos amigáveis do acaso: “chance” significa também oportunidade e até “sorte”.
A própria ciência também reconheceu esse lado do acaso – e começa agora a aprender a aproveitá-lo. Sistemas sensíveis, como os circuitos electrónicos, podem estabilizar-se sob o seu efeito e, no fundo, também é assim que os nossos cérebros funcionam. E o acaso não só é o motor da Evolução, como também o de toda a criatividade humana. Até mesmo as nossas características mais humanas – como o altruísmo, a compaixão, a capacidade de estabelecer valores morais – não existiriam se o nosso comportamento fosse sempre previsível.”
Stefan Klein, Como o Acaso Comanda as Nossas Vidas”, Lua de Papel, 2008.
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13 comentários:
Bem, isso tudo é muito interessante, só que não é dada nenhuma explicação daquilo que é esse misterioso "acaso".
Ou melhor, no final até se dá a entender que, pelo menos ao nível humano, o acaso é, nem mais nem menos, do que o nosso livre arbítrio:
Até mesmo as nossas características mais humanas – como o altruísmo, a compaixão, a capacidade de estabelecer valores morais – não existiriam se o nosso comportamento fosse sempre previsível.
Logo, parece que a noção de acaso que aqui se fala é a da imprevisibilidade não determinística, o que no caso do espírito humano significa tão só a superioridade deste sobre a matéria.
De facto, ao ultrapassar essa noção demasiado estreita e matemática da previsibilidade a todo o custo, o chamado "acaso" ou "randomness" é, de certa forma, o livre arbítrio do universo. Não sei se o livro desenvolve ou não este conceito, mas talvez fale pelo menos dos chamados "acasos ou coincidências significativas", a que Carl Jung chamava "sincronicidades".
Isto já para não falar dos "acasos felizes" ou "serendipidade", um termo muito aplicado até em vários casos de descobertas científicas e outras manifestações de criatividade. Referindo-se a isso, Pasteur disse que o acaso só favorece a mente preparada.
Logo, modificando ligeiramente o título, talvez se possa dizer que o livre arbítrio, seja ele qual for, comanda de facto as nossas vidas, e não qualquer determinismo serôdio e escravizante.
Assim sendo, qual é a relação do livre arbítrio com o acaso... ou o que é verdadeiramente essa entidade ou esse conceito, matemático ou filosófico?!
Já diria alguém, do qual não me recordo: "somos escravos do nosso subconciente"...
Algumas das mentes mais brilhantes que já passearam na nossa dimensão tinham Deus como a Ordem Universal, ou O Grande Matemático, taí uma coisa que acredito que venha a ter muito sentido, de fato, na medida que vamos evoluindo nosso conhecimento, adquirimos o "dom" de prever o futuro...
A humanidade tem usado algumas palavras para designar a sua ignorância. "Deus" é a mais conhecida - para além de outros significados também tem esse de designar o que não sabemos explicar.
Mas a nossa ignorância tem outros nomes e um deles é "acaso". Não sabemos explicar a evolução? Sabemos pois, basta dizer que o responsável foi o "acaso". Notem que eu não estou a dizer que foi "Deus", esse é apenas outro nome para a nossa ignorância. Só estou a dizer que há imensa coisa que não sabemos explicar. E, para cada uma delas, sai um "acaso" porque admitir a nossa ignorância é que não é possível, causa-nos angústia.
Quando sabemos explicar, então já não usamos a palavra "acaso" mas podemos usar "ruído" por exemplo. O "ruido" sabemos bem o que é. "probabilidade" também. Ou então sabemos explicar o fenómeno - antes de pasteur pensava-se que as parturientes morrerem ou não no parto era um "acaso". Ou a "vontade de Deus".
como adivinham, a palavra "acaso", como a palavra "acreditar", não faz parte do meu léxico...
parabéns pelo post. Temas que suscitem opiniões diferentes (eu dou a minha, mas isso não é a "verdade", é apenas a minha opinião) é que valorizam este blogue e me fazem vir chatear-vos tantas vezes. Se fosse para dizer coisas consensuais não valia a pena, não era?
A Bíblia é bem clara quando fala da providência de Deus.
