domingo, 17 de dezembro de 2023

A DESVALORIZAÇÃO CONSENTIDA DOS DIPLOMAS ESCOLARES

"Hoje, as escolas têm de preparar os estudantes para uma mudança socioeconómica 
mais rápida do que alguma vez foi,  para empregos que ainda nem sequer foram criados, 
para usar tecnologias que ainda não existem e resolver problemas que ainda não sabemos que vão surgir (...) o mundo já não recompensa as pessoas apenas por aquilo que sabem - o Google sabe tudo - 
mas por aquilo que conseguem fazer com isso."
Diretor do Departamento de Educação e Competências da OCDE, 2016.
 
 

Recorte da notícia do jornal Expresso, que pode encontrada aqui
Muito em virtude da insistente e persistente pressão de organismos supranacionais, entre os quais se destaca a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), uma multiplicidade de sistemas educativos têm aceitado que o seu fim último seja a preparação para o mercado de trabalho. Com o modelo empresarial por referência, passaram a focar-se na aquisição de competências necessárias ao funcionamento competitivo de tal mercado. 

Os currículos - para o ensino básico, secundário e superior - foram transformados em função desse fim, o mesmo acontecendo com a avaliação. 

Se nos colocássemos na óptica dessa organização, diríamos "perfeito"! E... enganávamo-nos! 

É que as empresas, com as quais a dita organização tem um diálogo privilegiado, passaram a declarar que, afinal, não lhes interessam os diplomas obtidos na escola ou na universidade pública: eles não querem dizer nada, não são garantia de coisa nenhuma... Os diplomas oficiais, que atestam a aquisição de competências ajustadas às necessidade do mercado de trabalho, perdem validade nesse mercado.

A desconcertante declaração, com alguns anos a circular pelo mundo, ganha força em Portugal:

“O diploma de licenciatura é cada vez menos importante, as empresas conseguem medir competências, não precisam do carimbo da Universidade (...) para certificar a qualidade",

disse alguém (ver aqui), em entrevista ao jornal Expresso do dia 12 deste mês, replicando alguém (ver, por exemplo, aqui).

(Na educação, a replicação do discurso - por parte de diversos agentes situados em diversas instâncias - tende a consolidá-lo, mesmo que ele não seja compatível com os desígnios da educação).

Entregue-se, pois, a educação ao cuidado de quem sabe do funcionamento do mercado, de quem é empreendedor e sabe como se produzem empreendedores. Na notícia, a jornalista, presume a partir das palavras do entrevistado que:

"A educação, tal como qualquer indústria, depende de incentivos".

 E, voltando a palavras do entrevistado:

"É fundamental permitir que as escolas sejam geridas de forma eficaz e com os incentivos certos para termos a educação que queremos".

A "educação que queremos", expressão acarinhadíssima pela OCDE, suscita, naturalmente a pergunta: "quem quer"? E outras se seguem: "para que quer"?; "Como quer?"...

Mas quem está interessado, mesmo que tenha responsabilidades no sistema educativo público, em pensar nestas perguntas e, evidentemente, nas preocupantes respostas a que seria conduzido?

4 comentários:

Anónimo disse...

Convém sermos rigorosos. A passagem de diplomas de licenciatura já não é uma prerrogativa das universidades. A desvalorização dos graus académicos também tem a ver com a promoção da vaidade: atualmente, os enfermeiros e os educadores de infância, entre outros, também são doutores.
A desvalorização dos diplomas contribui para a criação de um ambiente social injusto e desigual. Ao não reconhecer adequadamente o esforço e a dedicação investidos na obtenção de um diploma, a sociedade corre o risco de marginalizar aqueles que alcançaram maior elevação pessoal através da educação. Essa marginalização pode perpetuar ciclos de pobreza e limitar as oportunidades de ascensão social, minando a coesão social.

Além disso, a desvalorização dos diplomas pode resultar em subemprego e subutilização de talentos. Muitos licenciados encontram dificuldades em obter empregos compatíveis com a sua formação, o que não apenas frustra as expectativas individuais, mas também representa um desperdício de recursos educacionais. Isso compromete o potencial de inovação e crescimento económico, uma vez que indivíduos qualificados podem ser subaproveitados em setores que não correspondem ao seu nível de preparação.

Anónimo disse...

É preciso pôr as coisas nos seus devidos lugares!
Portugal é um país que não tem capacidade económica e financeira para pagar, mesmo pagando mal, a mais de cem mil professores e educadores de infância. Diga-se o que se disser, a troika tinha razão quando concluiu que tínhamos professores e educadores de infância a mais e dinheiro a menos. Será que a solução passa por proibir os professores e os educadores infância de ensinarem, de maneira que toda a população se possa licenciar facilmente e, consequentemente, aumente, em proporcionalidade direta, o número de professores e de ignorantes?!

Anónimo disse...

Enquanto estava na Europa, Lev Landau admirou as transformações revolucionárias na Rússia Soviética, argumentou que lá não há exploração e que cada pessoa trabalha para o benefício do seu país, enquanto na URSS é dada grande atenção ao desenvolvimento da educação e da ciência. Ele desprezava os preconceitos e privilégios burgueses e acreditava que a revolução acabaria com eles.

Interessante, há que refletir e compreender sem preconceitos.

Eugénio Lisboa tem andado a denegrir a URSS com o Lysenko, e outras situações que não prova, mas a finalidade é só uma, a defesa dos preconceitos e privilégios burgueses.

Socorro, a minha mulher tem um blog disse...

Muito obrigada, Helena. Gosto muito de ler os seus textos. Feliz Natal

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Por A. Galopim de Carvalho   Se, numa aula de filosofia, o professor começar por dizer que a palavra empirismo tem raiz no grego “empeirikós...