quarta-feira, 27 de dezembro de 2023

"CONCÍLIO DOS SÁBIOS" NO PORTO

Minhas intervenções no recente Concílio dos Sábios, realizado na Misericórdia do Porto, com João Micael, Annabela Rita e Helena Marujo:

Intervenção do Dr. João Micael:


Foi mencionada a atenção à novidade e à inovação. No estrangeiro, em países avançados, ou pelo menos com maior disposição à novidade e à inovação, enfim ao que de mais moderno se faz, somos por vezes confrontados com realidades onde há alguns atrasos, por exemplo na aplicação da tecnologia. Nós adoptámos rapidamente a  Via Verde, os telemóveis, os cartões de débito e crédito, o MBWay, os carros eléctricos, etc., coisas que são menos comuns noutros lados.  Há  estas contradições.

Professor Carlos Fiolhais, a ciência poderá explicar alguma coisa da realidade portuguesa? Falta-nos ciência ou falta-nos um modelo de gestão, de aliciamento, de gratificação? Ou será que o problema vem de uma cultura em que não se premeia verdadeiramente o talento? O que gostaria, no seguimento das intervenções das nossas duas Sábias, de aqui dizer?

Primeira intervenção do Professor Carlos Fiolhais:

É um privilégio estar nesta instituição multicentenária, aqui no Porto, que é uma marca muito forte da Matriz Portuguesa. A palavra Portugal tem o Porto lá dentro.

Nós temos, de facto, uma longa história de séculos, mas desempenhámos um papel mais relevante na história do mundo nos séculos XV e XVI, o tempo dos Descobrimentos. Trata-se de uma palavra que para alguns é hoje maldita. Sou contra os polícias das palavras e, por isso, se alguém proibir essa palavra, eu irei transgredir.

Falou de várias inovações recentes em Portugal. Faço notar que a palavra “descoberta”  tem origem portuguesa. Foi o povo que fez as descobertas marítimas que precisou de arranjar o termo adequado. «Descobrir», o verbo por trás de «descobrimentos» ou «descobertas», significa destapar, isto é, revelar ao mundo algo que já lá estava, mas não era conhecido, por não ser visível. Foram os portugueses que descobriram boa parte da geografia do mundo: novas terras, novos mares, novas espécies, tanto animais como vegetais, novos povos e culturas e até “novos céus”, como disse o matemático Pedro Nunes. Foi até um português, Fernão de Magalhães, que fez  pela primeira vez essa coisa extraordinária, que foi verificar por  meio de  uma viagem a esfericidade do nosso planeta: já se sabia que  a Terra era  redonda, mas ainda não se tinha  dado a volta ao mundo. Os navegadores  portugueses empreenderam o que hoje podemos chamar a «primeira globalização».

Os Portugueses foram buscar  um étimo  latino e incorporaram na língua portuguesa o termo «descobrimento» que  outros povos tardaram a incluir  nas suas línguas. Porquê? Precisamente porque precisámos desse termo primeiro que os outros: fomos os primeiros a descobrir.  Olhando para os livros antigos, hoje em larga medida digitalizados,  podemos verificar onde começou a utilização da palavra descoberta em título de um livro: tal ocorreu  numa obra do cronista Fernão Lopes Castanheda, em 1551: «História do Descobrimento e Conquista da Índia pelos Portugueses». Eu estudei na Alemanha e gosto muito da cultura germânica, que é uma cultura que preza a boa organização e a eficácia, mas eles eles chegaram à descoberta depois de nós. Só em 1613 saiu um livro em alemão com a palavra «descoberta» no título.

Este facto  não é suficientemente conhecido, mas o historiador inglês David Wootton, que, no livro intitulado «A Invenção da Ciência. Nova História da Revolução Científica», afirma equivocamente que quem «descobriu a descoberta» foram os portugueses.

E depois disso o que aconteceu? Essa é uma questão muito interessante: houve um apagamento, a que alguns chamam «declínio» ou «decadência»,  mas o apagamento do país na cena internacional não diminui em nada a relevância dos  Descobrimentos Marítimos, que foram uma saga extraordinária.

