Corre que um certo director escolar apresentou com atraso a sua Carta de Missão e que, uma vez apresentada, verificou-se ser plagiada na sua quase totalidade (ver, por exemplo, aqui).
Por dever do ofício, leio muitos Projectos Educativos, Planos de Intervenção e Cartas de Missão, (documentos estabelecidos na lei como estruturantes da política de Autonomia e Flexibilidade Curricular) e se há uma ideia que sobressai dessa leitura é a seguinte: a exigência de inovação traduz-se na replicação.
Vejo, nos vários documentos, as mesmas palavras (as palavras "de ordem"), as mesmas declarações (muitas vezes na forma de slogans), mais ou menos no mesmo alinhamento. Seguem, em tudo, a essência da "narrativa para a educação" vigente, que considero ser elaborada para obscurecer, não para esclarecer.
A verdade é que nunca consegui compreender qualquer documento desses, na sua essência, lógica, novidade; não conseguindo, portanto, perceber em que é que uma escola é diferente de outra, a missão de um director diferente da missão de outro.
Conjecturo que, nas escolas, se deve pensar que os ditos documentos se redigem como os vejo redigidos e que se forem redigidos de outro modo poderão desencadear problemas, sobretudo de "prestação de contas". Conjecturo também que o processo será o seguinte: alguém redige, muito próximo da letra da lei, um documento; outro alguém usa-o como base para redigir o que tem em mãos; um terceiro alguém... etc. E assim se chega à uniformização que se pode constatar.
Não venho defender o director acima mencionado (que não tive curiosidade de saber quem é, isso não é relevante), o que digo é que ele não destoa do que se faz nas escolas e... mais acima.
Atente o leitor nos textos que se seguem e, se for capaz, encontre diferenças substanciais:
Documento orientador da OCDE (2018). “We are facing unprecedented challenges – social, economic and environmental – driven by accelerating globalization and a faster rate of technological developments. At the same time, those forces are providing us with myriad new opportunities for human advancement. The future is uncertain and we cannot predict it; but we need to be open and ready for it. The children entering education in 2018 will be young adults in 2030. Schools can prepare them for jobs that have not yet been created, for tech-nologies that have not yet been invented, to solve problems that have not yet been anticipated. It will be a shared responsibility to seize opportunities and find solution. (OCDE, 2018, The future of education and skills – Education 2030. OECD).
Documento saído no jornal Público assinado pelo Grupo de Consultores do Projeto da OCDE (sendo um dos Consultores o nosso actual Ministro da Educação): “Enfrentamos hoje desafios sem precedentes – sociais, económicos e ambientais – provocados por uma globalização em aceleração e por um muito mais rápido desenvolvimento tecnológico. Paralelamente, estas forças conferem uma miríade de novas oportunidades para o desenvolvimento humano. O futuro é incerto e não o conseguimos predizer; mas é preciso estar disponível e preparado para esse futuro. As crianças que entram nos sistemas educativos em 2018 serão jovens adultos em 2030. As escolas têm de os preparar para empregos que ainda não foram criados, para tecnologias que não foram ainda inventadas, para resolver problemas que ainda não foram antecipados. Aproveitar oportunidades e encontrar soluções será uma responsabilidade partilhada.” (Grupo de Consultores do Projeto da OCDE “Future of Education and Skills 2030” (2018). Educação para um mundo melhor: um debate em curso a uma escala global. Público, 16 de Fevereiro)
Documento legal que estrutura o Ensino Básico e Secundário: “… a sociedade enfrenta atualmente novos desafios, decorrentes de uma globalização e desenvolvimento tecnológico em aceleração, tendo a escola de preparar os alunos, que serão jovens e adultos em 2030, para empregos ainda não criados, para tecnologias ainda não inventadas, para a resolução de problemas que ainda se desconhecem. Nesta incerteza quanto ao futuro, onde se vislumbra uma miríade de novas oportunidades para o desenvolvimento humano, é necessário desenvolver nos alunos competências que lhes permitam questionar os saberes estabelecidos, integrar conhecimentos emergentes, comunicar eficientemente e resolver problemas complexos.” Decreto-Lei n.º 55/2018, de 6 de Julho.
É certo que replicar (evito a palavra "plágio"), mesmo quando todos replicam, não é uma propriamente uma abordagem ética, mas é, sem dúvida, uma estratégia estabelecida, desde as instâncias mais globais, passando pelas nacionais, até às escolares. Se, alegando inovação, laborarmos numa certa replicação estaremos livres de apoquentações e, mais, seremos considerados educadores do século XXI!
2 comentários:
Na escola do colega Fernando aconteceu igual;
Na escola da colega Susana idem;
Na minha escola também.
Serão poucos os diretores capazes (com propriedade intelectual) de elaborarem, apresentarem e defenderem um documento estruturante. Muito poucos!
Prezado Rui Ferreira, serão poucos os directores, os professores, os investigadores, os políticos, e todos os outros "actores"...
A "narrativa" para a educação estabelecida configurou um pensamento único a que corresponde uma linguagem única. Isto quando a critica e a criatividade sobressaem nessa mesma "narrativa"...
Cumprimentos, MHDamião
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