quarta-feira, 6 de dezembro de 2023

UMA HUMILDE SUGESTÃO

Por Eugénio Lisboa 
 
Diz-se que, 700 anos após a fundação da Academia de Platão, ainda se podia ler, à entrada dela, a seguinte inscrição: “Proibida a entrada excepto a geómetras”. 
 
O aviso era severo e extremamente exclusivo. Mas pode dele deduzir-se que, embora a Academia encorajasse o diálogo aberto e desinteressado, em busca de explicações plausíveis do universo, e não houvesse uma distinção nítida entre docentes e discentes, temiam-se as derivas provocadas pela falta de rigor, no pensamento, rigor de que só os geómetras seriam seguros guardiões. 
 
Vestígios da Academia de Platão
Talvez não fosse necessário incluir apenas geómetras, como tais, mas, sim, pessoas com aquilo a que Pascal chamava “espírito de geometria”. É este espírito que impede que as discussões se desviem do seu guião inicial e se percam por desvios e atalhos que levam a lado nenhum. 
 
Estas derivas podem ser involuntárias e não necessariamente de má fé, mas, entre ferventes adesivos de grupos politicamente partidários, o desvio do guião de pensamento é frequentemente deliberado e visa, não a busca da verdade, mas apenas a desacreditação do adversário e a sua destruição. 
 
Vê-se isso, todos os dias, nas redes sociais, como método deliberado, que seria vigorosamente rejeitado pela academia platónica. As autocracias e as teocracias não encaram os argumentos contraditórios como um instrumento essencial à busca de explicações (provisoriamente) válidas, até outras melhores virem a ser encontradas. As autocracias e as teocracias encaram como inimigos a abater os que questionam os dogmas que elas põem em serviço. 
 
A busca desinteressada da verdade é a última das preocupações das ditaduras, e não só no campo político. 
 
É ver os enormes desastres que Estaline e Mao desencadearam, com os incríveis dogmas científicos, que insensatamente protegeram, no campo da agricultura (Estaline, com Lysenko) e na indústria (Mao, com o absurdo “grande salto em frente”). Nem um nem outro possuíam o “espírito de geometria” que exigia a milenar Academia de Atenas. Resultado: milhões de mortos, provocados por caprichosos líderes, totalmente desprovido de “espírito de geometria”. 
 
Venho, com isto, sugerir, muito humildemente, que procurem as escolas, como grande prioridade, para promover e afinar, nos alunos, o “espírito de geometria”, tão necessário a uma saudável e frutuosa vida intelectual. E, já agora, não sendo pedir muito, desenvolver também o “esprit de finesse”, o outro alvo das atenções de Pascal… 
 
Eugénio Lisboa

8 comentários:

Anónimo disse...

Caro Eugénio Lisboa,

Se antes da Revolução Bolchevique a maioria era analfabeta... com a revolução comunista pela sua conversa assim deviam ter continuado, analfabetos (mas contrariamente ao que o senhor apregoa não foi isso que aconteceu).

E se fosse como V. diz, as conquistas cientificas dos comunistas na URSS não podiam ter acontecido (mas aconteceram) o que prova que o senhor mente.

Elas aconteceram e são parte do património cientifico comum da humanidade.

O que só prova que o senhor não tem conhecimentos suficientes e pior, vem aqui enganar as pessoas com o propósito das suas ideologias anti-comunistas.

Basta pesquisar por "cientistas soviéticos" e ver quem são e quantos foram e o que conseguiram.

A credibilidade daquilo que o senhor Eugénio Lisboa escreve é continuadamente Zero sempre que quer manifestar o seu anti-comunismo.

Eugénio Lisboa disse...