Ela diz que Deus faz com que todas as coisas contribuam para o bem daqueles que o temem e que são chamados por Ele.
Se lermos na Bíblia as histórias de José do Egipto ou de Ester (neste último caso sem que Deus seja expressamente referido) podemos ver que, através de uma sequência altamente improvável de eventos, alguns dele aparentemente insignificantes, o povo de Israel é salvo da fome (no caso de José do Egipto) e do genocídio (no caso de Ester).
O mesmo padrão podemos ver no século XX, quando uma sucessão altamente improvável de eventos como a I Guerra Mundial, a queda do Império Turco Otomano, a criação da Sociedade das Nações, o Tratado de Versalhes e as reparações impostas à Alemanha, a colocação da Palestina sobre o Mandato britânico, a formação e a queda da República de Weimar, a grande depressão, a ascenção de Hitler, a II Guerra Mundial, o ataque a Pearl Harbor, a entrada dos americanos na guerra, o Holocausto, a derrota de Hitler pelos aliados, a criação das Nações Unidas, etc., fazem com que Israel adquira a sua independência como Estado em 1948, supreendendo mesmo muitos judeus que há muito tinham deixado de acreditar que isso alguma vez fosse possível.
Terá sido por acaso?
Quem não acredita no Deus da Bíblia dirá que sim.
No entanto, também é possível discernir um designio inteligente na história. Os dados necessários para esse efeito encontram-se na Bíblia.
Quem os levar a sério aproveitará muito. Não é por acaso que alguns dos principais fundadores da ciência moderna, como Leibniz, Newton, Locke ou Linneaus, entre muitos outros, eram leitores atentos das Escrituras.
Quem pensar que tudo se deve ao acaso está, acima de tudo, a enganar-se a si mesmo, confundindo ciência com uma filosofia naturalista e acidentalista (mas autocontraditoriamente racionalista) que, além de destituída de qualquer base empírica, é internamente inconsistente e não tem qualquer relevância para a interpretação do mundo real para além de dizer que tudo se deve ao acaso (incluindo a própria filosofia naturalista).
Curioso que o autor, sendo alemão, refira a palavra "chance" em inglês quando tem também a palavra à disposição em alemão (sendo exactamente a mesma, "Chance" e com o mesmo significado).
Obviamente que muito do desconhecido não o será para sempre. No passado, muitas situações que não se compreendiam eram atribuídas ao acaso, sendo hoje compreendidas. Ainda assim, isso não impede que haja alguns elementos que serão sempre devidos ao acaso. É possível postular que, num universo cujas leis fossem totalmente conhecidas, cujas condições iniciais e fronteiras fossem também conhecidas na perfeição e onde existisse uma capacidade de computação infinita, se pudesse prever tudo e o acaso fosse reduzido a zero. Só que mesmo isso me parece impossível. Independentemente de todo o conhecimento e de toda a capacidade de computação, não se poderia prever tudo e mais alguma coisa porque os números obtidos seriam indetermináveis. O exemplo ideal é pi. Não se poderia nunca descrever uma circunferência, qualquer que ela fosse, na perfeição. Simplesmente porque é impossível calcular pi até à última casa decimal, dado que essa não existe...
Espantoso!
Um deus omnipotente teve que engendrar duas guerras mundiais que mataram milhões de pessoas para fundar Israel?
E pelo caminho também engendrou o holocausto dos futuros inquilinos do estado de Israel?
Deve ter sido o deus do antigo testamento, que era mais dado a empregar meios "musculados" para atingir os fins!
Pedro Cardia
Esta questão meche com um ponto central na história humana. Deus, que para uns é salvador e outros, apenas um tirano sádico, que gosta de enígmas e brincadeiras de mal gosto, como mandar Abraao matar seu próprio filho. Nesta discussão trava neste blog, vemos vários comentários, uns a favor, outros contra. Mas quem tem razão?. Os religiosos com sua bíblia. Ou os séticos com a razão e a ciência. Eu não sei dizer, mas vejo que se tivesse o poder que o deus cristão tem, poderia ajudar muito o planeta terra. E olha que sou humano cheio de sentimentos ruins e perverso.
