Tive, por estes dias, acesso a trabalhos muito interessantes de Margaret Thornton, professora emérita da Australian National University (Camberra), sobre as
tendências globais de privatização da universidade pública. Com formação em Direito, ela tem reflectido no impacto das reformas levadas a cabo nesta instituição nas últimas duas décadas. O que diz não destoa da realidade portuguesa e espanhola, que melhor conheço.
Em 2012 publicou o livro
Privatising the Public University. The Case of Law, em resultado de uma investigação com base, sobretudo, em entrevistas realizadas a professores e estudantes, precisamente da área do Direito, da Austrália, da Nova Zelândia, do Reino Unido e do Canadá. Nele demonstra como
formas comerciais e instrumentais de formação jurídica são favorecidas, ao mesmo tempo que dimensões humanísticas, críticas e de justiça social são corroídas.Num
artigo de 2016, com o curioso título que reproduzo no recorte acima, explica que essas
formas são introduzidas com mestria, progressiva e estrategicamente, de modo que os académicos, acantonados num novo individualismo, se vão habituando a elas, não lhes fazendo frente objectiva nem, sequer, as contestando. Na metáfora a que recorre, os professores, tal como o sapo, ficam na panela (universidade), não se apercebendo que a temperatura está a subir e acabam cozidos (mortos sob o ponto de vista intelectual).
Eis uma síntese desse artigo:
O corporativismo das universidades públicas espalhou-se como um cancro por todo o mundo. Não é apenas a governação de cima para baixo, a centralização, a imposição de modelos de ensino, a auditoria constante e a investigação orientada por métricas que se uniformizaram, mas também a resposta dos académicos.
A metáfora do "sapo cozido" ilustra a sua anuência à erosão da ideia de universidade. Acenam a cabeça às normas mais iníquas, murmurando eventuais dissidência nos corredores ou à porta fechada. Consideram uma inevitabilidade o que está a acontecer e inútil qualquer resistência.
À medida que o modelo de governo das universidades deixou de ser colegial, os gestores, mesmo que antes tivessem sido sejam académicos, deslocaram-se dessa condição e tornaram-se a nova elite.
Embora possamos assumir que a lógica pública ainda prevalece nas universidades, o imperativo de privatização, induzido pelo desinvestimento estatal e por uma filosofia de utilizador-pagador, minou-o totalmente.
Os académicos têm, portanto, de retomar uma posição de alerta face às tentativas de instanciar modelos neoliberais de gestão universitária; modelos que levam os reitores e diretores a rodear-se de pessoal cujo papel é dizer aos académicos o que fazer, em vez de os ajudar a cumprir o seu papel.
Maria Helena Damião
2 comentários:
No caso dos ensinos básico e secundário e da educação de infância, em Portugal, as políticas educativas do ministério da educação são decalcadas das políticas para a educação da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico. Os professores e educadores de infância portugueses também sentem que estão a ser cozidos, mas quase não reagem à destruição completa do ensino/ aprendizagem, quer dizer, do ensino e da aprendizagem na escola pública. A filosofia ubuntu e o ensino/ aprendizagem por grelhas atafulhadas de domínios, rubricas e provas de aferição podem não ser os mais adequados para educar nas escolas e jardins de infância, mas se a OCDE diz que estes métodos são os melhores para igualar as classes sociais, através da inclusão dos pobrezinhos na escola, o que interessa todo o resto?!
"Os académicos têm, portanto, de retomar uma posição de alerta... ".
Será isto possível no contexto atual?
Com a ressalva de se referir ao estado da escola básica e secundária e não da universidade, José Pacheco Pereira, num artigo de opinião no Publico "Apologia do velho do Restelo", refere:
"O resultado é que se está a tirar poder às pessoas. Quem o faz? O Ministério da Educação, os pais, os directores das escolas e alguns professores, todos eles na sua maioria já "formados" nestes deslumbramentos e medos".
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