Foi aqui referido Luís de Camões. De facto,  tudo aquilo que forma o espírito da Revolução Científica, que se afirmou  no século XVII com nomes como  Galileu e Newton, incluindo meios poderosos como a observação, a experiência empírica, o raciocínio lógico e a crítica, encontra-se n’«Os Lusíadas».  Veja-se o canto V, por exemplo, designadamente as estrofes em que fala  da observação de fenómenos meteorológicos pelos «rudes marinheiros» como o fogo de Santelmo.

Alguns portugueses estavam a ser cientistas modernos antes de ter despontado a ciência moderna. A ciência moderna precisou dessa atitude anterior, dessa maior atenção que o homem deu à Natureza. Nós fomos, portanto, pioneiros da atitude científica, a atitude que conduziu ao mundo no qual estamos hoje a viver. Quando falamos de tecnologias, temos de enfatizar que, actualmente, as tecnologias mais avançadas se baseiam inteiramente na ciência. São, portanto, o resultado do método científico. A aceleração tecnológica nas últimas décadas, que aconteceu na área da computação após a Segunda Guerra Mundial, deriva puramente de descobertas científicas. Hoje fala-se muito de inovações, mas eu prefiro falar de descobertas. O homem passou das descobertas geográficas para as descobertas científicas, que não têm cessado desde o início da Revolução Científica. Vivemos hoje melhor no mundo simplesmente porque o conhecemos melhor.

Luís de Camões estava mais perto da ciência do que normalmente  se presume. Falei da valorização da experiência empírica n’«Os Lusíadas.» Pensa-se, em geral, que  a literatura é uma coisa e a que a ciência é outra, bem distinta, mas eu dou um outro  exemplo de uma ligação entre as duas áreas feita precisamente por Camões. «Os Lusíadas» foram publicadas em 1572, mas nove anos, antes e 1563, foram impressos os primeiros versos de Camões. Isso aconteceu em Goa, na Índia, no introito de um livro de ciências intitulado «Colóquio dos Simples e Drogas e Coisa Medicinais da Índia», da autoria do seu amigo Garcia da Orta, médico no Hospital de Goa. E isso é, de facto, extraordinário. Primeiro, porque é o primeiro livro de ciências escrito de raiz em português, já que até então os cientistas escreviam em latim.

De facto, Orta e Camões eram amigos, porventura encontraram-se à volta de uma mesa em Goa, e o primeiro, tendo o seu livro preparado, pediu um prefácio ao segundo. Camões escreveu : “Olhai que em vossos anos,/ Produz uma Orta insigne várias ervas/ Nos campos lusitanos, As quais, aquelas doutas protervas/ Medeia e Circe nunca conheceram,/ Ainda que as leis da Mágica excederam”. Ele compara duas feiticeiras das antigas mitologias gregas, uma espécie de ilusionistas que faziam aparecer e desaparecer coisas como doenças, ao  médico português, que  propunha novas curas baseadas  em plantas orientais.

O que aconteceu depois? Fernando Pessoa, ou melhor, o engenheiro naval Álvaro de Campos, disse-o  muito bem quando, em verso, afirmou que «pertenço aquele género de portugueses que depois da Índia  descoberta ficaram sem trabalho». Pessoa tinha essa atitude de pensar que quem tinha feito grandes obras não podia fazer as pequenas. Os portugueses como eles seriam os descendentes dos que ficaram e não os descendentes daqueles que partiram. Muitos portugueses acharam porventura que os seus antepassados já teriam feito o suficiente e pouco mais haveria a acrescentar.  Há dois versos de um contemporâneo do Fernando Pessoa, Carlos Queiroz,  poeta da família da namorada de Pessoa, que diz quase a mesma coisa que Álvaro de Campos: “Só fazemos bem/ Torres de Belém”. De facto, não é verdade (fazemos bem outras coisas!), mas percebe-se a ideia.

Os portugueses foram muito tardios a receber a grande mudança que veio depois da Revolução Científica, a Revolução Industrial. E também a concretizar o grande impulso na  escolarização  que essa Revolução exigia. A primeira máquina a vapor no Império Português destinava-se ao Brasil, para um engenho de açúcar, mas o navio que a transportava naufragou. E a primeira a chegar à Metrópole, destinada às minas de carvão de Buarcos, nunca chegou a ser montada. Parece que havia uma maldição na nossa recepção das primeiras máquinas...