"Os matemáticos provaram que o acaso ocorre mesmo quando tudo está ordenado de acordo com regras rígidas;"
Já aqui tinha escrito mas perdeu-se.
Gostaria de uma referência para onde se encontra esta prova.
Obrigado.
«Chance», «Glück» e «Zufall». São 3 palavras alemãs, e não apenas uma, para significar algo de próximo de «acaso», se calhar (e esta expressão portuguesa, «se calhar», tem muito a ver com «acaso» :-)). «Chance» significa também oportunidade e «Glück» felicidade ou sorte. «Zufall», por sua vez, corresponde à lexicalização da ideia de que 'etwas fällt (= cai) auf uns zu' (cf. também a palavra «Zukunft» = 'etwas kommt auf uns zu', aquilo que vem em nossa direcção, isto é, o 'futuro' - como se fôssemos assim tão passivos...).
O problema do acaso é que ele é estritamente de natureza matemática, quer-me parecer. Ele há tantos acasos interessantíssimos que a gente nem consegue processar isso tudo em «tempo real»... Ou em «tempo útil», vá lá, que por vezes tem muito pouco de real.
Abraço
Adelaide Chichorro Ferreira
É engraçado que refiram o carácter omnipotente de deus...
Alguém disse (e até era alemão) que a omnipotência de deus juntamente com a premissa de que "ele era bom" é uma incongruência.
Se ele pode tudo, então não é bom. Se ele é bom, então não pode tudo.
Acho que não precisa de explicação, mas já agora, para deixar bem claro, olhe-se, como disse o Pedro Cardia, para a necessidade de criar duas guerras mundiais para fundar um país. Se esse era o objectivo, até eu, que não sou omnipotente, seria capaz de fazer melhor. Até você, Marciel Alves, como diz, seria capaz de fazer melhor…
Também pode ser que ele seja omnipotente mas não seja bom… é uma possibilidade. Mas então conclui-se que nós não somos o final da sua criação, os seus filhos mais queridos, os seres feitos à sua imagem. Só quem não tem filhos pode pensar que um pai faria isso aos seus descendentes.
Neste caso quem serão os seus filhos? Aqueles que ele ama? Aqueles a quem ele não magoa? Seremos nós em vez do objectivo de Deus, apenas um meio para atingi-lo. Seremos nós as plantas, os insectos, as aves de Deus? Quem será, então, o seu Adão?
Ó Dulce!
Claro que Deus nem é bom ou mau, isso são meros conceitos relativos irrelevantes!
Mesmo dizer omnipotente, omnipresente e omnisciente ainda é limitativo, mas enfim, sempre está um pouco mais próximo.
Deveras, a única coisa que se pode afirmar acerca de Deus é o seu próprio nome... bem, mas parece que Ele até tem milhares! :)
"Eu Sou Aquele que Sou!"
Logo, DEUS É!... that's it!
Os matemáticos provaram que o acaso ocorre mesmo quando tudo está ordenado de acordo com regras rígidas.
Ou seja, a natureza tem livre arbítrio e não existe determinismo fixo... simple as that! :)
Deus, Deus, Deus, Deus, Deus, Deus, Deus, Deus, Deus, Deus, Deus, Deus, Deus, Deus, Deus, Deus, Deus, Deus, Deus, Deus, Deus, Deus, Deus, Deus, Deus, Deus, Deus, Deus, Deus,Deus, Deus, Deus,
Ah Deus...
ZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZ
Ó leprechaun,
Deus pode ser muitas coisas, ou nenhuma... Referia-me ao Deus "bíblico", patriarca, presente em todas as coisas e unificador. Nesse, lamento, mas alguma coisa não bate certo.
Quanto ao determinismo, não falava em fatalismo, em cadernos de apontamentos recheados com os nomes de todos nós e à frente um qualquer destino inventado na origem. O que queria dizer é que tudo tem uma causa, todos os acontecimentos são causados por actos anteriores. Aquilo que parece acaso é, de facto, o resultado lógico para uma série de acções antecedentes que, como desconhecemos na sua totalidade, presumimos não existir.
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