Há muita confusão naquilo que o Anónimo diz. Está obviamente a tresler o meu texto, mas já estou habituado a isso. Em lado nenhum, digo, o que seria tolo, além de falso, que na URSS não houve cientistas de grande mérito. Teria sido muito estranho que não tivesse havido. Mas o que, sim, digo é que muitos foram-no APESAR das directivas absurdas dos líderes todos poderosos e não por beneficiarem da sabedoria deles. Apontei um exemplo: o do jardineiro-charlatão, que nada sabia de ciência agrícola e que foi imposto por Estaline, contra os argumentos de verdadeiros cientistas, que foram punidos por discordarem do charlatão e do seu padrinho político. As artes e as ciências, durante a vigência do regime soviético tiveram gente de enorme talento e valor, muita da qual foi ameaçada ou perseguida ou teve simplesmente de se exilar. Eles não foram um produto daquele regime, existiram APESAR DELE. Alguns grandes nomes da poesia , inicialmente, revolucionários fervorosos, até se suicidaram. Outros foram mandados para a Sibéria. Quer nomes? A infâmia foi ao ponto de um grande poeta, Pasternak se ter visto obrigado a não ir receber o Prémio Nobel, porque, se fosse, não seria autorizado a regressar ao seu país natal.
Meu caro Anónimo, durante o Estado Novo também tivemos gente como Egas Moniz, Abel Salazar, Mira Fernandes, Tiago Oliveira, Aquilino Ribeiro, Ferreira de Castro, Fernando Pessoa, José Régio, Virgílio Magalhães Godinho, António Sérgio, Herberto Hélder, Fernando Lopes Graça, etc.etc Acha que eles foram um PRODUTO do Estado Novo ou que existiram APESAR dele? A URSS não pôde nunca gabar-se de ter tido, do seu lado, gente como Prokofiev, Sakarov ou Mandelstham ou Shostakovitch ou muitos outros.
Peço-lhe, caro Anónimo, que me não julgue mais desconhecedor do que sou. Sobre a URSS, estou bastante informado e não foi uma informação que me tenha deixado sossegado. Quanto a eu ser anticomunista, gosto de esclarecer: eu não sou nenhum anticomunista primário e tive e tenho amigos comunista, que muito prezei e prezo. Mas o que decididamente sou é contra todas as ditaduras e autocracias religiosas, e tanto se me dá que se digam de direita ou de esquerda. Sempre achei, de resto, que regimes como o da URSS nada têm que ver com aquilo que considero uma verdadeira esquerda.
E, já agora, o caro Anónimo, ganharia algum estatuto ético, se saísse desse feio anonimato.

Anónimo disse...

Vale a pena lembrar o post aqui publicado que DESMENTE Eugénio Lisboa.

https://dererummundi.blogspot.com/2023/11/urbano-no-pais-dos-sovietes.html

"Urbano declara-se admirado com o progresso da União Soviética, que ele percorreu em grande extensão. Foram-lhe dadas a conhecer pessoas e obras não apenas das artes e letras, mas também da ciência e tecnologia. Na Sibéria, teve a oportunidade de visitar a central hidroeléctrica de Bratsk, então a segunda maior do mundo. Escreveu: “Creio que só um cretino ou um obcecado, independentemente das suas ideias políticas, poderá ficar insensível ao cântico colectivo desta nova Sibéria. A frase de Lenine, segundo a qual o saber tem de tornar-se parte integrante da existência, é ali uma verdade diariamente vivida. Na Central Hidroeléctrica de Bratsk, a barragem majestosa atinge 127 m de altura e estende-se por mais de 5 km, retendo a pressão do mar artificial de Bratsk, parte do qual pude ver em pleno degelo, numa euforia suave de branco-ausência e de perfumes virgens (...).” Mas, para além das obras de engenharia, apreciou o ambiente humano: “A vivência humanística acompanha, como em toda a URSS, o fantástico avanço científico e técnico, que é simultaneamente o prolongamento e o resultado das profundas transformações sociais.”

Urbano disse mais: “Homem de letras, não deixo de maravilhar-me ante as realizações da ciência e da técnica sobretudo, quando, como nesses arredores de Tachkent, posso (pude) constatar a existência dos tampões verdes que absorvem as poeiras e os gases poluentes. As cortinas de árvores neutralizam a acção deletéria dos gases sulfurosos. O escoamento dos resíduos é igualmente objecto de atenção máxima.” Realcem-se as suas preocupações ecológicas nesses anos de 1970, quando a questão maior não era tanto, como é hoje, a das emissões de dióxido de carbono, mas sim as emissões de substâncias poluentes, venenosas mesmo. O escritor remata: “O primeiro dos dogmas (há alguns) na União Soviética é não envenenar a existência humana.”

Eugénio Lisboa disse...