Foi aqui no Norte, na  região do Porto, que se fixou mais a indústria do que no Sul, em Lisboa. O primeiro telégrafo foi montado em Portugal em 1853 entre a Foz do Douro e o Palácio da Bolsa para facilitar o comércio, sinalizando os barcos que entravam na Barra. Em Lisboa, o primeiro telégrafo, que foi posterior, serviu, não para a economia, mas para a política: destinava-se a ligar o Terreiro do Paço, sede do governo, com o Palácio das Necessidades, sede do Ministério dos Negócios Estrangeiros.

Não fazemos bem apenas torres de Belém. Também fizemos bem a Torre dos Clérigos e  a Casa da Prelada - aliás o construtor é o mesmo, Nicolau Nasoni, o italiano ao serviço de Portugal. O problema é que não desenvolvemos em grau suficiente nem a indústria, que vinha de fora,  nem a educação.

Eu não sou, de modo algum, apologista de uma atitude negativista, que parece prevalecer ainda hoje, de que não vale a pena fazer nada, pois outros já fizeram. O exemplo de inovações portugueses que deu ou da recepção rápida entre nós de inovações alheias significa que somos abertos à novidade. E sermos abertos à novidade significa ter esperança de que o melhor ainda está para vir. Os estudos científicos na área da psicologia social corroboram essa impressão geral que, em maior ou menor grau, todos temos de  falta de falta de esperança. Talvez não tenhamos esperança por não termos ciência na medida suficiente.  Por uma razão que é fácil de entender: a ciência é a ânsia da descoberta, a ciência procura hoje que o amanhã traga mais saber e, portanto, melhor qualidade de vida. Porque é que eu,  que sou cientista,  quero viver hoje? Quero viver hoje porque amanhã vou saber mais e espero, com isso, viver melhor. Mas o que move primariamente os cientistas? A sua mola  é a curiosidade. A atitude de querer saber é a antecâmara do saber.

Vou usar a palavra «felicidade» que já aqui ouvimos hoje e que não será muito científica, no sentido em que a sua definição  científica é difícil:  saber mais torna-nos mais felizes. Eu quero viver mais para ser mais feliz e isso passa por mais e melhor conhecimento. O novo conhecimento alarga os nossos horizontes. Torna, em geral, a vida melhor. Os cientistas são optimistas por natureza, porque querem sempre saber mais e sabem que o vão conseguir.

Esta atitude é partilhada hoje por muitos portugueses que, sendo investigadores, estão na fronteira do conhecimento, fazendo parte da aventura colectiva de querer saber mais. Não se pode saber mais sozinho: saber mais inclui sempre a colaboração com os outros.

A participação maciça na expansão de fronteiras de conhecimento infelizmente chegou tarde a Portugal. O nosso país foi pioneiro nas descobertas, mas depois adormeceu. Actualmente temos cerca de 50 mil cientistas hoje. Só nos últimos 30 anos é que tivemos a vontade  e a capacidade de formar estes exploradores de fronteira, estes «campeões do desconhecido».

Uma das razões foi que não tivemos antes um sistema educativo amplo e qualificado. Portugal é um país onde os índices de analfabetismo foram e ainda são terríveis: no início do século XX a taxa de analfabetos era 75% e hoje ainda é de 5%, o que parece pouco mas compara mal com as taxas de outros países europeus.  Esse atraso grande na educação demora a recuperar.

O que é preciso? Vou usar uma palavra portuguesa que devia ser mais portuguesa do que o que é: «Confiança», confiança nas pessoas, nas instituições e nos responsáveis.  Falta-nos confiança, que é o cimento social indispensável para o progresso da comunidade.

Falta-nos, em especial, confiar nas pessoas mais bem preparadas, nas pessoas que sabem como é que se pode saber mais. Concedemos bolsas para alargar a  aprendizagem, incluindo  doutoramentos e  pós-doutoramentos, a muita gente jovem, mas  não lhes estamos a proporcionar vidas. Demos-lhes bolsas, mas não lhes demos vidas. E as vidas que eles estão a perder significa que todos nós estamos com vidas diminuídas.  

