quinta-feira, 7 de dezembro de 2023

Novo regime jurídico da habilitação para a docência

(...) os professores já não estudam filosofia, história ou sociologia
enquanto estão em formação. Eu acho isso muito sério, porque
essas disciplinas eram uma base da profissão e hoje
os estudantes são formados quase como tecnólogos da educação,
são preparados para oferecer conjuntos de instruções.

M. Young (ver aqui)


O normativo que acima identifico, publicado há escassos dias, altera o regime jurídico da habilitação para a docência na educação pré-escolar e no ensino básico e secundário. Substitui, portanto, o Decreto-Lei n.º 79/2014, de 14 de Maio, para firmar o compromisso do actual Governo "de garantir à escola pública, de forma sustentável, os professores em número e qualidade necessários à prossecução da sua missão".

Passei os olhos pelo texto, não o estudei em pormenor, como, por dever de ofício, preciso de fazer. O entusiasmo para tal, confesso, não é por aí além. Li, no entanto, o preâmbulo - alma de qualquer documento legal - e pareceu-me, digamos, triste: nota o envelhecimento dos professores e a pouca atractividade pelos cursos de formação. 

Estando em causa a renovação docente, reconhece-se ser preciso tomar "medidas" susceptíveis de reforçar "a quantidade e a qualidade" dos profissionais, para que respondam às "necessidades" do "sistema de ensino público".

Faz-se, de seguida, referência ao "valor e impacto da docência na qualidade da educação" e aos desafios "que disputam o espaço escolar": a globalização, a sociedade do conhecimento, a interatividade, a flexibilidade. Desafios repetidos que "vêm colocar pressão sobre a escola, exigindo-se-lhe mais do que alguma vez se lhe exigiu". 

Há que reconhecer exagero nesta afirmação, justificada, talvez, pela urgência de mobilizar as instituições de ensino superior para dotarem os futuros professores "das competências e dos conhecimentos científicos, técnicos e pedagógico-didáticos indispensáveis à escola do século XXI".

Passando por cima do maniqueísmo implícito na figura da "escola do século XXI" que é considerar a escola deste século como radicalmente diferente da de outros tempos, importa perguntar: o que falta na declaração reproduzida no final do parágrafo anterior?

Falta o essencial: conhecimento de ordem antropológica, filosófica (teleológica, epistemológica, ética...), histórica, sociológica. Conhecimento que é a base da profissão, que torna o professor um profissional intelectual, e não (apenas) um técnico.

Um técnico que, como é explícito no final do preâmbulo, terá "como referência" as malhas apertadas e muito questionáveis dos actuais documentos estruturantes do currículo: Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória, Aprendizagens Essenciais e Educação para a Cidadania.

Não, não estou a dizer que um futuro professor não deva conhecer em profundidade estes documentos, e que um professor não os use; o que estou a dizer, recorrendo às palavras de M. Young, é que corremos o risco, como formadores, de preparar aqueles que vão ensinar "para oferecer conjuntos de instruções".

3 comentários:

Anónimo disse...

Em Portugal, as habilitações para a docência estão, neste primeiro quartel do século XXI, desvirtuadas à partida por um pecado original suis generis: a carreira única dos professores do ensino básico e secundário e dos educadores de infância. Um professor que leciona física no 12.ano de escolaridade não pode, sem prejuízo grave do da justiça, e do bom senso, estar integrado na mesma carreira profissional de um educador de infância. Até podem pagar mais ao educador de infância, por o considerarem monodocente, mas pô-lo na carreira única é um disparate.
Concordo, com M.Young, que qualquer professor em formação deve estudar filosofia, história e sociologia. Vou até mais longe. também não lhe faz mal saber ciências da educação. Diga-se, de passagem, que tudo isso já é contemplado nos cursos das Faculdades de Ciências, das universidades "clássicas", de há mais de quatro décadas.
O principal problema com que se debatem os professores, para além da óbvia falta de dinheiro, é a perda da sua autonomia científica e pedagógica. Não falo da autonomia das escolas. O que corrói a alma de cada um dos professores é não o deixarem ensinar conforme aprendeu nos bancos das universidades. Licenciado não quer dizer pau mandado. Os senhores e as senhoras das ciências da educação, tal como os sequazes da filosofia ubuntu, estão a corromper o trabalho do professor em contexto de sala de aula. I Imaginem a revolta que se geraria se os políticos da saúde interferissem com o trabalho clínico dos médicos em contexto de consultório!