Urbano Tavares Rodrigues foi um grande escritor, de quem fui amigo e admirador. Por sinal, teve a gentileza de me convidar várias vezes para escrever sobre ele e sobre familiares dele, incluindo o irmão (comunista), além de me ter convidado a prefaciar a edição das obras completas dele. E ambos sabíamos que tínhamos opiniões políticas divergentes. Mas a visita que fez à URSS, tal como a que fez Óscar Lopes, também meu amigo, foi uma visita "guiada" e não uma visita livre em que pudesse contactar livremente toda a gente. André Gide que, pelos anos trinta, andava enfeitiçado pela União Soviética, foi por esta convidado para uma das tais visitas "guiadas", simplesmente, as vendas caíram-lhe dos olhos perspicazes e viu-se o resultado: escreveu um livro - RETOUR DE L''URSS,, em nada hostil ao regime, mas fazendo-lhe certas reservas, repito, em tom não hostil. A reacção foi a costumeira nestes casos: insultos, calúnias, infâmias. Gide, escritor universalmente admirado e influente, passou a sere tratado pelos críticos comunistas como a escumalha mais desprezível.
Ainda voltando ao argumento falacioso do Anónimo, sobre a (indiscutível) existência de valores científicos e culturais, durante a vigência do regime soviético, pergunto: vamos também pôr no activo dos czares, a existência de uma gigantesca literatura russa (Gogol, Pushkine, Lermontov, Dostoiewsky, Tolstoi, Turguenev, Tcheckov, Gorki, Korolenko, Andreiev, Sologub, etc) e toda a grande música russa, do século XIX?
Só um exemplo, para se ver como essas visitas "guiadas" eram organizadas: Gide era conhecidamente um homossexual e os homossexuais eram, nessa altura, perseguidos na URSS. Pois bem, para que, durante a visita, o grande escritor francês não passasse necessidades, visitaram-no no hotel alguns efebos para consumo discreto. E toda a gente sabia que os cidadãos russos não eram livres de visitar estrangeiros, em hotéis: só mesmo "guiados". Este foi um dos episódios que levantaram suspeitas ao autor de L''IMORALISTE.

Anónimo disse...

Senhor Eugénio Lisboa;

Pois! tem toda a razão.

Eles viajaram a convite da União das Associações Soviéticas para a Amizade e Relações Culturais entre os Povos.

O que as pessoas não sabem, e o Eugénio Lisboa sabe, é que o Urbano Tavares Rodrigues e também o Óscar Lopes eram pessoas muito influentes e nas suas mãos tinham os destinos de Portugal e quiçá até do mundo... por isso tiveram uma visita guiada pelos soviéticos.

Se os soviéticos fossem um pouco mais inteligentes, tinham-se aconselhado com o Eugénio Lisboa, e não tinham criado essa maldita associação de amizade entre os povos, que diga-se a verdade, só lhes deu enormes trabalhos para organizar as ditas "Visitas Guiadas" entre povos do mundo inteiro.

Tiveram sorte, se tivessem convidado o Eugénio Lisboa outro galo cantaria... e tínhamos descoberto toda a verdade... mas não, convidaram indivíduos pouco espertos, que não suspeitavam de nada, uns anjinhos.

Alan Mathison Turing, conhece? Era Soviético?

Eugénio Lisboa disse...