Não haverá  ninguém que não  conheça casos de jovens portugueses  a trabalhar no estrangeiro. A ciência  e a tecnologia são  internacionais e uma preparação ganha aqui vale lá fora. O mundo é global e há, felizmente, larga circulação. Pertencemos à Europa, onde as fronteiras estão abertas. Mas preocupa-me que os jovens mais qualificados tenham hoje de emigrar por não terem aqui alternativas. Boa parte dele não vão por escolha, são obrigados a ir. Não só há aqui poucas oportunidades como,  quando passam a fronteira, encontram logo salários maiores. Os salários são mais avultados  porque há maior produtividade e há maior produtividade porque há melhor organização. O que é que nos falta? O que falta a Portugal, onde há tantas coisas boas como uma cultura antiga, uma tradição de paz,  boa meteorologia  e boa gastronomia?

Vivi na Alemanha três anos e meio, tendo lá concluído o doutoramento. Posso, por isso, testemunhar que  não me senti menos capaz do que os meus colegas, apesar de ter estudado aqui para obter a licenciatura. O meu principal problema de início foi a  língua. Voltei depois a Portugal porque tinha aqui oportunidades e porque senti que era meu dever ajudar o país. Ora as  novas gerações de hoje não estão a encontrar oportunidades para poderem ajudar o país. E, quando elas perdem oportunidades, nós  perdemos o futuro.

Esta é a principal mensagem que eu queria deixar . A juventude é a fase da vida em que somos mais criativos.  Eu já fui mais criativo do que sou hoje. Os nossos  criativos estão pelo mundo, como se diz hoje «têm mundo». Nós só podemos ter futuro nas instituições e a começar logo pelas universidades e a continuar pela administração pública e em todo o resto se houver  lugares para eles. Nas empresas privadas também. Temos um universo de pequenas e médias empresas e, se formos  ver a escolaridade dos empresários, verificamos que é inferior em média à  dos funcionários. É preciso confiar mais nos jovens.

Eu sei que a ciência não é a única coisa na vida, eu sei que a ciência não dá felicidade sozinha. Mas a  ciência ajuda a dar felicidade. É uma condição indispensável, embora não seja  suficiente.  Não é apenas a ciência nos salva, mas sem a ciência estaríamos perdidos, como mostrou a recente pandemia. Eu sei que há outras dimensões humanas e que a ciência, parte da vasta cultura humana, tem de se conjugar com  essas dimensões. Se se conjugar bem, tenho esperança de que o futuro seja melhor. Pela minha parte, farei o que puder para isso.

Intervenção do Dr. João Micael:

Numa conversa tida há pouco tempo, sobre a comemoração dos 880 anos de Portugal, e também porque se comemoram alguma datas redondas das relações de Portugal com o mundo - os 240 anos da relação de Portugal com os Estados Unidos e os 480 anos da chegada dos primeiros Portugueses ao Japão, a Professora Annabela Rita e eu tivemos uma conversa, via internet, com o Professor emérito Ikunori Sumida, da Universidade de Quioto. O que ele nos disse deixou-nos maravilhados. A importância da chegada dos Portugueses foi mais vasta do que dar a conhecer a espingarda, que alterou a história do Japão,  tendo havido outras coisas do domínio filosófico e inclusivamente do próprio sistema da sociedade japonesa. Nós ficámos, literalmente, com o queixo no chão, quando ele nos disse esta coisa extraordinária - que levámos, através dos Jesuítas, o sentimento e o sentido da humanidade e da igualdade.

A própria cerimónia do chá e o conceito de casa do chá são inspirados na liturgia eucarística católica. Eu achei isto fabuloso.  A casa do chá era o único local onde um samurai se separava da sua espada, se exceptuarmos a sua morte. O nosso contributo teve esta relevância.

Esta conversa continuaria, obviamente, por horas infindas, mas hoje temos, também, que agraciar e reconhecer o valor dos Portugueses.  Professor Carlos Fiolhais, o que falta? Uma nova liderança?

Intervenção do Professor Carlos Fiolhais:

Falta-nos autoestima, organização, liderança. Tudo isso são coisas que precisamos. Mas foi, de facto, extraordinário o intercâmbio de culturas de que nos revelámos capazes. De facto, tivemos e julgo que ainda temos essa maleabilidade, essa capacidade de adaptação a outras culturas.  E, antes do Japão, mostrámos essa capacidade na China, uma vez que os portugueses foram os primeiros europeus a chegar por via marítima à China, onde existia uma civilização  avançada, uma sociedade muito bem organizada. É curioso perceber porque  nós quase não comemorámos a chegada por mar à China em 1509.

