segunda-feira, 4 de dezembro de 2023

A ARTE DE TRESLER

Por Eugénio Lisboa
 
Antigamente, quando frequentei a escola e o liceu, aprendíamos a ler e a interpretar um texto. Actualmente, as escolas, insatisfeitas com aquela insignificância de ambição, ensinam vigorosamente a tresler. O texto está ali apenas como pretexto para dele tirarmos munições próprias para liquidar o autor que porventura não adira à “boa doutrina”.
 
Não há nada tão fértil em exemplos desta Nova Hermenêutica (NH), como os comentários que fertilizam as redes sociais. É uma nova e refrescante arte de atirar sempre “ao lado”. A princípio, achei irritante, depois achei lamentável, a seguir, achei cómico, actualmente, acho trágico. É a arte de bem cavalgar todo o disparate, que El-Rei D. Duarte se esqueceu de glosar (o que eu fui dizer: vão acusar-me de querer restaurar a Monarquia!).
 
Tudo isto deve vir do estado calamitoso em que se encontra o nosso ensino (desculpem-me este termo dinossáurico: “ensino”), que atira cá para fora fornadas de gente muito diplomada mas escassissimamente qualificada. O que visa esta NH é ver no texto o que lá não está ou lá aparece sem qualquer relevância. 

Um exemplo: um comentador típico das redes sociais, posto diante do célebre soneto “Amor é fogo que arde sem se ver”, observará que Camões, em vez de se preocupar com a miséria das pessoas do seu tempo, gastou o seu talento com lamechices, sem qualquer interesse para a luta de classes.
 
Outro exemplo: perante um texto cómico alusivo ao pânico de uma gente fina, reunida num acontecimento mundano, pânico causado pelo aparecimento inesperado de um rato, o comentador das redes sociais aproveitará para informar, a propósito de ratos, que acabara de comprar, num supermercado, um raticida que se revelara totalmente ineficaz, prova, se fosse preciso prova, da vigarice que é o capitalismo. 

São mais ou menos neste gosto, os comentários de texto oriundos desta fecunda NH. Não estou a exagerar. Não estou a caricaturar. Estou a fotografar com máquina fotográfica de alta fidelidade. Vejo, todos os dias, textos meus, publicados no DRN, comentados ao abrigo desta NH. Juro que, se eu, um dia, aqui falasse na Teoria de Relatividade, o facto de Einstein ter sido judeu, levaria imediatamente um Anónimo qualquer a garantir que eu estava a querer apoiar os massacres de Israel, na Palestina. Aposto singelo contra dobrado! Valerá a pena, garanto, relermos todos os grandes clássicos da Literatura Universal, apoiando-nos nos refrescantes ditames da NH. 
 
Eugénio Lisboa

5 comentários:

Anónimo disse...

À arte de tresler bem pode juntar-se a arte de trescrever...

Caríssimo, a propósito do seu trescrever, substitua lá o massacre de Israel por genocídio de Israel, pois que é disso que se trata.

Não conhece o significado de genocídio... pois!

Aqui vai.

Genocídio é o extermínio deliberado de um povo - normalmente definido por diferenças étnicas, nacionais, raciais, religiosas e, por vezes, sociopolíticas...

Eugénio Lisboa disse...

Conheço, sim, a diferença de significado entre massacre e genocídio. Essa diferença reside na palavra "deliberado", que se torna dificílimo de provar em tribunal. Fiquemo-nos por massacre que, em termos de carnificina, não é um termo nada macio. E, já agora, poderíamos observar que o termo "genocídio" intentado se aplica, sem dificuldade, aos actos do HAMAS, que ostensivamente quer escorraçar Israel daquela região. Acho sempre muito desconfortável que se mencione a indiscutível malignidade dos actos de Israel, desacompanhados dos actos bárbaros do HAMAS, que até usa reféns, como moeda de troca...Nesse peditório de um só sentido, não entro. Entre um energúmeno e o outro, o diabo que escolha. E gosto sempre de acentuar que me parecem muito odiosas e perigosas todas as teocracias, como a do Irão, cuja batuta rege muita desta balbúrdia.

Anónimo disse...

Pois mas foi o senhor Eugénio Lisboa quem acusou o senhor Putine de extermínio... e não precisou de nenhum Tribunal.

Hipocrisia.

Tenha vergonha de, com essa conversa, branquear o Genocídio que Israel.

Eugénio Lisboa disse...

Se prefere massacre ou carnificina, seja feita a sua vontade. Toca-me muito a insistência e a minúcia com que me lê. Não tenho vergonha nenhuma, porque, em lado nenhum, branqueei o massacre de Israel. Vergonha tenha o senhor, por nunca condenar o genocídio do HAMAS ou o vergonhoso regime do Irão. Convém identificar com muita clareza os bandidos TODOS e não apenas alguns. Se o Sr. sofre muito com as dores de Putin, acho que não há, para si, salvação possível. Há quem não se importe de se pôr ao lado dos tiranos, desde que eles sejam, alegadamente, de esquerda(e não são, porque aquilo nunca foi esquerda). Eu tenho condenado vigorosamente Israel e o HAMAS. Nunca o vi, a si, condenar o HAMAS ou...Putin. Sua eterna vergonha e duplicidade. E vá acusar de hipocrisia o senhor seu Pai.

Eugénio Lisboa disse...

Ao Anónimo das 21.30, também conhecido por Ildefonso Dias (nome de aura monárquica), dedico estes versos humildes, que pretendem caracterizar a sua visão dos acontecimentos::

Israel quer genocídio,
o HAMAS é só lamentável,
Israel merece repúdio,
o HAMAS , aviso afável.

Judeu é besta feroz,
muçulmano é doce ovelha.
Ser judeu é crime atroz,
o Islão só aconselha!

Alá muito piedoso
mata por misericórdia,
mas o Sião tenebroso
adora fazer discórdia.

Esta é a visão edulcorada de ID. A minha é que tanto o governo de Israel como os senhores do HAMAS são feitos da mesma farinha. Dizer esta coisa clarinha é claro que não vai impedir ID & outros de continuarem a afirmar que eu ando a branquear Israel. É assim que funcionam os discípulos confusos de Hegel...

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