quarta-feira, 26 de maio de 2021

ADEUS PROFESSORES-PESSOAS, BEM-VINDOS PROFESSORES-MÁQUINAS

Sir Anthony Seldon, vice-reitor da Universidade de Buckingham, conseguiu, entre 2017 e 2018, aquando do anúncio e publicação do livro The fourth education revolution: How artificial intelligence is changing the face of education, assinalável protagonismo na comunicação social por declarar que robôs, resultado da "inteligência artificial" mais avançada, poderiam ensinar melhor do que os professores e que, por isso, numa escassa década, estes seriam substituídos por aqueles.

E concretizava numa entrevista: “programas em desenvolvimento em Silicon Valley lerão o cérebro e as expressões faciais dos alunos, adaptando o método de comunicação ao que funciona melhor para seu estilo de aprendizagem”.

Depois de longa insistência teórica, de recorrentes promessas políticas, e de múltiplas experiências pedagógicas, que não foram além disso, todos os alunos, sem excepção, têm, finalmente, possibilidade de receber atenção personalizada e feedback imediato: cada um avança ao seu ritmo, mas avança sempre. E aprende tudo aquilo que está programado que aprenda.

Nenhuma lacuna fica na sua aprendizagem pois ela é monitorizada em contínuo, para se verificar como evolui, para reencaminhar e dar reforços, para ajustar o nível de dificuldade/desafio das tarefas... Acabam-se as reprovações e as turmas por ano de escolaridade. Todos são incluídos, todos chegam ao mesmo nível. E de modo activo e significativo. Pode garantir-se o sucesso e a igualdade de oportunidades. A eficácia perfeita, não há desperdícios de qualquer espécie.

Imagino que, se fossem vivos, o resistente B. F. Skinner diria que tudo isto já estava na mente behavorista e S. Pressey diria que o mecanismo de base é o dsua Machine for Intelligent Tests. Mas, por certo, não deixariam de ficar deslumbrados com as formas e agilidades de algumas máquinas que se situam entre o brinquedo e a representação física do humano.

Mas se, como diz Seldon, "o trabalho essencial de incutir conhecimento nas mentes jovens for totalmente realizado por computadores com inteligência artificial", máquinas "extraordinariamente inspiradoras”, os professores serão todos dispensados? Não, alguns ficam.

Aos poucos "professores-humanos", "professores-pessoas", bem treinados em matéria de tecnologia, caberá um trabalho de bastidores como ajustar equipamentos, gerir problemas de disciplina e prestar apoio pontual a alunos que dele precisem, eventualmente promoverão actividades não académicas. Funcionarão sobretudo como supervisores, como assistentes.

Imagem recolhidas aqui
As palavras de Seldon são as mesmas de inúmeros investigadores, políticos empresários e outros agentes que, dispersos pelo mundo, se pronunciam sobre os desígnios da educação pública e fazem pressão para a direccionar no dito sentido, que será por volta de 2030 o "novo normal". Já o seria sem COVID, mas com a "grande oportunidade" de renovar a educação que a pandemia abriu, não restam grandes dúvidas.

Para ensinar tudo a alunos de todas as idades, mesmo as mais precoces, além das formas que acima referi, outras são concebidas. Por exemplo, um braço robótico ensina a ler e a escrever: "assim que a criança agarra o lápis, o braço move-se para formar a letra numa tela e lê o seu som". Ou um módulo que se desloca na "sala de aula" controlado por alunos que se situam à distância.

São incontáveis os países que estão a apetrechar-se com as "máquinas adaptativas" a que nos referimos, Portugal incluído (no Plano de Recuperação e Resiliência faz-se referência a "150 novos robôs educativos"). Em paralelo, existe a consciência de que esta opção "certamente mudará a vida humana como a conhecemos", palavras do mesmo Seldon. Pergunta legítima: devemos estar descansados? 

A avaliar pelo que leio sobre o tema, a inquietação não é grande, o entusiasmo galvanizante suplanta-a em muito. Volto a Seldon: os grandes perigos são a eliminação de empregos e a “infantilização” de alunos e professores, à parte isso uma ou outra questão de menor relevância.

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Para redigir este texto usei informação que consta aqui, aqui, aqui.

2 comentários:

Anónimo disse...

Os cursos por correspondência e as aulas pela televisão ficaram muito longe de levar à extinção dos professores-pessoas, enquanto agentes essenciais no processo de ensino/ aprendizagem. Quando eu fui um estudante "clássico", houve muitos assuntos de caráter científico, puro e duro, e outros, de caráter literário, que nunca cheguei a compreender, apesar do empenho e grande sapiência dos meus professores. Consultei muitos livros, e continuei sem compreender!
Eu sou um ser de capacidades cognitivas limitadas - não é uma máquina, feita por homens, que vai conseguir explicar-me tudo aquilo que eu não entendo!
Os alunos de uma turma não são todos igualmente inteligentes. Ninguém sabe isto melhor do que os professores. Se os professores não conseguem ensinar tudo aquilo que é preciso saber, a alguns alunos, as máquinas muito menos conseguirão!

Helena Damião disse...

Prezado leitor anónimo
Coloca a questão no conhecimento que se espera (que se esperaria) que a escola ensine (ensinasse), do conhecimento complexo e difícil que foi construído pela humanidade e, por isso organizado para conduzir a formas de pensamento que de outro modo não seria possível. Conhecimento esse que o professor integrou em si e que leva (oferece) aos seus alunos da melhor maneira que pode e sabe. Isto se for um professor no sentido para o qual a palavra remete.
Ora, é esse conhecimento que se esvai do currículo e o que resta dele é integrado na noção de competência, o que o aluno consegue fazer com aquilo que aprendeu para resolver problemas próximos. Talvez a máquina consiga fazer isso. E melhor do que o professor que poderia ter tendência para levar o aluno além disso... a patamares de conhecimento a que notoriamente não se quer que os alunos da escola pública acedam.
Cordialmente,
MHDamião

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