Infelizmente, o que o Sr. diz, com ironia, é a verdade. E não sei a que propósito vem Alan Turing. Uma andorinha não faz a primavera. e, na União Soviética, as purgas eram aos baldes. Querer comparar a sangueira daquele inferno com os casos isolados de Wilde ou Turing é o cúmulo do ridículo. Parece incrível que, depois de tudo quanto hoje se sabe daquele inferno dantesco, ainda haja quem o queira branquear. Mas cada um come do que gosta. Todos nós sabemos bem o que eram essas associações de amizade... Eu estive lá em 1984 e tive um gostinho daquele mundo tenebroso. Quando um jovem, à saída de uma visita ao Hermitage, me veio pedir um cigarro, foi violentamente vituperado pela guia da excursão, por estar a falar com um estrangeiro. Podia contar-lhe outras. Se quiser continuar a vender aquele "paraíso", esteja à vontade. Mas não acredito que haja muitos compradores... É da psicologia mais elementar que, quando se vai predisposto a gostar, como aconteceu com os meus amigos Urbano e Óscar Lopes, não se é muito exigente nem escrutinador e come-se o que lhes servem. Que diabo, o nosso Estado Novo fazia exactamente a mesma coisa e "convidava" egrégias figuras como Pirandello e Valéry que... aceitavam, comiam, bebiam, festejavam, viajavam, viam o que lhes queriam mostrar e iam de regresso de "consciência tranquila". As ditaduras são todas iguais e usam os mesmos métodos milenares. Ninguém, no século XX, inventou a pólvora. Faça pois o Anónimo a ironia que quiser. Os historiadores sérios abundam e os testemunhos e os documentos também. OS mesmos que, com razão, troçavam das viagens guiadas que o Estado Novo propiciava, não viam qualquer objecção quando eram promovidas pelos da boa doutrina. Dois pesos e duas medidas, pois. A mim, enojava-me tanto o Estado Novo, como a União Soviética. Mas talvez eu tenha o paladar demasiado afinado e não saiba distinguir entre os meus patifes e os patifes deles.

Eugénio Lisboa disse...

Não vale realmente a pena continuar esta discussão estéril. Cada um acredita no que quer. Eu também estive lá e, mesmo dentro dos limites apertados em que viajei, vi muito, com os meus próprios olhos e não com olhos alheios. E achei aquilo tenebroso. Uma noite, fui dar com a minha falecida mulher lavada em lágrimas. Não foi só o Urbano que testemunhou sobre a URSS. Houve montes de testemunhos e alguns bem volumosos. Sugiro-lhe que leia o famoso THE RUSSIANS, de um jornalista do New York Times, que viveu na Rússia durante vários anos. Criou lá amigos, escreveu um livro nada faccioso nem hostil, mas, em várias centenas de páginas, traça um retrato do que era aquela miséria. Tenho muita pena, mas acho mais documentado e credível este testemunho do que oa dos meus amigos Urbano e Óscar Lopes. Há muitos outros testemunhos e volumosos livros de historiadores NADA PANFLETÁRIOS, QUE DÃO TESTEMUNHOS QUE NÃO CREDIBILIZAM ESTES DOIS ÚLTIMOS. MAS, MAIS DO QUE TUDO, EU ESTIVE LÁ E vi. E SERIA O ÚLTIMO SÍTIO ONDE QUERERIA VIVER. OS HOMENS DA FRELIMO, QUE VIVERAM NA URSS, VIERAM DE LÁ COM UMA PÉSSIMA IMPRESSÃO, ENTRE ELAS A DE QUE OS RUSSOS NEM SEQUER ESCONDIAM MUITO O SEU RACISMO. BASTA VER AS INFAMES PICARDIAS QUE AQUELE SINISTRO GRUPO WAGNER ANDA A FAZER NAQUELA POBRE ÁFRICA.
QUANTO A RECOMENDAR-ME QUE APRENDA A LER, QUE DIABO, HAJA UM BOCADINHO DE PUDOR. LIMITO-ME A NÃO ACREDITAR, PORQUE NÃO É DO DOMÍNIO DO ACREDITÁVEL, QUE URBANO TENHA VISTO TUDO QUANTO QUIS, EM PLENA LIBERDADE. COMO SE DIZ NOS ROMANCES NEGROS NORTEAMERICANOS, "yOU BELIEVE THAT YOU BELIEVE ANYTHING".
PEÇO DESCULPA PELAS MAIÚSCULAS NA SEGUNDA PARTE SA MINHA MENSAGEM, MAS NÃO ESTOU COM PACHORRA PARA EMENDAR.

Anónimo disse...

Senhor Eugénio Lisboa,

No período de 1949 a 1991, cerca de 60 mil africanos estudaram na URSS.

Se o Eugénio Lisboa quer falar de racismo e escravidão tem toda a autoridade para isso, basta que fale daquilo que verdadeiramente conheceu, que fale do racismo e da escravidão que os dos portugueses praticavam em Moçambique.

A URSS tem alguma coisa que aprender com os portugueses em matéria de racismo e escravidão a que sujeitavam os povos africanos.

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