Acontece que a sociedade chinesa tinha normas. Os portugueses, procurando maior prosperidade económica, foram lá fazer comércio clandestino, isto é, não respeitando as normas vigentes. Do ponto de vista chinês, não faz sentido que alguém que no fundo estava, vou usar uma palavra um pouco forte, a «piratear», fosse aceite. Houve, por isso, alguns  episódios de confrontação. A mim ensinaram-me, nas aulas de  História, que os chineses eram nossos amigos e que nos deram Macau em sinal de amizade.  Mas Macau só passou a ser um posto de comércio português após décadas de conflitos. Houve muitos prisioneiros e mortos, mas a certa altura a relação assentou e Macau constituiu-se, de facto, um sítio de comércio acordado. Mas, mais importante que do que o comércio feito com a China, através de Macau, os jesuítas de que falou levaram a ciência moderna, no século XVII, para o Império do Meio. A ciência de Galileu só demorou  meia dúzia de  anos a entrar em Pequim, penetrando mesmo no palácio imperial.  Hoje, se formos a Pequim, poderemos visitar um antigo observatório astronómico, perto da praça Tiananmen, que foi um sítio de trabalho de alguns sábios jesuítas, que  sabiam bem, com a moderna ciência adquirida na Europa, fazer calendários, e prever eclipses e outras efemérides astrais.  Eram bastante melhores nisso do que os astrólogos chineses. Ora esta transferência da ciência europeia  não é suficientemente conhecida. Claro que a ciência de Galileu vinha de Itália, mas Portugal foi uma «rampa de lançamento» para o Oriente. Nos últimos tempos, a China, apesar da pandemia que os abalou profundamente, tem sido um bastião de desenvolvimento económico no mundo. O continuado crescimento económico mundial deve-se em boa parte ao crescimento da China.

O crescimento chinês deve-se à ciência e à tecnologia. A chave  do crescimento nos dias de hoje é o  conhecimento científico. Ouvimos falar de realizações chinesas na astronáutica, na electrónica, na genética: de facto, os chineses têm sido inovadores.  Mas quem colocou lá a ciência moderna foi, em primeiro lugar,  um jesuíta português, o Padre Manuel Dias, de Castelo Branco,  que se adaptou à cultura local, vestindo-se como os chineses e, escrevendo em mandarim, apresentou em 1615 a descrição do céu de Galileu, baseada nas observações com o telescópio. Nós temos essa capacidade de intermediação, embora nem sempre  a usemos suficientemente bem. Por vezes não acreditamos em nós  e temos os problemas de  organização que já aqui foram aqui referidos. Por vezes não não nos esforçamos e  e, por vezes, reconhecemos o esforço dos outros.

Vale a pena contar uma anedota sobre o problema de não  admitirmos que alguém se distinga. Um pescador vai à pesca levando um balde com caranguejos, para servir de isco, e a certa altura um caranguejo começa a subir o balde. Quando alguém o avisa de que o caranguejo está  quase a fugir, ao que o pescador responde: «não se preocupe, pois são caranguejos portugueses. Quando um estiver quase a sair, os outros puxam-no para baixo.»

É preciso uma evolução da sociedade no sentido de permitir que cada um  ocupe um lugar adequado às suas características e capacidades, respeitando os direitos de todos. É preciso que a nossa sociedade seja não só mais eficiente como mais justa. Por outras palavras, que cada um dê o melhor  de si, não apenas em favor de si, mas também e principalmente em favor  dos outros, quer dizer, em favor  de todos. Sistemas organizativos que favorecem esse desiderato  não estão montadas em Portugal. Bem sei que não é fácil. A questão é em larga medida  cultural. Não tendo de imitar os outros países em tudo, temos de olhar para os casos mais bem-sucedidos de desenvolvimento. Por exemplo, um país atrasadíssimo como a Coreia do Sul conseguiu, em poucas décadas, criar produtos  que todo o mundo quer, fazendo aumentar  a sua riqueza colectiva.

Todos nós gostaríamos de ser mais ricos e há maneiras de o conseguir : tudo  passa hoje por conhecer mais e aplicar esse conhecimento para a melhoria da nossa vida.  Temos a população mais escolarizada do que no passado, mas, mais importante do que ter um diploma de mestre ou de doutor, é ser capaz de contribuir para a sociedade, o que não está a acontecer na medida suficiente. Mas pode e deve acontecer.

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