Anónimo disse...

Estimado Leitor Anónimo
A expressão “Ciências da Educação” não será a mais feliz para designar as disciplinas (inscritas nas ciências, na filosofia, nas artes,... ) que podem informar a educação, em concreto, a educação escolar/formal. Remete para o pensar. Já a expressão “Pedagogia” (e Didáctica) deve ser reservada para a operacionalização do ensino. Remete para o fazer. Assim, não há (ou não deveria haver) Pedagogia (e Didáctica) sem Ciências da Educação (designada assim ou de outro modo). A Pedagogia (e a Didáctica) sem Ciências da Educação a informá-la é cega.
Portanto, presumo que aquilo e o Leitor e muitas outras pessoas desejam é que as Ciências da Educação informem bem a Pedagogia (e a Didáctica).
A expressão Ciências da Educação (que parece centrar-se apenas e só nas ciências, com exclusão da filosofia, da arte..) foi, num determinado momento, adoptada / instituída em Portugal e em Espanha com intenções de agregação de conhecimento diverso. Poderia /deveria ter sido outra mas é a que temos. Convém que lhe atribuamos o sentido enunciado.
O que acabo de dizer foi explicado por um reputado académico: José María Quintana Cabanas.
Cumprimentos, MHDamião
Referência: Quintana Cabanas, J.M. (2006). Prólogo. In J. Boavida & J. Amado. Ciências da Educação. Epistemologia, Identidade e Perspectivas. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra.

Anónimo disse...

Precisamente, eu fui "obrigado" a aprender, em contexto universitário, Pedagogia, Didática e algumas matérias de Ciências da Educação. Aprendi, por exemplo, que o professor goza de autonomia científica e pedagógica no exercício das suas funções. É evidente que esta autonomia não é absoluta; também estou sujeito a regulamentações e orientações GERAIS do Ministério da Educação. Agora, quando me obrigam a vestir um colete de forças que se materializa em registar numa folha de excel as percentagens das cotações obtidas - no conhecimento, na resolução de problemas e na comunicação-, para CADA UMA das cinquenta alíneas de um teste, a minha autonomia de docente licenciado por universidade vale tanto como nada. A professora Helena Damião não pode negar que quem engendra estas bizantinices, que depois poderão ser levadas à prática por outros menos afortunados, são os teóricos da Educação. Mas, evidentemente não são todos os teóricos da Educação.
Realmente, desejo que as ciências da educação informem bem a Pedagogia e as didáticas das diferentes disciplinas.
Resumindo: uma das principais causas da degradação do ensino em Portugal é a perda de autonomia (e poder!) por parte dos professores. Quando havia exames, propriamente ditos, o professor era muito importante porque ensinava o que os alunos tinham de aprender - senão, reprovavam! As aprendizagens eram niveladas por cima (em termos de inteligência e conhecimentos).
Atualmente, com as aprendizagens niveladas por baixo (em termos de inteligência, conhecimentos e fraudes pedagógicas), passa tudo! Os professores sem autonomia (nem autoridade!) limitam-se a assistir ao definhar das escolas, pasto que chegou a ser verde, como a esperança, mas agora é terra queimada pela indisciplina e violência desenfreadas!

O BRASIL JUNTA-SE AOS PAÍSES QUE PROÍBEM OU RESTRINGEM OS TELEMÓVEIS NA SALA DE AULA E NA ESCOLA

A notícia é da Agência Lusa. Encontrei-a no jornal Expresso (ver aqui ). É, felizmente, quase igual a outras que temos registado no De Rerum...